Acórdão nº 020/18 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 07 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelCASIMIRO GON
Data da Resolução07 de Fevereiro de 2018
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: RELATÓRIO 1.1.

O Director de Finanças do Porto recorre da sentença que, proferida pelo TAF do Porto, julgou procedente o recurso interposto, nos termos do disposto nos n.ºs 6 e 7 do art. 89°-A da LGT e nº 5 do art. 146°-B do CPPT, por A………………… e B………………., ambos com os demais sinais dos autos, contra a decisão proferida em 29/7/2014, que fixou o rendimento tributável, para efeitos de IRS nos anos de 2010 e 2011, por recurso à utilização de métodos indirectos no valor de € 53.177,87, para cada um daqueles anos.

1.2.

Termina as alegações formulando as conclusões seguintes: I. A questão que constitui o thema decidendum do presente recurso consiste em saber se, com base na aquisição de imóveis no valor global de € 265.889,33 quando o rendimento declarado no ano de aquisição para efeitos de IRS foi substancialmente inferior, é legítimo, ao abrigo do disposto no artigo 89°-A, n° 4 da LGT, proceder à fixação do rendimento tributável nos três anos seguintes ao da aquisição, sendo que também em relação a cada um destes anos os rendimentos revelam uma considerável desproporção superior a 50%, para menos, relativamente ao rendimento padrão (20% do valor de aquisição) resultante da tabela prevista naquele preceito legal.

  1. A sentença recorrida entendeu que “a determinação do rendimento com base na aquisição de um bem previsto na tabela do n° 4 do art. 89° A da LGT só pode ser feita uma única vez, relativamente ao ano em que se verificou ou em qualquer um dos três anos seguintes em que, nos termos do n° 1 do mesmo artigo, falte a declaração de rendimentos ou se verifique a desproporção aí prevista, e não em todos esses anos.

    " - fundamentando-se integralmente no mui douto acórdão proferido por este Tribunal Superior, a 21/01/2015, processo 01562/14.

  2. Pelo que, argumentando no presente recurso, se expõe a V. Exas., Colendos Senhores Conselheiros, entendimento que, contrariando o decidido no mui douto acórdão citado, cremos, verter, com fidelidade e inteireza, o ordenamento jurídico-fiscal, em respeito à letra e ao espírito da lei e, bem assim, à Constituição fiscal.

    IV.

    A alteração da norma contida no n° 4 do art. 89°-A, da LGT, constante da Lei do Orçamento do Estado para 2007 (Lei n° 53-A/2006, de 29 de dezembro), na parte em que dispõe que quando “o sujeito passivo não faça a prova referida no número anterior relativamente às situações previstas no n° 1 deste artigo, considera-se como rendimento tributável em sede de IRS, a enquadrar na categoria G, no ano em causa, e no caso das alíneas a) e b) do n° 2, nos três anos seguintes, (...).

    ” - negrito nosso - não pode ser entendida no sentido pugnado no douto acórdão: “visou unicamente harmonizar essa norma com o disposto nas alíneas a) e b) do n° 2 no que se refere à possibilidade de a presunção de rendimentos operar relativamente ao ano de aquisição do bem e aos três anos seguintes. Ou seja, nas alíneas a) e b) do n° 2 dizia-se que para efeitos do n° 1 eram considerados os bens adquiridos nesse ano e nos três anos anteriores.

    Porém, o n° 4, que tratava da determinação da matéria colectável, era omisso quanto ao ano em que podia onerar a presunção, omissão que a nova redacção veio colmatar (...)” – sublinhado nosso; V. A interpretação conferida à referida alteração legislativa, pelo Acórdão em apreço, não encontra arrimo legal. Antes, a alteração, teve a finalidade muito clara de esclarecer e de determinar que os bens adquiridos (imóveis, automóveis, motociclos e aeronaves) podem constituir uma manifestação de fortuna e conduzir à determinação do rendimento coletável, não apenas no ano da aquisição mas, também, nos três anos seguintes.

  3. Ao utilizar a expressão “nos três anos seguintes", prevista no n° 4 do art. 89°-A, da LGT, pretendeu o legislador, precisamente, que a presunção baseada na manifestação de fortuna repercuta os seus efeitos durante esse período.

    VII.

    Na interpretação vertida na sentença de que recorremos, o contribuinte poderia até não justificar a manifestação de fortuna e nem declarar qualquer rendimento, acabando por ter um prémio: pagar imposto unicamente sobre 20% do valor de aquisição - o que constitui uma clara violação dos princípios constitucionais da capacidade contributiva e da igualdade.

  4. Sobre esta matéria, não sendo é certo ignorado pela sentença recorrida, o próprio Tribunal Constitucional pronunciou-se já lapidarmente, confirmando sem margem para dúvidas, que a norma constante do artigo 89°-A, n° 4 da LGT quando interpretada no sentido de que a manifestação de fortuna apresentada pelo sujeito passivo permite à AT a correcção do rendimento para efeitos de IRS em qualquer dos três anos seguintes ao ano em que se verifica, nada tem de inconstitucional, num raciocínio irrepreensível "o alargamento do horizonte de controlo por parte da AT, e da potencial intervenção corretora da matéria coletável, por um período de quatro anos (o ano da verificação da aquisição de imóveis e os três anos posteriores) encontra como racional a eficácia do instituto como instrumento de combate à evasão fiscal, que de outra forma ficaria seriamente comprometida ou mesmo inviabilizada. § "se a relevância da aquisição do bem susceptível de ser considerado manifestação de fortuna se limitasse ao ano em que foi adquirido, bastaria, ao sujeito passivo que tivesse a intenção de praticar a evasão fiscal, declarar, nesse ano, um rendimento que não estivesse desfasado do rendimento padrão resultante da aplicação da tabela, podendo nos anos seguintes declarar rendimentos ostensivamente baixos, sem que a Administração Fiscal algo pudesse fazer para a isso obstar” - negrito e sublinhado nossos.

  5. Acrescentando ainda que: Com efeito, importa ter em atenção que o rendimento tributável decorrente da aplicação da normação em apreço não corresponde inteiramente ao montante aplicado na aquisição dos imóveis. Ainda que o tenha como base de cálculo, o rendimento que se presume auferido e não tributado como devido, encontra-se a partir da aplicação do percentual de 20% a esse valor, sendo o resultado - o rendimento padrão - a expressão do afluxo de proventos numa base anual que se tem como fundadamente indiciado, para efeitos de controlo da sua desconformidade com os rendimentos declarados e eventual liquidação adicional de IRS durante quatro períodos de tributação, caso não justificada. Nessa medida, não se trata, como afirma o Tribunal a quo, de extrair consequências plúrimas do mesmo facto, mas de repercutir - relevar - o mesmo facto presumido em vários períodos de incidência de IRS, no que representa um escalonamento da avaliação presuntiva do rendimento, por confronto com outras opções do legislador tributário democraticamente legitimado.

    Na verdade, para além de obedecer às apontadas exigências de eficácia na luta contra a fraude e a evasão fiscal, incentivando o sujeito passivo a declarar o rendimento real, a normação em apreço compara favoravelmente para o sujeito passivo com o que seria a tributação do acréscimo patrimonial não justificado de uma só vez e num único ano, como observa a AT. Note-se ainda que, mesmo na expressão cumulativa máxima implicitamente admitida na decisão recorrida (...), o rendimento tributável obtido a partir da não justificação de manifestação de fortuna em todos os quatro anos não ultrapassa 80% do valor dos bens imóveis adquiridos, comportando então incidência objetiva que permanece aquém do que aconteceria caso o sujeito passivo tivesse declarado todo o rendimento correspondente ao capital aplicado na mesma. ” - negrito e sublinhado nossos.

  6. O próprio entendimento do STA quanto a esta questão não parece ser unânime, porquanto no Acórdão de 24.07.2013, proferido no Processo n° 01203/13, ficou consignado um Voto de Vencido do Senhor Juiz Conselheiro António Bento São Pedro, onde pode ler-se o seguinte: “(...) Como se vê os termos da lei são claros e simples: “no ano em causa e nos três anos seguintes”. - negrito e sublinhado nossos.

  7. No mesmo sentido pode ver-se o Comentário ao Acórdão do STA de 24.07.2013 (Processo n° 01203/13), 2ª Secção, elaborado por Ana Paula Dourado e Ana Gabriela Rocha: “O argumento do STA neste acórdão (...) é o de que a interpretação literal do n° 3 do art. 89°-A da LGT implicaria o caráter sancionatório e conduziria a resultados confiscatórios porque a matéria tributável consistiria em 80% do valor do imóvel.

    Pode argumentar-se, em contrapartida, que o rendimento padrão de um sujeito passivo que tem capacidade de adquirir um imóvel no valor de € 250.000 tem de ser superior a 20% num único ano fiscal. Por outras palavras, a aquisição de um imóvel no valor referido não pode ser feita com o rendimento (presumido) de € 50.000 num único ano fiscal. Por conseguinte, na ausência de elementos fornecidos pelo SP, a tributação durante quatro anos de 20% do valor do imóvel - € 200.000 ficando ainda abaixo do valor total do imóvel, já é mais próxima do rendimento padrão que possibilita a aquisição de tais imóveis. Saliente-se, porém, que a presunção de que os rendimentos tributáveis foram de 20% do valor do imóvel, durante quatro anos, fica aquém do que terá sido auferido por um SP para poder adquirir o imóvel, e fazer face às despesas correntes e outras que não constituam manifestações de fortuna tipificadas na lei.

  8. A análise que o acórdão em que se sustenta a decisão recorrida faz da letra da lei é a de que o disposto no n° 4 do artigo 89°-A da LGT visou, unicamente, harmonizar essa norma com as alíneas a) e b) do n° 2 do mesmo artigo, que prevêem que, para efeitos de apuramento das manifestações de fortuna, relevam as aquisições de bens realizadas nos três anos anteriores pelo sujeito passivo ou por qualquer elemento do respectivo agregado familiar.

  9. A redacção do anterior n° 4 do artigo 89°-A da LGT era omissa relativamente ao ano em que podia operar a tributação de rendimentos com base nas manifestações de fortuna...

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