Acórdão nº 323/04.0TTVCT.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Dezembro de 2009

Data15 Dezembro 2009
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: CONCEDIDA A REVISTA Sumário : 1. A violação, sem causa justificativa, por parte do sinistrado, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei constitui um fundamento autónomo da descaracterização do acidente de trabalho, independentemente da intensidade da culpa com que o sinistrado tenha actuado.

  1. E compreende-se que assim seja, na medida em que a violação das condições de segurança, sem causa de justificativa, constitui um comportamento que denota já um acentuado grau de negligência, por não estar em causa a simples inobservância dos deveres gerais de cuidado, mas o incumprimento de específicos deveres de diligência estabelecidos pelo empregador ou previstos na lei, os quais o trabalhador está obrigado a implementar, seja por força do dever de obediência a que está sujeito nos termos do contrato de trabalho (art.º 20.º, n.º 1, alínea c), da LCT (em vigor à data do acidente), seja por força do disposto no art.º 15.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 441/91, de 14 de Novembro.

  2. Aliás, é por esta razão que a violação, sem causa justificativa, das condições de segurança no trabalho constitui um fundamento autónomo de descaracterização do acidente, ao contrário do que sucede com a violação dos deveres gerais de cuidado, cuja inobservância só determina a descaracterização do acidente, se na base dessa inobservância estiver a negligência grosseira do sinistrado.

  3. É de imputar a violação das regras de segurança previstas na lei, o acidente que se traduziu na queda em altura, quando o sinistrado se encontrava a trabalhar em cima de um telhado que era constituído por chapas metálicas e por chapas translúcidas de plástico com fraca resistência ao peso, fragilidade esta que era do conhecimento do sinistrado, tendo a queda resultado do facto de uma das chapas de plástico ter cedido ao ser pisada pelo sinistrado.

    Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: 1.

    O litígio sobre que versa a presente acção emergente de acidente de trabalho, que correu termos no Tribunal do Trabalho de Viana do Castelo, diz respeito a um acidente de que foi vítima AA, no dia 14 de Outubro de 2003, na Zona Industrial do Neiva, em S. Romão do Neiva, Viana do Castelo, quando, remuneradamente, trabalhava por conta da sociedade C... & Filhos, L.da, de que era sócio-gerente.

    Na fase conciliatória não houve acordo, não só pelo facto do sinistrado não ter concordado com o grau de incapacidade que lhe foi atribuído pelo perito médico, mas também porque a Companhia de Seguros A... Portugal, S. A., para quem a sociedade C... & Filhos, L.da tinha transferido a sua responsabilidade civil emergente de acidentes de trabalho, não aceitou o nexo causal entre as lesões apresentadas pelo sinistrado e o acidente nem a caracterização deste como acidente de trabalho, por alegadamente ter resultado de negligência grosseira do sinistrado e da manifesta falta de condições de segurança.

    Na petição inicial, o sinistrado só demandou a Companhia de Seguros A... Portugal, S. A., mas, na sua contestação, esta requereu a intervenção da C... & Filhos, L.da, chamamento esse que veio a ser deferido.

    No seu articulado de defesa, a ré seguradora excepcionou a descaracterização do acidente, alegando, em resumo, o seguinte: - segundo a versão do próprio autor, o acidente verificou-se quando, deslocando-se sobre a cobertura do pavilhão, que era constituída por chapas metálicas e por chapas translúcidas em plástico, em ordem e proceder à vistoria da mesma, pisou uma chapa translúcida que se quebrou, provocando a sua queda de uma altura de cerca de 10 metros sobre o chão do interior da fábrica; - ao contrário do que impunha a mais elementar prudência, para efectuar aquela operação, o sinistrado colocou-se sobre a cobertura do pavilhão sem se ter dado ao cuidado de montar uma adequada plataforma de trabalho, escadas de telhador ou tábuas de rojo e, sobretudo, sem ter utilizado o imprescindível cinto ou arnês de segurança, devidamente amarrado aos pontos fixos da estrutura da cobertura; - é que, sendo o sinistrado obrigado a movimentar-se a uma altura superior a 9 metros, era absolutamente indispensável que usasse o cinto de segurança, o que não sucedia em clara infracção ao disposto no art.º 44.º do Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil aprovado pelo Decreto n.º 41.821, de 11/5/58, e bem assim ao preceituado no n.º 1 do anexo II do Decreto-Lei n.º 155/95, de 1/7, conjugado com o art.º 11.º da Portaria n.º 101/96, de 3/4; - a fragilidade do material do telhado impunha que o sinistrado tomasse especiais medidas de segurança para evitar a queda, mediante a utilização de uma adequada plataforma de trabalho, de escadas de telhador, de tábuas de rojo e sempre cinto ou arnês de segurança; - com efeito, dadas as condições do local em que o sinistrado laborava, era absolutamente imprescindível a utilização do cinto de segurança e ou as já aludidas tábuas de rojo, desde que solidamente fixadas à estrutura metálica da cobertura; - o acidente dos autos é paradigmático quanto à necessidade do aludido cinto de segurança, na medida em que mesmo com o desequilíbrio e quebra da chapa plástica em que se apoiara, aquele sempre impediria a queda abrupta e desamparada do sinistrado ao solo, sendo por isso que a lei impõe a sua utilização desde que exista perigo de queda de uma altura superior a 1,5 m (Portaria 53/71, de 3/2); - o sinistrado seja pela sua idade e consequente experiência profissional, seja pelas funções de gerente que ocupava, tinha obrigatoriamente elevados conhecimentos técnicos daquela arte e dos riscos que lhe são inerentes; - sabia perfeitamente que o trabalho que executava a mais de 9 metros de altura, em condições de precário equilíbrio, por via da fraca resistência que as chapas de fibra translúcida ofereciam ao peso, só podia ser executado, sem risco, mediante a utilização do cinto ou arnês de segurança que, na hipótese de perda de equilíbrio ou rompimento das chapas, o suspenderia, impedindo a sua queda no solo, ou mediante a instalação dos equipamentos já referidos; - só por manifesta incúria, com absoluto desprezo pelo perigo, é que um trabalhador qualificado e experiente, como era o caso do sinistrado, efectua um trabalho a grande altura em condições de equilíbrio mais que precário, sem previamente se munir do cinto de segurança ou sem antes ter montado uma adequada plataforma de trabalho, sendo que o sinistrado, pela sua posição hierárquica na empresa, tinha o especial dever não só de dar o exemplo, como de velar pelo cumprimento, incluindo ele mesmo, das mais elementares, quanto essenciais, regras de segurança; - se é certo que, nos termos da lei e para efeitos de descaracterização do acidente de trabalho, a negligência grosseira tem de avaliar-se segundo um padrão objectivo fornecido pelo procedimento habitual de um homem de sensatez média, não é menos verdade que qualquer operário medianamente prudente e diligente conhece minimamente os riscos inerentes ao trabalho em cima de telhados com chapas de fibra e a uma altura superior a 9 metros, pelo que o comportamento do sinistrado não se integra no risco próprio da actividade que executavam, mas antes como autêntica e inadmissível temeridade; - do exposto decorre que o acidente ficou a dever-se, em exclusivo, a negligência grosseira do sinistrado que, em absoluto desprezo pelo perigo, de forma inteiramente gratuita, que a situação de maneira alguma justificava, se deslocou sobre a cobertura do pavilhão, sem, previamente, se ter dado ao trabalho de montar um apropriado equipamento de segurança e, sobretudo, sem ter utilizado o imprescindível cinto de segurança, devidamente amarrado aos pontos fixos da...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT