Acórdão nº 01263/16 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 22 de Março de 2018

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução22 de Março de 2018
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 1699/14.6BEPRT 1. RELATÓRIO 1.1 A sociedade denominada “A…………, S.A.” (adiante Impugnante ou Recorrente) interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, considerando verificada a nulidade por erro na forma do processo, insusceptível de sanação pela convolação para o meio processual adequado, anulou todo o processado e absolveu a Administração Tributária e Aduaneira (AT) da instância, na impugnação judicial por aquela sociedade deduzida contra a liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) respeitante ao ano de 2013 e a um prédio da sua propriedade.

1.2 Admitido o recurso, a Recorrente apresentou as alegações, que rematou com a formulação de conclusões do seguinte teor (Porque usamos o itálico nas transcrições, os excertos que estavam em itálico no original surgirão, aqui como adiante, em tipo normal.

): «i. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida nos autos supra referenciados, pela qual o Tribunal a quo decidiu: «Nestes termos há que concluir ter ocorrido erro na forma de processo e, não podendo os autos ser aproveitados para prosseguirem sob a forma de processo determinada na lei, neste caso a Acção Administrativa Especial, impõe-se a anulação de todo o processado, com a consequente absolvição da Fazenda Pública da instância, nos termos do disposto no art. 278.º n.º 1 b) do Código de Processo Civil.

Decisão Nesta conformidade, na procedência da excepção de erro na forma processual, improcede a presente Impugnação Judicial absolvendo-se, em consequência, a Fazenda Pública da instância»; que assentou no seguinte erróneo entendimento: «Nos presentes autos o impugnante diz pretender a anulação do acto tributário impugnado, a liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis de 2013, com a consequente restituição clã quantia já paga, acrescida dos respectivos juros. Contudo, tal anulação dos actos tributários, depende da anulação do despacho pelo qual não se reconheceu a isenção de imposto, que decorre da aplicação do Estatuto dos Benefícios Fiscais.

Visa-se, no fundo, o reconhecimento de um benefício fiscal, não uma anulação de uma liquidação, por esta enfermar de alguma das ilegalidades fixadas na lei e que servem de fundamento a esta forma processual, a impugnação.

[...] Em face do pedido formulado e conjugando-o com a causa de pedir, resulta que o Impugnante pretende atacar o acto pelo qual não foi reconhecida a isenção de que estes prédios beneficiam com os argumentos já especificados» (sic)(sublinhado nosso).

ii. A citada decisão recorrida não pode manter-se por violar a Lei e a Constituição, além de decorrer de erro de julgamento.

É que: iii.

Não há qualquer dependência da anulação “do despacho pelo qual não se reconheceu a isenção de imposto, que decorre da aplicação do Estatuto dos Benefícios Fiscais”, pois que não há qualquer despacho que, por aplicação do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), devesse conhecer do reconhecimento ou não do benefício fiscal em causa – por respeitar, como se verá, de benefício fiscal de carácter automático com todas as consequências que daí advêm.

iv.

Não foi sequer requerido qualquer reconhecimento de benefício fiscal que levasse a um despacho assim, e também não se visa qualquer reconhecimento de um benefício fiscal – pois que a verificação da sua aplicabilidade decorre directamente da lei, não sendo carecido de qualquer acto de reconhecimento – exactamente por se tratar de benefício fiscal automático.

v.

O que se visa, efectivamente, é a anulação do acto de liquidação por este padecer de ilegalidade própria, correspondente a vício de errónea qualificação dos factos tributário e errónea aplicação da lei (erro de facto e de direito), que afecta directamente a liquidação impugnada (art. 99.º a) do CPPT).

vi. Está em causa impugnação judicial apresentada pela Impugnante de liquidação de IMI, quanto ao ano de 2013, relativamente ao prédio de que é proprietária, localizado na Rua de ………, n.ºs …… a ……, correspondente ao actual artigo da matriz urbana n.º 3398, constituído em propriedade horizontal, sendo integrado pelas fracções autónomas A, B, C, H e I, pertencente à União de Freguesias de Cedofeita, Santo Ildefonso, Sé, Miragaia, São Nicolau e Vitória (anterior artigo 271, posteriormente 926, ambos da extinta freguesia de São Nicolau) (cfr. doct. n.º 1 a 6 da petição inicial) e o identificado prédio está classificado como Monumento Nacional, sendo parte integrante do denominado “Centro Histórico do Porto”(cfr. doct. n.º 7 a 11 da petição inicial), cujo conjunto foi classificado como Monumento Nacional em resultado da sua inscrição na Lista do Património Mundial da UNESCO em 1996, e cuja publicidade foi efectuada pelo Aviso n.º 15173/2010, de 23 de Julho de 2010, do Secretário de Estado da Cultura, publicado no D.R., 2.ª série, n.º 147, de 30 de Julho de 2010, o que foi atestado pela Direcção Regional de Cultura do Norte, pela emissão de certificação da classificação do identificado imóvel para efeito de benefícios fiscais (cfr. doct. n.º 7 a 11 da petição inicial).

vii.

O referido prédio, por ser considerado Monumento Nacional, por integrado no “Centro Histórico do Porto”, está abrangido, como sustenta a Recorrente na petição de impugnação apresentada, pelo benefício fiscal de isenção de IMI previsto no art. 44.º, n.º 1, al. n), do EBF, na parte em que estabelece que estão isentos de IMI os prédios classificados como monumentos nacionais.

viii. Está em causa a isenção prevista no art. 44 n.º 1 n) do EBF que tem carácter de benefício fiscal automático, nos termos previstos no n.º 5 daquela norma: «1- Estão isentos de imposto municipal sobre imóveis: […] n) Os prédios classificados como monumentos nacionais e os prédios individualmente classificados como de interesse público ou de interesse municipal, nos termos da legislação aplicável.

[…] 5- A isenção a que se refere a alínea n) do n.º 1 é de carácter automático, operando mediante comunicação da classificação como monumentos nacionais ou da classificação individualizada como imóveis de interesse público ou de interesse municipal, a efectuar pelo Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico, I.P.

ou pelas câmaras municipais, vigorando enquanto os prédios estiverem classificados, mesmo que estes venham a ser transmitidos» (sic) (sublinhado e destaque nossos).

Por outro lado: ix. Prevê o art. 5.º do EBF, no que respeita à distinção quanto à natureza dos benefícios fiscais, como automáticos ou dependentes de reconhecimento: «1- Os benefícios fiscais são automáticos ou dependentes de reconhecimento; os primeiros resultam directa e imediatamente da lei, os segundos pressupõem um ou mais actos posteriores de reconhecimento.

2- O reconhecimento dos benefícios fiscais pode ter lugar por acto administrativo ou por acordo entre a Administração e os interessados, tendo, em ambos os casos, efeito meramente declarativo, salvo quando a lei dispuser em contrário.

3- O procedimento de reconhecimento dos benefícios fiscais regula-se pelo disposto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário.

» (sic) (sublinhado e destaque nossos).

x. Não há, pois, dúvida de que se está perante, benefício fiscal de carácter automático, que, por isso, não depende de reconhecimento pela AT, pois que decorre directamente da lei – ope legis, portanto, que não é sequer necessária qualquer intervenção do contribuinte para que tal benefício produza os seus efeitos, cabendo [à] entidade administrativa, oficiosamente, ter tal benefício em consideração no momento da emissão da liquidação, abstendo-se de a emitir – pois que os pressupostos de verificação de tal benefício fiscal decorrem directamente da lei (e a factualidade subjacente foi-lhe dada a conhecer pela entidade administrativa competente para confirmar essa factualidade, o que esta deve fazer oficiosamente nos termos da lei), exactamente considerando o seu carácter de benefício automático.

xi.

A Recorrente não requereu, sequer, que lhe fosse reconhecido qualquer benefício fiscal, pois que não carecia de reconhecimento, e, não sendo necessário qualquer requerimento de reconhecimento da isenção em causa, também o acto pelo qual a AT pretenda não reconhecer aquilo que não cabe na sua esfera ser reconhecido (e não foi sequer requerido), é de utilidade e validade jurídica inexistente – corresponde a acto nulo, portanto de nenhum efeito, por ser acto alheio às atribuições da pessoa colectiva em que se integra o autor daquele acto (art. 133.º n.º 2 b) do CPA correspondente ao actual art. 161.º n.º 1 b) do Novo CPA).

xii. Não apenas aquele acto não produz qualquer efeito, independentemente da declaração de nulidade, como esta é passível de ser conhecida em qualquer momento, nomeadamente pelo Tribunal (art. 134.º n.º 1 e 2 do CPA correspondentes aos actuais art. 162.º n.º 1 e 2 do Novo CPA).

xiii. Tal pretensão da AT de reconhecer ou não um benefício fiscal de carácter automático, isto é, cuja aplicação decorre directamente da lei, corresponde mesmo [a] acto praticado em violação do princípio de separação de poderes, com consagração constitucional, sempre a determinar a apontada nulidade (art. 2.º da CRP).

xiv.

Nem o próprio contribuinte pode renunciar a um benefício fiscal como o que está em causa nos autos, por ser automático, nos termos previstos no art. 14.º n.º 8 do EBF que dispõe que «É proibida a renúncia aos benefícios fiscais automáticos […]» (sic) (sublinhado nosso), logo, também a AT não pode não reconhecer um benefício fiscal cuja eficácia e aplicação decorre directamente da lei.

xv. Como defende toda a nossa doutrina e jurisprudência, quando esteja em causa benefício fiscal de carácter automático, o acto de liquidação do imposto, a que o facto está sujeito mas isento em função da subsunção à norma que determina tal benefício de carácter automático, é ilegal...

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