Acórdão nº 01438/16 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 28 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução28 de Fevereiro de 2018
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Recurso jurisdicional da decisão proferida no processo de recurso judicial da decisão de aplicação da coima com o n.º 2367/15.7BEPRT 1 RELATÓRIO 1.1 A………………. (doravante Arguido ou Recorrente), recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da decisão por que o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto julgou improcedente o recurso judicial interposto da decisão administrativa que lhe aplicou uma coima por considerar que incorreu em infracção ao disposto no art. 102.º, n.º 2, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), punida pelo art. 114.º, n.ºs 2 e 5, alínea f), do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), por não ter efectuado os pagamento por conta que a Administração tributária (AT) entendeu serem devidos com referência ao ano de 2013, apresentando para o efeito alegações com o seguinte quadro conclusivo: «1.º Até 2004, o recorrente exerceu a sua actividade de advogado em nome individual, como trabalhador independente.

  1. Em 30/06/2004 o recorrente cessou aquela actividade, nos termos do preceituado no art. 114.º do CIRS e do art. 33.º do CIVA, passando a exercer a sua actividade como Sócio da Sociedade de advogados B………………….

  2. O recorrente encontra-se, assim, ao abrigo da isenção prevista no art. 102.º n.º 4 al. b) do CIRS, uma vez que auferiu exclusivamente no ano de 2013 rendimentos da categoria D, tendo deixado de auferir rendimentos da categoria B.

  3. Os rendimentos declarados no anexo D respeitam à imputação na esfera dos sócios dos rendimentos de empresa com regime de transparência fiscal – art. 6.º do CIRC.

  4. Os rendimentos destas sociedades são determinados segundo as regras do IRC, efectuando-se a tributação na pessoa dos sócios.

  5. Estes rendimentos integram-se como rendimento líquido na categoria B, não havendo lugar a qualquer dedução ou restituição – art. 20.º do CIRS, n.º 4.

  6. Consequentemente, não há lugar a pagamento por conta de rendimentos imputados a sujeito individual de imposto em resultado de actividade exercida em sociedade com regime de transparência fiscal.

  7. A sentença recorrida interpretou mal a lei e aplicou-a erradamente ao caso concreto.

  8. Verificou-se, pois, a cessação da obrigatoriedade de pagamentos por conta referentes ao ano fiscal de 2013, não podendo o recorrente ser obrigado a pagar a coima por falta de pagamento por conta de um imposto que só é devido a final.

  9. Estamos, pois, perante a inexistência total do facto tributário, insusceptível de gerar qualquer coima.

  10. A Administração Fiscal deu razão ao recorrente em situações absolutamente idênticas, e relativas aos pagamentos por conta dos anos 2005, 2006, 2007 e 2008, considerando que, tendo o recorrente cessado a actividade de trabalhador independente, não é obrigado a efectuar pagamentos por conta, decisão recentemente confirmada em processos exactamente idênticos proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto.

  11. O recorrente orienta-se pela lei, mas também pelas directrizes emanadas pela Administração Fiscal.

  12. Assim, a Administração Fiscal não pode exigir do recorrente o pagamento de qualquer coima, já que foi ela própria que lhe deu razão nesta questão.

  13. Estando assim informado pela Administração Fiscal que está a interpretar a lei correctamente, como ela própria a interpreta.

  14. Face a sucessivas notificações da A.T. para pagamento de coimas, resultantes do não pagamento por conta, o recorrente viu-se obrigado a impugnar judicialmente tais decisões, tendo os Tribunais sempre dado ao recorrente e aos seus sócios razão.

  15. Os tribunais fiscais consideraram que os pagamentos por conta não eram devidos e, tendo a A.T. sancionado o comportamento do recorrente, não podia haver condenação em coimas.

  16. Face à posição da A.T. e às decisões dos Tribunais não seria lógico nem exigível que o recorrente procedesse a pagamentos por conta de IRS.

  17. O recorrente não foi negligente nem a sua conduta é censurável.

  18. Pelo menos até ao corrente ano não pode ser assacada ao recorrente qualquer responsabilidade contraordenacional.

  19. O recorrente não preencheu o tipo legal da contra-ordenação, isto é, o facto tipificado como contra-ordenação na lei.

  20. Conforme previsto pelo n.º 1 do art. 17.º do C. Penal ex vi arts. 32.º do RGCO e 3.º al. b) do RGIT, “age sem culpa quem actuar sem consciência da ilicitude do facto, se o erro lhe não for censurável”, 22.º O que é o caso dos autos, pelo que terá o recorrente de ser absolvido.

  21. Os tribunais fiscais já se pronunciaram cinco vezes sobre esta questão, sempre no mesmo sentido, dando razão ao recorrente.

  22. Estão verificados os requisitos para a existência de caso julgado, sendo que a(s) sentença(s) constitui(em) caso julgado nos precisos termos e limites em que julga – art. 673.º C.P.C.

  23. O que obsta a que o Tribunal conheça do mérito da causa, conduzindo à absolvição da instância.

  24. A presente contra-ordenação, para além de ser ilegal, configura um verdadeiro abuso do direito – art. 334.º Código Civil.

  25. O recorrente não poderá, portanto, ser objecto de qualquer sanção.

Nestes termos e nos mais de direitos que V. Exa. doutamente suprirá, deverá a douta sentença recorrida ser revogada, absolvendo-se o recorrente da condenação no pagamento da coima.

Ou, se assim se entender, deve ser verificada a existência de caso julgado, absolvendo-se o recorrente da instância».

1.2 Não foram apresentadas contra-alegações.

1.3 O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo.

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que a decisão recorrida não enferma dos erros de julgamento que o Recorrente lhe assaca, motivo por que o recurso não merece provimento, sem prejuízo de haver lugar à atenuação especial da coima. Isto, após enunciar os termos em que vem deduzido o recurso e o teor da decisão recorrida, com os seguintes fundamentos: «[…] 3. A questão que vem colocada pelo Recorrente a este tribunal consiste em saber se a falta do pagamento por conta no ano de 2013 lhe pode ser censurada e nessa medida ser tal conduta sancionada com coima, tal como foi entendido na sentença recorrida pelo tribunal “a quo”.

Desde logo importa saber se a conduta adoptada pelo arguido e aqui Recorrente, ou seja, a falta do pagamento por conta, configura ou não a prática da contra-ordenação prevista no artigo 114.º, n.ºs 2 e 5, alínea f), do RGIT.

Alega o Recorrente a este propósito que no ano em curso não havia lugar a qualquer pagamento por conta dos rendimentos imputados pela sociedade de advogados através da qual exercia a sua actividade. Subjacente a tal alegação está o entendimento do Recorrente no sentido de que tais rendimentos não são qualificados como rendimentos da categoria “B” e só estes dão lugar ao pagamento por conta em sede de IRS.

Afigura-se-nos, contudo, que não lhe assiste razão.

Com efeito e como se sabe, no regime de transparência fiscal relativo a sociedades de profissionais, como é o caso das sociedades de advogados, a matéria tributável apurada nos termos do CIRC é imputada aos sócios nos termos que resultarem do acto constitutivo da sociedade – artigo 6.º, n.ºs 1 e 3, do CIRC. E nos termos do artigo 20.º, n.ºs 1 e 2 do CIRS, tal importância constitui rendimento do sócio que é integrado como rendimento líquido na categoria “B”.

Não oferece dúvidas que no ano de 2013 foi imputado pela sociedade de advogados ao arguido/Recorrente determinado montante de rendimentos, os quais são tributados na sua esfera jurídica. Ora, sendo tais rendimentos integrados na categoria “B”, a questão que se coloca é a de saber se recai sobre o seu beneficiário a obrigatoriedade de realizar pagamentos por conta do imposto devido a final.

Ora, o facto de o artigo 3.º do CIRS não fazer referência nos seus diversos números e alíneas a este tipo de rendimento não permite concluir que o mesmo não seja qualificado como tal, ou seja, como rendimento da categoria “B”. Não oferece dúvidas que o artigo 20.º do CIRS assim o qualifica, de modo tal que o mesmo fica sujeito ao regime que se aplica a tal categoria de rendimentos.

E como se sabe, a categoria “B” de rendimentos sujeitos a IRS reveste características de “predominância” ou “preponderância” na qualificação dos rendimentos. Como refere José Guilherme Xavier de Basto (in “IRS, incidência real …”, Coimbra Editora, 2007), «uma característica especial desta categoria é o do seu “carácter predominante” relativamente aos rendimentos de qualquer outra categoria», exercendo sobre os demais rendimentos uma espécie de atracção.

Também Rui Duarte Morais (in “Sobre o IRS”, Almedina, 2008, pág. 217) refere a este propósito que “a obrigação de proceder a tais pagamentos cabe a cada um dos sócios, na medida em que são titulares de rendimentos da categoria B em resultado, pelo menos, da imputação, nessa cédula, da respectiva quota-parte dos lucros da sociedade».

E nessa medida o seu titular ficará igualmente sujeito à obrigatoriedade de efectuar três pagamentos por conta do imposto devido a final, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 102.º do CIRS.

3.1 Outra questão que vem colocada a este tribunal consiste em saber se tendo o arguido/Recorrente obtido vencimento em algumas reclamações apresentadas no Serviço de Finanças em que era posta em causa a obrigatoriedade da realização desses pagamentos por conta, assim como tendo sido julgados procedentes recursos apresentados contra decisões de aplicação de coima, o arguido/Recorrente incorreu em erro relevante sobre o carácter ilícito da sua conduta e que exclua a culpa.

Nos termos do n.º 2 do artigo 8.º do Regime Geral das Contra-ordenações, aprovado pelo Dec.-Lei n.º 433/99, «o erro sobre elementos do tipo, sobre a proibição, ou sobre um estado de coisas que, a existir, afastaria a ilicitude do facto ou a culpa do agente, exclui o dolo». Prescreve, contudo, o n.º 3 do mesmo preceito legal que «fica ressalvada a punibilidade da negligência nos...

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