Acórdão nº 01064/17 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 24 de Janeiro de 2018

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução24 de Janeiro de 2018
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Recurso para uniformização de jurisprudência da decisão arbitral proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa - CAAD no processo n.º 3/2017-T 1. RELATÓRIO 1.1 A sociedade denominada “Z………………, Lda.” (adiante Recorrente) veio, ao abrigo do disposto no art. 25.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de decisão arbitral proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), tendo apresentado alegações do seguinte teor (Aqui como adiante, porque usaremos o itálico nas transcrições, os excertos que estavam em itálico no original surgirão em tipo normal.

): «I. O litígio e o teor da decisão final I.I. Enquadramento do litígio Discute-se nos presentes autos a (i)legalidade dos actos de liquidação de retenção na fonte de IRS n.º 2016 6410000867 e da liquidação de juros compensatórios n.º 2016 00001716038, relativos ao seu exercício de 2012, de que resultou um montante a pagar de imposto no valor de € 188.740,33 e de juros compensatórios no valor de € 26.558,09.

Em causa no Pedido de Pronúncia Arbitral apresentado pela ora Recorrente estava a questão de saber, em primeiro lugar, se à data de 31.12.2012 as disponibilidades identificadas contabilisticamente como saldo em «caixa», conta #11, no valor de € 719.544,49, existiam efectivamente; e em segundo lugar estava a questão de saber quais os efeitos do movimento contabilístico de anulação daquele saldo de caixa, num quadro em que tais importâncias haviam sido efectivamente distribuídas aos sócios em exercícios anteriores (que corresponde a formular a mesma pergunta de uma outra perspectiva).

E, portanto, no fundo a questão resumia-se a saber quais os efeitos jurídico-tributários num cenário em que se conjugassem os seguintes factos:

  1. Distribuição aos sócios no decurso de exercícios fiscais sem que se fizessem os respectivos lançamentos contabilísticos (permanecendo as importâncias distribuídas numa conta de caixa); b) Lançamento / regularização contabilística da distribuição do saldo de caixa num exercício posterior ao da distribuição efectiva, ou seja, num exercício em que, de facto, tal distribuição não ocorrera.

    I.II. O teor do Acórdão recorrido O Tribunal Arbitral Colectivo veio «julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral de anulação do acto de liquidação de retenções na fonte de IRS n.º 2016 6410000867».

    VEJAMOS – NO QUE RELEVA PARA O JUÍZO DO PRESENTE RECURSO – EM QUE TERMOS AQUELA CONCLUSÃO FOI FUNDAMENTADA: O Tribunal Arbitral começa por enquadrar a questão em juízo afirmando que «o que está em causa é o tratamento jurídico tributário das regularizações de caixa, no valor agregado de EUR. 595.382,55, e da saída do valor de EUR 116.845,08, com destino às contas de sócios, ambas contabilizadas em Dezembro de 2012».

    Nesse contexto, afirma-se no Acórdão, «como se viu, o tribunal dá como provada a retirada de valores, não especificados, pelos sócios – rectius pelos dois sócios que também são gerentes. Tais valores – prossegue o Acórdão – deveriam ter sido sujeitos a tributação em IRS, por retenção na fonte, por referência a cada um dos exercícios em que ocorreram as retiradas».

    Assim, ainda nas palavras do Acórdão Arbitral, «caso tivesse sido feita pela Requerente a retenção de IRS na fonte ao longo dos exercícios em que os sócios gerentes se foram apropriando de valores gerados pela actividade da Requerente, como deveria ter ocorrido, este facto tributário ulterior, quando das deliberações de distribuição, embora realmente existente, não importaria nova liquidação de imposto».

    E CONCLUI O ARESTO EM CAUSA: «Inversamente, deliberações de distribuição de lucros (ou reservas), como as adoptadas pelos sócios da Requerente em 2012 ou 2013, eram um facto tributário na data em que tais saídas de caixa são contabilizadas, sobre o qual – não tendo havido anteriormente liquidação de IRS, quando das apropriações ou levantamentos – deve haver liquidação, ou por retenção na fonte feita pelo substituto tributário, ou administrativa, na verificação da falta daquela, sem que se gere duplicação de colecta, pois que a Requerente incumpriu a obrigação de retenção na fonte do IRS devido em função dos factos tributários que se tinham verificado nos exercícios anteriores».

    No fundo, o Tribunal Arbitral Colectivo afirma que: (i) Os factos tributários verificaram-se nos exercícios anteriores ao do respectivo registo contabilístico, isto é, «ao longo dos exercícios em que os sócios gerentes se foram apropriando de valores gerados pela actividade da Requerente»; (ii) Tais valores «deveriam ter sido sujeitos a tributação em IRS, por retenção na fonte, por referência a cada um dos exercícios em que ocorreram as retiradas»; (iii) Como «a Requerente incumpriu a obrigação de retenção na fonte do IRS devido em função dos factos tributários que se tinham verificado nos exercícios anteriores» então as «deliberações de distribuição de lucros (ou reservas), como as adoptadas pelos sócios da Requerente em 2012 ou 2013, eram um facto tributário na data em que tais saídas de caixa são contabilizadas, sobre o qual – não tendo havido anteriormente liquidação de IRS, quando das apropriações ou levantamentos – deve haver liquidação».

    É este o juízo, no plano do direito, que o Tribunal Arbitral formulou e que, do ponto de vista do ora Recorrente, se encontra em frontal oposição com jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, conforme se demonstrará.

    1. O Acórdão de 05/08/2013, proferido pela Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (STA), no âmbito do processo n.º 0841/11, como Acórdão fundamento – o seu teor e a oposição com o Acórdão recorrido Como vimos, o Tribunal Arbitral Colectivo sustentou que sendo incumprida a obrigação de retenção na fonte por referência a factos tributários verificados em exercícios anteriores então haverá «novo» facto tributário no exercício em que esses factos (os mesmos) são lançados na contabilidade.

      Ora, a Secção de Contencioso Tributário do STA, no âmbito do processo n.º 0841/11, proferiu um Acórdão em que sustentou, justamente, que «estando em causa a retenção na fonte, a título definitivo (...) o facto gerador do imposto considera-se verificado na data em que ocorra a obrigação de efectuar aquela».

      E acrescentou: «[deve] o facto gerador do imposto considerar-se verificado na data em que ocorra a obrigação de efectuar a retenção na fonte, ou seja, na data do pagamento ou da colocação dos rendimentos à disposição do seu titular», pelo que, entre outras considerações específicas do caso em causa, o STA afirmou que não era de relevar o momento diferente do lançamento na contabilidade (lançamento da factura, no caso).

      Mesmo ressalvadas as especificidades do caso em juízo naquele Acórdão do STA – designadamente (i) estar em causa a retenção na fonte de IRC (e não de IRS) e (ii) as referências à não prevalência do momento da contabilização (em detrimento do momento da colocação à disposição) estarem dirigidas à determinação da taxa de câmbio aplicável – a oposição ao Acórdão é insofismável.

      É insofismável por uma razão evidente e que resulta da afirmação da relevância do momento do pagamento ou da colocação à disposição como o do facto gerador da obrigação tributária (rectius, como facto tributário), em detrimento do momento do movimento contabilístico.

      Mas essa oposição é também insofismável se apelarmos a um argumento de lógica (a contrario), na justa medida em que do Acórdão do STA se infere que a cada realidade corresponde apenas um facto tributário – no caso, fixado no momento em que nasce a obrigação de retenção na fonte (o das «apropriações ou levantamento»)...

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