Acórdão nº 322/06.7TTGDM.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Dezembro de 2009

Magistrado ResponsávelVASQUES DINIS
Data da Resolução15 de Dezembro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: CONCEDIDA A REVISTA Sumário : I - O princípio da livre apreciação da prova, consignado no artigo 655.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, preside, não apenas, à actividade do tribunal de 1.ª instância, mas também à reapreciação das provas a efectuar pelo tribunal de recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 712.º, não havendo norma que limite a liberdade de julgamento da matéria de facto na 2.ª instância, quando se trate de reapreciar prova não vinculada, contanto que a reapreciação, a incidir sobre os elementos de prova que serviram de base à decisão, designadamente sobre o teor dos depoimentos gravados, não exceda o objecto da impugnação (a parte impugnada da decisão).

II - Por força do disposto no artigo 8.º, n.º 1, da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, que aprovou o Código do Trabalho, a qualificação, como contrato de trabalho ou contrato de prestação de serviço, das relações jurídicas constituídas antes da entrada em vigor deste diploma, ocorrida em 1 de Dezembro de 2003, que se mantenham depois desta data, sem que nenhum facto ocorra determinante de mudança na sua configuração, rege-se pelo Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho (LCT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de Novembro.

III - O contrato de trabalho tem como objecto a prestação de uma actividade e, como elemento típico e distintivo, a subordinação jurídica do trabalhador, traduzida no poder do empregador de conformar, através de ordens, directivas e instruções, a prestação a que o trabalhador se obrigou.

IV - Diversamente, no contrato de prestação de serviço, o prestador obriga-se à obtenção de um resultado, que efectiva por si, com autonomia, sem subordinação à direcção da outra parte.

V - Tratando-se, em ambos os casos, de negócios jurídicos de natureza consensual, é essencial, para proceder à qualificação da relação jurídica em uma ou outra figura, averiguar qual a vontade pelas partes revelada, quer quando procederam à qualificação do contrato, quer quando definiram as condições em que se exerceria a actividade – ou seja, quando definiram a estrutura da relação jurídica em causa – e proceder à análise do condicionalismo factual em que, em concreto, se desenvolveu o exercício da actividade no âmbito daquela relação jurídica.

VI - A subordinação jurídica, característica basilar do vínculo laboral e elemento diferenciador do contrato de trabalho, implica uma posição de supremacia do credor da prestação de trabalho e a correlativa posição de sujeição do trabalhador, cuja conduta pessoal, na execução do contrato, está necessariamente dependente das ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do contrato e das normas que o regem.

VII - A subordinação, traduzindo-se na possibilidade de a entidade patronal orientar e dirigir a actividade laboral em si mesma ou dar instruções ao próprio trabalhador com vista à prossecução dos fins a atingir com a actividade deste, deduz-se de factos indiciários, todos a apreciar em concreto e na sua interdependência, sendo os mais significativos: a sujeição do trabalhador a um horário de trabalho; o local de trabalho situar-se nas instalações do empregador ou onde ele determinar; existência de controlo do modo da prestação de trabalho; obediência às ordens e sujeição à disciplina imposta pelo empregador; propriedade dos instrumentos de trabalho por parte do empregador; retribuição certa, à hora, ao dia, à semana ou ao mês; exclusividade de prestação do trabalho a uma única entidade.

VIII - Dado que os factos reveladores da existência do contrato de trabalho se apresentam como constitutivos do direito que, com base neles, se pretende fazer valer, o ónus da prova incumbe a quem os invoca, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil.

IX - O convénio firmado entre o Autor e a Ré não é susceptível de ser perspectivado como um contrato de trabalho quando, no domínio da execução de tal acordo, apenas se demonstrou que, na qualidade de agente de cobranças, o Autor, utilizando o material de escritório e o equipamento existente nos escritórios da Ré e por esta fornecido, fazia cartas de cobrança; contactava telefonicamente com os clientes devedores; organizava os processos a enviar para o departamento de contencioso da Ré; era, por vezes, indicado, por ela, aos clientes com débitos em atraso, como a pessoa que podia prestar os esclarecimentos necessários; elaborava relatórios; requeria certidões em repartições públicas; acompanhava as diligências para penhora; atendia, pessoal e telefonicamente, clientes da Ré, mas não se provou a sujeição a horário de trabalho e demonstrou-se que o valor da retribuição auferida era calculado em função dos montantes das cobranças efectuadas.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

AA demandou, em acção com processo comum, instaurada em 26 de Junho de 2006, no Tribunal do Trabalho de Gondomar, X... Portugal - Equipamentos de Escritórios, Lda.

, pedindo:

  1. Se declare que o contrato celebrado entre Autor e Ré é um contrato de trabalho, que vigora desde 2 de Dezembro de 1993.

  2. Se declare nulo o acordo de revogação do contrato de prestação de serviço, por violar o artigo 280.º, n.os 1 e 2, do Código Civil, ou, caso assim se não entenda, c) Se declare anulado, por erro, o mencionado acordo de cessação do contrato de prestação de serviço; d) Se condene a Ré a reintegrá-lo, com todos os direitos adquiridos, ou, em substituição da reintegração, caso ele por tal venha a optar, uma indemnização correspondente a 45 dias de retribuição base (€ 1.200,00) e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, contada desde a data do início do contrato até ao trânsito em julgado da decisão judicial; e) Se condene a Ré a pagar-lhe as retribuições que ele deixou de auferir desde o dia 1 de Julho de 2005 até ao trânsito em julgado da decisão judicial; f) Se condene a Ré a pagar à Segurança Social todas as contribuições (cotizações) em dívida, que lhe deveriam ter sido entregues por força de entre as partes vigorar um contrato de trabalho, remetendo-se a quantificação do pedido para sede de execução de sentença, por força da aplicação do artigo 661.º n.º 2, do Código de Processo Civil; g) Se condene a Ré a pagar ao Autor os montantes devidos a título de subsídio de refeição, correspondentes aos dias de trabalho, também a liquidar em execução de sentença; h) Se condene, outrossim, a Ré a pagar-lhe a quantia de € 11.800,00, a título de férias, subsídio de férias e de Natal, não contemplada no acordo de revogação; i) Em alternativa, no caso de se entender que o Autor teria de entregar à Ré, em consequência da anulabilidade do negócio, a quantia recebida pela celebração do acordo de cessação do contrato de prestação de serviço, julgar-se procedente por provada a compensação de créditos invocada na petição; j) Se condene a Ré no pagamento dos juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação até ao integral pagamento.

Em síntese muito breve, alegou ter celebrado com a Ré um contrato que, embora denominado de “contrato de prestação de serviços”, deve ser considerado contrato de trabalho; e que o mesmo foi revogado, tendo ele, Autor, na revogação, agido “sob coacção moral da ré”.

Contestou a Ré, excepcionando a incompetência do tribunal do trabalho para conhecer do pedido, no que diz respeito às prestações para a Segurança Social, a extinção do contrato por acordo e a prescrição relativamente às prestações para segurança social, e impugnando parte dos factos alegados pelo Autor.

Respondeu o Autor para concluir pela improcedência das excepções deduzidas pela Ré.

Findos os articulados, foi proferido despacho saneador com valor de sentença, em que foi declarada a incompetência absoluta do Tribunal, quanto ao pedido de condenação da Ré atinente às contribuições para a Segurança Social, e julgada procedente a excepção peremptória resultante da celebração do acordo para cessação do contrato, com a consequente absolvição da Ré do pedido.

Mediante recurso que interpôs para o Tribunal da Relação do Porto, o Autor impugnou aquela decisão, na parte em que julgou procedente a referida excepção peremptória, tendo aquele tribunal superior concedido provimento ao recurso e ordenado o prosseguimento dos autos.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, com gravação da prova, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente.

  1. Apelou o Autor, arguindo a nulidade da sentença e impugnando a decisão proferida sobre a matéria de facto, para concluir pela revogação da decisão recorrida.

    O Tribunal da Relação do Porto alterou a decisão proferida sobre a matéria de facto, teve por não verificada a nulidade da sentença, considerou ter vigorado entre as partes um contrato de trabalho e entendeu que o mesmo cessou licitamente, por acordo revogatório, validamente outorgado pelas partes, na decorrência do que concedeu parcial provimento ao recurso, «revogando a sentença recorrida e declarando que, em 2 de Dezembro de 1993, foi celebrado entre o Autor e a Ré um contrato de trabalho»; no mais, julgou «improcedente a acção, absolvendo a Ré dos pedidos».

    Veio a Ré pedir revista, para ver revogado «o acórdão recorrido na parte em que o mesmo aditou novos factos considerados provados bem como na parte em que qualificou o contrato celebrado entre as partes como um contrato de trabalho e, em consequência, absolver-se a Recorrente da totalidade dos pedidos formulados», para o que, a terminar a respectiva alegação, formulou conclusões redigidas como segue: «1. A sentença proferida em primeira instância considerou, e bem, não ter existido qualquer contrato de trabalho e, consequentemente, julgou a acção totalmente improcedente, por não provada, absolvendo a ora Recorrente de todos os pedidos contra si formulados.

  2. Um dos fundamentos do recurso, que o então Autor interpôs para o Tribunal da Relação do Porto, foi precisamente o de considerar que existiu um...

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