Acórdão nº 297/07.5GAETR-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 29 de Outubro de 2014

Magistrado ResponsávelERNESTO NASCIMENTO
Data da Resolução29 de Outubro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo comum singular 297/07.5GAETR da Comarca do Baixo Vouga, Estarreja, Juízo de Instância Criminal Relator - Ernesto Nascimento Adjunto – Artur Oliveira Acordam, em conferência, na 2ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto I. Relatório I. 1. No processo identificado em epígrafe, foi proferido o seguinte despacho: “por decisão datada de 12 de Setembro de 2008, transitada em julgado em 10 de Janeiro de 2011, foi a arguida B… condenada, pela prática, em 19 de Julho de 2007, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. no artigo 3.º/1 e 2 do Decreto Lei 2/98, de 3 de Janeiro, na pena 3 meses de prisão, cuja execução foi suspensa pelo período de 1 ano, com a condição de se sujeitar à inscrição em escola de condução e à frequência das aulas de código necessárias para se apresentar a exame de código teórico, devendo comprovar documentalmente nos autos aquela frequência, bem como a sua sujeição a exames teóricos.

Tendo a arguida sido notificada para comprovar o cumprimento da condição imposta, a mesma respondeu nos termos que constam de fIs. 201 e ss., pelo que foram realizadas diligências com vista a apurar da veracidade do alegado pela mesma, tendo o IMTT respondido nos termos que resultam de fls. 209 e ss.

Assim, face à junção dos referidos documentos, foi designada nova data para tomada de declarações à arguida, conforme melhor consta de fls. 236 e ss.

Entretanto, foram juntos aos autos documentos que atestam que a arguida não é, nem nunca foi titular de carta de condução, emitida pelas autoridades suíças (cfr. fls. 268 e 288 a 290.

Perante a junção de tais documentos, foi novamente designada data para tomada de declarações à arguida, o que não foi, contudo, possível, por o seu paradeiro não ser conhecido.

Não sendo a revogação da suspensão da execução da pena de prisão automática face à constatação de qualquer infracção pelo arguido durante o período de tal suspensão ou perante o incumprimento de uma obrigação imposta, i.e., não operando a mesma ope legts, a verdade é que, no caso dos presentes autos, a indiferença da arguida face à condenação de que foi alvo, considerando nomeadamente o tipo de crime que deu origem à condenação neste processo, e a atitude processual da arguida, bem evidenciada nos autos, procurando sempre induzir o Tribunal a crer que se encontrava legalmente habilitada a conduzir, se constata que as finalidades que estiveram na base de tal suspensão não puderam, por via dela, ser alcançadas, ou seja, forçoso será concluir que a simples censura do facto e a ameaça de prisão não foram suficientes para realizar de forma adequada as finalidades da punição vertidas no artigo 40.º C Penal.

Na verdade, no artigo 50.°/1 C Penal de 1995, diz-se que a suspensão da execução da pena de prisão será revogada quando, durante o decurso da mesma, o condenado "infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas". Diferentemente, o artigo 51.º/1 C Penal de 1982 dizia que “a suspensão será sempre revogada se, durante o respectivo período, o condenado cometer crime doloso por que venha a ser punido com pena de prisão'.

Algumas diferenças há a assinalar entre as duas redacções, as quais implicam consequências significativas.

O acrescento "(...) e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas" impõe ao julgador uma reflexão sobre as finalidades da suspensão da execução da pena de prisão.

Vejamos. A suspensão de execução da pena de prisão é uma pena de substituição. Tal como acontece em relação à generalidade deste tipo de penas, o tribunal deverá optar pela sua aplicação sempre que "verificados os respectivos pressupostos, a pena alternativa ou de substituição se revele adequada e suficiente às finalidades da substituição". As finalidades das penas de substituição são "exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa." (...) “A culpa tem a ver com o momento de determinação da medida da pena e já não com a escolha da espécie de pena" – Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 331 e ss.

Daqui resulta que a finalidade político-criminal que a lei "visa com o instituto da suspensão é somente o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer «correcção», «melhora» ou - ainda menos - «metanoia» da sua visão do mundo" – ob. cit. 343. Por outro lado, e atendendo agora às finalidades de prevenção geral, dir-se-á que é de afastar a suspensão da execução da pena quando a ela se opuser a necessidade de revalidação contrafáctica das expectativas comunitárias na validade das normas violadas, sendo, pois de entender, do outro reverso da questão, que, embora a revogação da suspensão não seja agora automática face ao cometimento de novos crimes e consequente condenação ou ao incumprimento grosseiro ou repetido de deveres ou regras impostas, pode tal revogação ser imposta pela necessidade de afirmar a referida validade contrafáctica das normas violadas e do ordenamento Jurídico, na sua globalidade.

Dispõe o artigo 56.º/1 alínea a) e b) C Penal que a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e, desse modo, revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

Duas alterações há a assinalar em relação ao regime do Código Penal de 1982. Ao contrário do que acontecia com a redacção original do artigo 51.°/1 C Penal 1982, não é agora necessário que a segunda condenação seja em pena de "prisão", bastando qualquer condenação. Por outro lado, a segunda condenação nunca tem como consequência automática a revogação da suspensão.

Porém, o abandono do automatismo na revogação da suspensão da execução da pena, não traduz qualquer vontade do legislador criar um regime mais permissivo, mas, antes, o de ligar indelevelmente o destino da suspensão à satisfação das finalidades que estiveram na sua base. A suspensão deverá ser revogada sempre que tais finalidades não forem conseguidas, independentemente da espécie de pena da segunda condenação.

No caso dos presentes autos, a arguida tem demonstrado uma total indiferença e insensibilidade perante a condenação de que foi alvo, incumprindo o único dever que lhe foi imposto, sendo que sempre procurou induzir em erro o Tribunal, fazendo crer que se encontrava legalmente habilitada a conduzir.

Além disso, é também patente a indiferença da arguida perante o desfecho dos presentes autos.

Assim, uma vez decorrido o prazo fixado na decisão até hoje a arguida não cumpriu com a condição imposta, nem apresentou qualquer justificação válida para tal omissão.

Face ao exposto, perante tais comportamentos (acções e omissões), tem vindo a arguida a revelar que a suspensão da execução da pena não produziu, no caso concreto, os objectivos pretendidos.

Assim e pelas razões acima expostas, nos termos do artigo 50.º e 56.°/1 alínea a) e 2 C Penal, decide-se revogar a suspensão da execução da pena de prisão aplicada nestes autos, pelo que. a arguida terá de cumprir a pena de 3 meses de prisão em que foi condenada no âmbito deste processo.

Notifique.

Após trânsito, cumpra o disposto no artigo 5.°/1 alínea a) da Lei 57/98, de 18 de Agosto, e abra vista ao Ministério Público.

  1. 2. Inconformado, com o despacho, dele interpôs recurso a arguida, sustentando – pugnando pela sua revogação - apresentado as conclusões que se passam a transcrever: 1. a arguida não se conforma com a decisão do Tribunal a quo de revogar a suspensão da execução da pena de prisão; 2. o Tribunal a quo não logrou recolher e obter prova bastante, como lhe incumbia, capaz de sustentar a decisão de revogação proferida; 3. não foram tomadas declarações à arguida, de forma pessoal e presencial, para aquilatar das razões do incumprimento; 4. não foram desenvolvidas pelo Tribunal todas as diligências possíveis para notificar a arguida para a tomada de declarações; 5. tendo sido designado o dia 07.04.2014 para a tomada de declarações à arguida, esta não foi notificada disso mesmo, pelo que não esteve presente; 6. o Tribunal a quo, sem mais e sem ouvir a arguida, decide a 09.04.2014 revogar a suspensão da execução da pena de prisão aplicada nos autos, numa clara violação do disposto no artigo 56.°/1 C Penal; 7. o Tribunal a quo devia ter feito um julgamento ao comportamento da arguida perante os deveres impostos, apurando os motivos e condições do condenado para efectivamente cumprir os mesmos; 8. a arguida não foi ouvida presencialmente antes de se proferir despacho sobre as consequências do incumprimento das condições de suspensão, em manifesta violação do preceituado no n.º 2 do artigo 495.° C P Penal; 9. e a falta de audição pessoal e presencial do condenado constitui nulidade insanável nos termos do artigo 119.° alínea c) C P Penal, nulidade que se invoca para todos os efeitos legais; 10. ajuizado o comportamento da arguida tão só em alegada "indiferença e insensibilidade perante a condenação de que foi alvo" e "patente indiferença da arguida perante o desfecho dos presentes autos "...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT