Acórdão nº 434/09.5YFLSB de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Dezembro de 2009

Magistrado ResponsávelMAIA COSTA
Data da Resolução15 de Dezembro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: NEGADO PROVIMENTO Sumário : I - O art. 133.° do CP prevê um tipo privilegiado de homicídio, assente numa acentuada mitigação da culpa (exigibilidade diminuída), provocada por uma “compreensível emoção violenta”, um estado de “compaixão”, de “desespero”, ou por “motivo de relevante valor social ou moral”.

II - Existirá “compreensível emoção violenta” quando o agente actua dominado por um estado emocional provocado por factos a que um homem comum e “fiel ao direito” seria sensível, sendo, portanto, atenuada a exigibilidade de conformação com as normas; ”desespero” refere-se a estados depressivos vividos pelo agente, sendo em qualquer caso necessário que a acção revele uma exigibilidade diminuída.

III - No caso em que ficou provado o seguinte: - a conduta do recorrente seguiu-se a uma discussão entre ele e a vítima, provocada pela manifestação da intenção por parte desta (e não era a primeira vez que o fazia) de se divorciar e deixar de residir com o recorrente; - no desenrolar dessa discussão, e vendo que não conseguia demover a vítima das suas intenções, o recorrente agrediu-a com uma faca, dando-lhe seis golpes; - a discussão inseriu-se no mau relacionamento entre ambos, que vinha de há muito e que se acentuara cerca de duas semanas antes do crime, quando a vítima pela primeira vez anunciara a intenção de se divorciar e sair de casa; tem de se concluir que a acção homicida do recorrente não foi provocada pelo comportamento, absolutamente compreensível, da vítima, ou de terceiros, antes tendo resultado da “incapacidade” do arguido em aceitar a decisão da vítima de pôr termo à relação conjugal, fruto possivelmente, da sua “mentalidade”, da forma como encara as relações interconjugais, revelada no longo martírio a que submeteu a vítima durante os anos de vigência do casamento, e que o impediu de aceitar as tentativas de autonomização da vítima, e sobretudo o seu desejo de se divorciar, de manifestar assim a sua livre determinação como pessoa humana.

IV - A conduta do arguido não revela que tenha agido com “compreensível emoção violenta”, nem em estado de “desespero”, mas, pelo contrário, encerra uma censurabilidade agravada que a integra no homicídio qualificado.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. RELATÓRIO AA, com os sinais dos autos, foi condenado pela 1ª Vara Mista de Sintra como autor material de: - um crime de homicídio qualificado, p. p. pelo art. 132º, nºs 1 e 2, b) do Código Penal (CP), na pena de 14 anos de prisão; - um crime de violência doméstica, p. p. pelo art. 152º , nºs 1, a) e 2 do CP, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão; - um crime de detenção de arma proibida, p. p. pelo art. 86º, nº 1, d), com referência ao art. 3º, nº 2, e) e ao art. 2º, nº 1, ar) da Lei nº 5/2006, de 23-2, na pena de 6 meses de prisão; - em cúmulo jurídico, na pena única de 15 anos de prisão.

Desta decisão, recorreu o arguido, concluindo assim a sua motivação: 1. A conduta do arguido teve lugar em circunstâncias especialmente emocionais.

  1. O arguido encontrava-se particularmente fragilizado, por virtude de doença que o afligia e aflige.

  2. O arguido encontrava-se desorientado, não conseguindo aguentar a pressão que sua mulher lhe fazia exigindo o divórcio, estado esse que mais se sublimou ao ter conhecimento de indícios de que sua mulher lhe poderia ser infiel.

  3. Foi particularmente o facto de ver sua mulher a fazer as malas para abandonar o lar conjugal e os filhos que levou o arguido a cometer o crime, que não queria praticar, já que era sua vontade viver com a família que ambos haviam constituído, daí a sua oposição ao divórcio.

  4. A pena aplicada é exagerada face a todo o conjunto de factos e circunstâncias que estão na base do crime, não podendo assacar-se toda a responsabilidade ao arguido, já que se encontrava dominado pelo desespero e emoção violenta e, provavelmente, sob efeito do álcool.

  5. Face a estes factos e circunstâncias, a culpa do arguido encontrar-se-á substancialmente atenuada, pelo que lhe deveria ser aplicada pena correspondente ao homicídio privilegiado previsto no art. 133º do CP, cuja moldura é de 1 a 5 anos de prisão.

  6. Ao optar-se pelo homicídio qualificado, mostra-se violado o art. 40º, nº 1 e 2 do CP.

    Termos em que, concedendo V. Exas. provimento ao presente recurso e reduzindo a pena para 5 anos, farão a mais lídima Justiça.

    A sra. Procuradora da República respondeu, concluindo: 1. Vem o presente recurso interposto do douto acórdão proferido nos autos que condenou o arguido (…) 2. São as conclusões que delimitam o objecto recurso.

  7. O objecto do presente recurso é restrito a matéria de direito, pois que o arguido apenas discute a qualificação do crime de homicídio e a medida da pena - nem mesmo questiona a sua efectividade.

  8. Nos termos do art° 432°, nº 1, c) do CPP, e porque não há lugar a recurso prévio para a Relação (cfr. nº 2 do citado preceito), para conhecer do presente recurso é competente o Supremo Tribunal de Justiça.

  9. No que à qualificação jurídica dos actos concerne: Considerando que os factos declarados provados - que não foram questionados – integram objectiva e subjectivamente a prática de um crime de homicídio doloso e um crime homicídio qualificado, p. p. pelos arts. 131º e 132º, nº 2, b) do CP, atenta a especial censurabilidade –e perversidade das circunstâncias dadas como provadas em que foi produzida a morte da vítima (o facto do arguido ter morto a sua mulher com seis facadas, por motivo de a mesma pretender sair de casa e divorciar-se de si).

  10. Quanto à medida concreta da pena que o recorrente considera excessiva entendendo violado o art.° 40° n° 1 e 2 do Código Penal, e que, dentro da moldura abstracta de 12 a 25 anos aplicável ao crime de homicídio qualificado, p e p. pelos art°s. 131° e 132º, n°s 1 e 2, al. b) do Código Penal, praticado pelo arguido – tendo o tribunal considerado: -Que arguido não tem antecedentes criminais e tem problemas de saúde, mas não descurando: a) Que o arguido desferiu seis facadas naquela que era sua esposa há mais de 20 anos e mãe dos seus filhos; b) Que apesar da sua mulher e infeliz vítima - com apenas 42 anos de idade - ter gritado por socorro assim que o arguido desferiu a primeira facada e ter tentado fugir, o arguido, de forma rápida e consciente, agarrou-a, desferindo-lhe pelo menos mais cinco facadas, não conseguindo aquela sequer sair do quarto da filha, conseguindo desta forma o resultado que pretendia de forma livre, deliberada e consciente: a morte da sua mulher; c) Que actuou na presença dos filhos menores de ambos.

  11. Não esquecendo que num crime como este é indispensável que não seja posta irremediavelmente em causa a crença da comunidade na validade de uma norma e, por essa via, os sentimentos de confiança e de segurança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais.

  12. Aceita o Ministério Público como o mínimo abaixo do qual seriam defraudados todos os princípios que presidem à determinação da medida concreta da pena a aplicação ao arguido da pena de prisão de 14 anos em que foi ondeando, a qual peca pela brandura porquanto a Relação e o Supremo têm considerado (em casos de arguidos sem antecedentes criminais) penas de 17 e 18 anos como mais adequadas a este tipo de ilícitos, sendo 15 anos mais proporcional ao crime de homicídio simples perpetrada em moldes como os presentes.

    Neste Supremo Tribunal de Justiça, o sr. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se, quanto ao mérito do recurso, da seguinte forma: III.1. O recorrente põe em causa a qualificação do crime de homicídio e a medida da pena aplicada.

    Não lhe assiste, porém, qualquer razão.

    O legislador português seguiu, em matéria de qualificação do homicídio, um método muito particular, combinando um critério generalizador, determinante de um especial tipo de culpa, com a técnica chamada dos exemplos padrão.

    As circunstâncias previstas, por forma não taxativa, no nº 2 do artigo 132º nº 2 do C. Penal, não operam automaticamente, sendo indispensável determinar se, no caso concreto, preenchem o elemento qualificante de especial censurabilidade ou perversidade e justificam uma sanção que não cabe na...

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