Acórdão nº 09S0619 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Dezembro de 2009

Magistrado ResponsávelVASQUES DINIS
Data da Resolução15 de Dezembro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA REVISTA Sumário : I - Para fazer responder, a título principal e de forma agravada, a entidade empregadora, em virtude de o acidente de trabalho resultar da falta de cumprimento de regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 18.º, n.º 1 e 37.º, n.º 2, da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro (LAT), é necessário provar-se: i) que sobre a empregadora recaía o dever de observar determinadas regras de comportamento cuja observância, seguramente ou muito provavelmente, teria impedido a consumação do evento danoso e que a entidade empregadora (ou seu representante) faltou à observância dessas regras, não tomando por esse motivo o cuidado exigível a um empregador normal: ii) que entre essa sua conduta inadimplente e o acidente intercorre um nexo de causalidade adequada.

II - Ao estabelecer que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão, o artigo 563.º do Código Civil acolheu, como é unanimemente reconhecido na doutrina e na jurisprudência, a teoria da causalidade adequada na sua formulação negativa, segundo a qual, o estabelecimento do nexo de causalidade, juridicamente relevante para efeito da imputação de responsabilidade, pressupõe que o facto ilícito (acto ou omissão) praticado pelo agente tenha actuado como condição da verificação de certo dano, ou seja, que não foi de todo indiferente para a produção do dano, apresentando-se este como consequência normal, típica ou provável daquele, conclusão esta a extrair da análise de todo o processo factual que, em concreto, conduziu ao dano.

III - Havendo no Manual de Segurança de determinada máquina (uma Grua), a indicação de que, para a execução, em plenas condições de segurança, dos trabalhos de desmontagem do respectivo GIB — acessório constituído por uma estrutura em ferro —, em plenas condições de segurança, deveria utilizar-se andaime ou plataforma de trabalho, a não disponibilização, pela entidade empregadora, de um destes meios de prevenção de riscos, por ocasião da realização daqueles trabalhos, configura inobservância de regras de segurança no trabalho, atento o disposto no artigo 273.º, n.os 1 e 2, alíneas a) e b), do Código do Trabalho (versão de 2003).

IV - Tendo-se provado que o acidente consistiu em ter o trabalhador sido atingido pelo GIB, que caiu devido a deficiente tensionamento dos cabos que o sustentavam, quando ele se encontrava debaixo do GIB a proceder à retirada de duas cavilhas através de pancadas que, necessariamente, tinham de ser desferidas do interior para o exterior do GIB — uma vez que elas tinha sido montadas, contra as instruções técnicas do respectivo manual, introduzidas do interior para o exterior do GIB —, ignorando-se, todavia, se era possível executar a tarefa em causa em cima de andaime ou plataforma de trabalho, naturalmente situado em plano paralelo ao GIB, portanto no exterior deste, a fim de evitar que o trabalhador operasse debaixo mesmo, não pode concluir-se pela verificação do nexo causal entre a falta de disponibilização daqueles meios e o evento danoso.

V - A prova do nexo de causalidade — no sentido naturalístico que esta expressão comporta, compreendendo todas as circunstâncias que, numa cadeia relacional de causalidade adequada, integram o processo que conduz ao evento danoso — incumbe a quem invoca o direito deste emergente, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, Código Civil.

VI - Se o dano é imputado à circunstância de não ter sido adoptado determinado comportamento imposto por uma regra de conduta, quem pretende fazer valer o direito, há-de alegar e provar, além da omissão do comportamento, que a omissão interveio no processo causal do dano, ou seja, que a ter sido adoptado o comportamento em falta, o dano, provavelmente, não teria acontecido, o que significa que aos Autores incumbia alegar e demonstrar que era possível realizar a tarefa de retirada das cavilhas, sem necessidade de o sinistrado se colocar em plano inferior ao da peça que desmontava, facto que, em juízo de prognose póstuma, permitiria estabelecer o nexo de causalidade adequada.

VII - O artigo 18.º, n.º 1, da LAT contém duas previsões distintas, contemplando: i) no primeiro segmento, os casos em que o acidente é provocado pela entidade patronal, ou por um seu representante, intencional ou negligentemente (por imprudência, imperícia ou inconsideração, traduzindo a violação do dever geral de cuidado), sendo a culpa apreciada pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso, nos termos do artigo 487.º, n.º 1, do Código Civil; ii) no segundo segmento, os casos de inobservância de regras específicas de comportamento, atinentes a certas actividades, de que decorrem deveres especiais, cuja violação traduz uma conduta negligente.

VIII - Se a sentença da 1.ª instância concluiu não ser de imputar, em termos de causalidade adequada, responsabilidade na produção do acidente a violação de regras de segurança pela empregadora ou a qualquer comportamento culposo desta, e os Autores, no recurso de apelação, se limitaram a criticar tal decisão, no ponto em que ela concluiu não poder considerar-se que a omissão da empregadora, no tocante ao dever de disponibilizar andaime ou plataforma de trabalho, foi a causa exclusiva ou principal do sinistro, não pode ser apreciada na revista a alegação atinente à responsabilidade da empregadora por actos negligentes de empregados seus, à luz do primeiro segmento daquele preceito, pois o que nessa parte foi decidido na primeira instância transitou em julgado (artigos 671.º, n.º 1., 673.º e 684.º, n.os 3 e 4, e 690.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, na versão que resultou da revisão operada pelos Decretos-Leis n.os 329-A/95, de 12 de Dezembro, e 180/96, de 25 de Setembro).

IX - Não se demonstrando a existência de qualquer regra que, visando a garantir a segurança no trabalho, directamente, imponha deveres especiais a observar pela empregadora, quanto à execução, pelos trabalhadores, das tarefas de tensionamento do cabos e de introdução das cavilhas, os comportamentos negligentes daqueles que terão estado na origem do sinistro não podem ser encarados como inobservância de regras sobre a segurança no trabalho imputável à entidade patronal.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

Em acção especial emergente de acidente de trabalho, instaurada mediante participação efectuada 9 de Agosto de 2005, AA e BB, respectivamente, viúva e filho do sinistrado CC, demandaram, no Tribunal do Trabalho da Figueira da Foz, C... & I..., Lda.

e I...-B..., Companhia de Seguros, S.A.

, pedindo a condenação da primeira Ré, a título de responsabilidade principal e agravada, no pagamento das pensões, subsídios e indemnizações, destinadas à reparação dos danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes do acidente que vitimou mortalmente aquele seu familiar, com os respectivos juros de mora, e a condenação, a título subsidiário, da Ré seguradora, até ao montante para si transferido pela Ré “C...”, nos termos de um contrato de seguro entre elas celebrado.

Alegaram, em resumo, que: O sinistrado CC era trabalhador subordinado da Ré “C...”, auferindo o salário anual de € 18.563,80, sendo que essa Ré tinha transferido para a Ré seguradora a responsabilidade civil emergente de acidentes de trabalho que vitimassem o CC ao seu serviço, mas apenas pela remuneração anual de € 8.910,00; Em 8 de Agosto de 2005, cerca das 11h25m, no parque eólico da Serra de Todo-o-Mundo, Paínho, Cadaval, quando ao serviço da Ré “C...” trabalhava na desmontagem de uma grua, CC sofreu um acidente que lhe provocou a morte e que resultou da falta de observância, por parte da Ré “C...”, de regras de segurança, saúde e higiene no trabalho com o consequente agravamento de responsabilidade decorrente das disposições conjugadas dos artigos 18.º, 20.º e 22.º da Lei 100/97, de 13 de Setembro.

O Instituto de Segurança Social, IP (ISS), interveio nos autos e requereu a condenação das Rés a pagar-lhe as quantias correspondentes ao subsídio por morte e pensões de sobrevivência que pagou aos autores.

As Rés contestaram, dizendo, em síntese, A “I...-B...”, que: O acidente eclodiu por causa da violação, pelo sinistrado e sem causa justificativa, de regras de segurança estabelecidas pela respectiva entidade patronal em matéria de desmontagem de gruas e GIBS correspondentes, daí decorrendo a descaracterização do sinistro enquanto acidente de trabalho; a ser verdade a versão do acidente dada na petição inicial, então é meramente subsidiária a responsabilidade da seguradora pelas prestações devidas por força da legislação de acidentes de trabalho; e não é devida qualquer indemnização por danos morais, uma vez que ela não foi peticionada na fase conciliatória do processo.

A ré “C...”, que: Não é exacta a remuneração anual do sinistrado José Bento invocada na petição inicial, pois que auferia anualmente, em média, € 17.353,80, nos quais estavam integrados € 6.879,07 de ajudas de custo reais; o acidente deveu-se exclusivamente à violação grave, por parte do sinistrado, de condições de segurança e proibições correspondentes, que devia respeitar durante a desmontagem de gruas e GIBS, as quais lhe foram comunicadas pela entidade patronal durante a formação profissional que lhe foi dada antes de começar a operar na desmontagem de gruas, condições de segurança e proibições de que o sinistrado tinha exacta noção e que respeitou noutras ocasiões em que participou em desmontagens de gruas e GIBS, de tudo resultando a descaracterização do acidente; à data deste, a contestante cumpria todas as normas de segurança, saúde e higiene no trabalho que estava obrigada a cumprir, designadamente a implementação de protecção colectiva, prestação de formação profissional ao sinistrado, sujeição do sinistrado a exame médico de aptidão...

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