Acórdão nº 1877/05.9TVLSB.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Dezembro de 2009

Magistrado ResponsávelHELDER ROQUE
Data da Resolução15 de Dezembro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA Sumário : I - Na determinação do quantitativo indemnizatório por danos futuros, não é possível ficcionar que, finda a vida profissional activa do lesado, desapareça, instantaneamente, a sua vida física, e com ela todas as suas necessidades, sendo ainda de considerar a respectiva esperança de vida.

II - Tendo o lesado a obrigação legal de prover aos cuidados diários do interditando, seu filho, entretanto, maior, mas que realizava com autonomia, até à data do acidente de viação que o vitimou, é razoável considerar, no período de duração da sua previsível vida activa, em que cumpriria, por si só, essa função, a necessidade de se socorrer do contributo de uma terceira pessoa para providenciar às necessidades diárias do filho, o que já não acontecerá, no período subsequente, pelo qual ainda se prolonga a sua esperança de vida, mas em que o lesado, independentemente do acidente, já terá de suportar, com autonomia, os custos de alguém que venha a prover às necessidades quotidianas do mesmo.

Decisão Texto Integral: 1 ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: AA, residente na Rua V… G…, nº …, Quinta do Infantado, Loures, propôs a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra a Companhia de Seguros BB, SA, com sede na Rua A… H…, nº …, em Lisboa, pedindo que, na sua procedência, a ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de €218.795,00, acrescida de juros, desde a citação e até integral cumprimento, alegando, para tanto, e, em síntese, que foi embatida na traseira da viatura que tripulava, por um veículo que circulava à sua rectaguarda, segurado na ré, em resultado do que sofreu fractura da vértebra LI, que lhe demandou sete dias de internamento, ficando acamada um mês, de baixa durante ano e meio, e a padecer de incapacidade permanente parcial.

Por ter um filho deficiente, a autora necessitou de contratar uma pessoa para tratar de si e do seu filho, durante o aludido período de baixa, no que vem despendendo, mensalmente, a quantia de €250,00, que terá de suportar, até ao fim dos seus dias.

Por outro lado, não podendo assumir a actividade que desenvolvia na loja que explorava, teve de a trespassar e procurar emprego compatível com a sua condição física.

Na contestação, a ré aceita a responsabilidade estradal do condutor da viatura do seu segurado, impugnando a restante factualidade alegada pela autora.

A sentença julgou a acção, parcialmente, procedente e, em consequência, condenou a ré a pagar à autora a quantia de €105600,00, acrescida de juros, desde a data da sentença, à taxa legal de 4%, nos termos da Portaria nº291/03, de 8 de Abril, ou a outra taxa que lhe sobrevier, até integral pagamento.

Desta sentença, a ré interpôs recurso independente e a autora recurso subordinado, tendo o Tribunal da Relação julgado improcedente ambas as apelações, confirmando a decisão impugnada.

Do acórdão da Relação de Lisboa, apenas a ré interpôs recurso de revista, terminando as alegações com o pedido do seu provimento, fixando-se a indemnização global devida à autora, em €45600,00, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem: 1ª – A equidade é a justiça do caso concreto.

  1. - De acordo com os critérios actuais legais orientadores das indemnizações devidas aos lesados por acidente de viação, excepção feita à indemnização correspondente ao custo da ajuda de terceira pessoa à autora para cuidar do filho, a indemnização global devida à autora não deveria ultrapassar €15.401,33.

  2. - Pese a conclusão anterior, admite-se que os apodados danos patrimoniais futuros sejam computados em €12.000,00.

  3. - Mesmo que aqueles critérios actuais não suportem, no caso em apreço, danos morais complementares, a recorrente admite a título de danos não patrimoniais a compensação de €3.000,00.

  4. - O inexorável envelhecimento do ser humano impõe que a autora, independentemente das sequelas do acidente a que se reportam os presentes autos, ou seja, mesmo de boa saúde, teria sempre de recorrer a terceiro para ajudá-la a cuidar do filho, pelo menos a partir dos 60 anos.

  5. - A equidade aponta para o valor de €25.000,00 como verba necessária para pagar aquela ajuda referida na conclusão anterior pelo prazo razoável imputável ao acidente (11 anos).

  6. - Dado que a recorrente aceitou as arbitradas verbas de €2.100,00 e €3.500,00, equitativamente o montante global da indemnização devida à autora é de €45.600,00 (€3.000,00 + €12.000,00 + 25.000,00 +2.100,00 + 3.500,00 = 45.600,00).

  7. - Decidindo de forma diversa, o douto acórdão recorrido violou, entre outros, os artigos 496°, n°3 e 566°, ambos do Código Civil.

A autora não apresentou contra-alegações.

O Tribunal da Relação entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 722º, nº 2 e 729º, nº 2, do Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz: 1. No dia 28 de Março de 2003, pelas 5 horas e 15 minutos, a autora conduzia o seu veículo ligeiro de passageiros, com a matrícula …-…-HM, na Avenida Infante D. Henrique, no sentido Nascente-Poente - A).

  1. A autora circulava a 40 k/h, na via de trânsito da direita e com o sinal de mudança de direcção, «pisca-pisca», ligado, accionado para a direita, pois, pretendia virar para o Largo do Terreiro do Trigo - B).

  2. Quando efectuava a manobra para virar para a sua direita, o veículo 05-24-HM foi embatido, na parte traseira, pelo veículo ligeiro de passageiros, de matrícula …-…-QS, conduzido por CC - C).

  3. CC conduziu o …-…-QS, a velocidade superior a 60 Km/h, e não guardou a distância devida do veículo da autora que circulava à sua frente, conduzindo sem atenção ao trânsito, não se apercebendo da sua aproximação ao veículo que circulava à sua frente - F).

  4. Na altura do acidente, CC acusou uma taxa de alcoolemia de 1,33 g/l. - G).

  5. O veículo com a matrícula …-…-QS era propriedade da empresa DD, SA - D).

  6. CC era funcionário da DD, SA, ao serviço da qual conduzia, no interesse e sob direcção desta - 1° e 2o.

  7. DD, SA, celebrou com a ré contrato de seguro, do ramo automóvel, relativamente ao veículo, de matrícula …-…-QS, pelo qual transferiu para a ré a responsabilidade civil que lhe adviesse, nos termos desse acordo, pelos danos emergentes da circulação do referido veículo, acordo esse titulado pela apólice n° AU 15000689 - E).

  8. Em consequência do embate, referido em C), a autora sofreu o chamado «golpe de coelho» com fractura da vértebra LI – 1º e 3o.

  9. E foi conduzida, em ambulância, para o Hospital de S. José, em Lisboa, onde lhe foi diagnosticada fractura da vértebra LI, ficado ali internada - 4o e 5o.

  10. No Hospital de São José, a autora foi sujeita a tratamentos de reabilitação no leito e iniciou levante com colete tipo "Jewett", em 3 de Abril de 2003 - 6o.

  11. No dia 4 de Abril de 2003, a autora abandonou o Hospital de S. José, com o referido colete - 7o.

  12. Após sair do hospital, a autora ficou um mês retida no leito, sem se poder levantar, necessitando de ajuda de terceira pessoa para acorrer às suas necessidades elementares, como comer e ir à casa de banho - 8o e 10o.

  13. A autora andou com o colete, tipo "Jewett", até 29 de Maio de 2003 - 11°.

  14. A autora foi seguida nos serviços clínicos da ré, desde o dia 4 de Junho de 2003, onde se deslocou, mensalmente, sendo seguida pelo Dr. Aires Gouveia - H).

  15. A autora iniciou tratamentos de fisioterapia, em 28 de Julho de 2003 - 9o.

  16. A autora tem um filho, nascido em 12 de Julho de 1985, que sofre de paralisia cerebral, sendo deficiente motor e dependendo da autora, que era quem, antes do acidente, o lavava, vestia, dava de comer e o levava ao centro de deficientes que ele frequentava, diariamente - 14° e 15o e doc. de fls. 197, nos termos do artigo 659°, n°3, CPC).

  17. Durante o ano...

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