Acórdão nº 33/08.9TAMRA.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Dezembro de 2009

Magistrado ResponsávelMAIA COSTA
Data da Resolução15 de Dezembro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE Sumário : I - A reforma introduzida pela Lei 48/2007, de 29-08, guiada, em matéria de recursos, por um “desígnio de celeridade”, veio restringir por diversas vias a admissibilidade de recurso para o STJ e estabelecer uma diferente linha de demarcação de competências entre as Relações e este Tribunal.

II - Duas alterações sobressaem neste domínio: a da al. f) do n.º 1 do art. 400.º do CPP, que veio estabelecer como parâmetro de referência de recorribilidade dos acórdãos das Relações para o STJ a pena concreta (8 anos de prisão) e não a moldura abstracta, como era anteriormente; e a das als. c) e d) do art. 432.º, que vieram restringir o recurso directo para o STJ aos acórdãos proferidos pelo tribunal de júri e pelo tribunal colectivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, quando anteriormente todas as decisões do júri subiam directamente para o STJ, assim como as decisões do tribunal colectivo que visassem exclusivamente o reexame da matéria de direito.

III -Assim, sempre que a pena aplicada seja superior a 5 anos de prisão, é admissível recurso directo para o STJ. E não só é admissível como é obrigatório o recurso per saltum, por força do n.º 2 do art. 432.º do CPP.

IV - As dúvidas surgem, porém, quando a pena superior a 5 anos de prisão é a pena do concurso, sendo as penas parcelares iguais ou inferiores a 5 anos, englobando o objecto do recurso não só a pena única como também as penas parcelares.

V - Para a resolução dessas dúvidas, teremos necessariamente de partir do dispositivo do citado n.º 2 do art. 432.º, que impõe que, sempre que seja aplicada uma pena superior a 5 anos de prisão, o conhecimento do recurso de direito é exclusivamente da competência do Supremo Tribunal, não estando na disponibilidade do recorrente escolher o tribunal de recurso. Devendo o recurso ser dirigido ao Supremo, este não poderá deixar de ter competência para apreciar as penas inferiores a 5 anos de prisão, pois, de outra forma, seria sonegado ao recorrente o direito ao recurso da condenação relativamente a essas penas.

VI -Entende-se, pois, que as regras conjugadas dos n.ºs 1, al. c), e 2 do art. 432.º do CPP determinam a competência (exclusiva) do STJ para apreciar os recursos de decisões do tribunal colectivo que apliquem pena conjunta superior a 5 anos de prisão, competência essa que abrange a impugnação não só da pena conjunta como de todas as penas parcelares, ainda que inferiores àquela medida, assim se cumprindo o “desígnio” do legislador (celeridade e economia processual), sem prejuízo, antes pelo contrário, das garantias processuais.

VII - O arguido que, resumidamente, praticou os seguintes actos: - por diversas vezes, encostou o pénis às nádegas do menor A; - por diversas vezes, fez com que o mesmo menor lhe friccionasse o pénis; - por diversas vezes, roçou o pénis nas nádegas deste menor, sendo que em duas vezes o menor estava despido e o pénis ficou erecto; - por diversas vezes, friccionou o pénis erecto na zona vulvar da menor B, ejaculando para o chão, estando ambos despidos; - por diversas vezes, apalpou os seios desta menor e agarrou-lhe as coxas; - por diversas vezes, roçou o pénis erecto nas nádegas da mesma menor; - por duas ou três vezes, a mesma menor friccionou o pénis do arguido; - por diversas vezes, agarrou as pernas da menor C; - por diversas vezes, meteu uma das mãos no meio das pernas desta menor, estando ela vestida nessas ocasiões, como nas antecedentes; - uma vez, baixou as cuecas desta menor e com a mão acariciou-lhe a região vulvar; - uma vez, masturbou-se à frente desta menor, comete inquestionavelmente três crimes do art. 171º, n.º 1, do CP, cuja moldura penal é de 1 a 8 anos de prisão, sendo adequadas as penas parcelares fixadas de 3 anos e 6 meses de prisão, 3 anos e 6 meses de prisão e 2 anos de prisão.

VIII -Considerando que: - assume especial relevo a primariedade do arguido, atendendo à sua idade (57 anos); - a personalidade revelada pelo arguido não se mostra propriamente desviante, embora o domínio da sexualidade seja sempre de manifestações imprevisíveis; - a personalidade do arguido, que tem levado uma vida de trabalho, e que não será seguramente insensível ao cumprimento de uma pena de prisão e à “punição moral” que uma condenação por um crime deste tipo inevitavelmente suscita junto da comunidade onde se insere; - e que os crimes ocorreram em circunstâncias específicas, de que o arguido se aproveitou, mas que não se repetirão facilmente, entende-se que a pena única deverá ser reduzida para 6 anos de prisão, a qual não inviabilizará os fins preventivo-gerais, que são imperiosos.

Decisão Texto Integral: I. RELATÓRIO AA com os sinais dos autos, foi condenado pelo Tribunal Colectivo de Moura, como autor material de três crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art. 171º, nº 1 do Código Penal (CP), em duas penas de 3 anos e 6 meses de prisão e numa de 2 anos de prisão, sendo, em cúmulo, condenado na pena única de 7 anos de prisão.

Desta decisão recorre o arguido, que conclui assim a sua motivação: 1º. - A douta sentença recorrida condenou o Arguido na pena de SETE ANOS de prisão; 2º. - A razão do recurso reporta-se tão-somente à medida da pena; 3º. - No que respeita à matéria de facto dada como provada o Recorrente nada tem a reclamar porque é o resultado fiel da prova produzida em audiência de julgamento e nos autos; 4º - Em face da matéria de facto dada como provada e não provada entendemos que o douto acórdão violou, por erro de interpretação, o disposto nos Art° 71° e 171°, n° 1, ambos do C.P.

5°. - No que respeita ao número de crimes andaram bem os M° Juízes ao considerarem uma situação motivacional unitária; 6°. - Uma pluralidade de factos externamente separáveis deve conformar uma acção unitária quando os diversos actos parciais respondem a uma única resolução volitiva se encontram ligados no tempo e espaço; 7°. - Na verdade certas actividades às quais presidiu uma pluralidade de resoluções, todavia devem ser aglutinadas numa só infracção na medida em que revelam uma diminuição de culpa do agente; 8°. - Nos termos do Art° 171°, n° 1 do Código Penal: "Quem praticar acto sexual de relevo com ou em menor de 14 anos, ou o levar a praticá-lo com outra pessoa, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.": 9º. - A determinação da medida da pena far-se-á em função da culpa do agente e das exigências da prevenção - Art° 71°, n° 1, do CP; 10°. - Ponderando a matéria de facto dada como provada, entendemos que a pena aplicada não levou em consideração as circunstâncias em que os factos ocorreram, assim como as condições familiares, sociais e económicas do Arguido; 11°. - Os menores começaram a frequentar a casa do Arguido sensivelmente a partir de Março de 2006, e desde aquela data que se habituaram a frequentar a casa para tomarem banho, para verem televisão e brincarem; 12°. - Houve inicialmente boa vontade e generosidade do Arguido e não se vislumbra da matéria de facto dada como provada que o Arguido tivesse aceite os menores com outras intenções; 13º. - O Arguido deixou-se envolver com a lidação, a proximidade, os contactos e as festas e carinhos que as crianças são tão generosas nessa matéria; 14º. - Foi esse ambiente envolvente que contribuiu decisivamente para...

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