Acórdão nº 221/13.6GFVNG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 03 de Dezembro de 2014
Magistrado Responsável | MARIA DEOLINDA DION |
Data da Resolução | 03 de Dezembro de 2014 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
RECURSO PENAL n.º 221/13.6GFVNG.P1 2ª Secção Criminal 4ª Secção Judicial CONFERÊNCIA Relatora: Maria Deolinda Dionísio Adjunta: Maria Dolores Sousa Acordam os Juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto: I - RELATÓRIO Por sentença proferida a 4 de Junho de 2014, no processo comum com intervenção de Tribunal Singular, n.º 221/13.6GFVNG, do 4º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, foi o arguido B…, com os demais sinais dos autos, condenado pela prática de um crime de desobediência, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos arts. 14º n.º 1, 26º e 348º n.º 1 b), do Cód. Penal, na pena de 80 (oitenta) dias de multa à taxa diária de € 6,00 (seis euros).
Discordando da condenação o arguido interpôs recurso rematando a sua motivação com as conclusões que se transcrevem[1]: 1ª - Vai o presente recurso interposto da douta sentença que condena o arguido "como autor imediato e sob a forma consumada de um crime de desobediência", considerando que "o arguido agiu com a modalidade mais intensa de dolo que se mostra direto", quando inserção completamente diferente decorre da prova documental e testemunhal produzida, v.g. próprias declarações do arguido, tudo apontando no sentido da absolvição do mesmo.
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- Dos dois documentos cuja junção foi admitida em audiência, a saber: a) Cópia de sentença que declara o arguido insolvente, b) Cópia, obtida na véspera, de sentença proferida no proc. 352/13.2GFVNG do 2º Juízo Criminal de V. N. Gaia, com trânsito em julgado, que aprecia condutas do mesmo arguido absolutamente análogas às dos autos e em que este foi absolvido, ao último dos quais a douta sentença não faz qualquer referência, sendo certo que dele resulta uma disciplina legal incompatível com a condenação.
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- Assim, o despacho que admite a junção refere que "nada demonstra quanto ao facto de os termos e fundamentos pelos quais o arguido foi ali absolvido terem sido os mesmos que aqui invocou. Aliás, antes pelo contrário, tudo indica serem substancialmente diferentes".
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- Mas, da douta decisão proferida no proc. 352/13.2GFVNG do 2º Juízo Criminal de V.N. Gaia resulta - salvo o devido respeito, que maior não pode ser, pelo Mº Juiz a quo exatamente o contrário, como evidenciam os excertos transcritos no corpo destas alegações.
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- Caso se entenda questionar a similitude de situações, já que nenhuma indagação foi ordenada, sempre teria o arguido de beneficiar da garantia decorrente do princípio in dubio pro reo.
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- Determinante para o estabelecimento do caso julgado é a sentença proferida em primeiro lugar e não o pretenso ilícito alegadamente ocorrido em primeiro lugar.
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- Deveria ter sido dada como provada a situação que aquela sentença contempla, a qual é tudo idêntica à presente, devendo ter sido declarada a verificação de caso julgado.
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- Dos excertos de depoimentos gravados transcritos no corpo destas alegações resulta a intenção do arguido cumprir a Lei -v.g. ter-se deslocado ao mediador de seguros logo no dia seguinte, agente que se situa ao lado do posto da G.N.R., o que igualmente comprova não haver intenção ou consciência de desobedecer e, muito menos, dolo direto.
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- A efetiva necessidade de exibir o carro para efeito de cobertura do risco QUEBRA DE VIDROS e a utilização da expressão "guiazinha" igualmente contribuem para a descaraterização do crime por que foi condenado - aqui se referindo que o facto do arguido não ter podido referir a primeira, por tal não ter sido permitido pelo Mº Juiz a quo, que, como se transcreveu, defendeu que para fazer o seguro não é preciso o carro, acabou por coartar a defesa do arguido, embora seja evidente que não pretendia o Mº Juiz a quo de forma alguma limitar o direito de defesa do arguido, o que todavia aconteceu.
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- Sempre com o maior respeito pelo Mº Juiz a quo, a douta sentença posta em crise parece pautar-se não só por uma severidade que o caso sub judice nunca justificaria, mas pela não consideração e má avaliação de elementos probatórios documentais e testemunhais que vertebram a absolvição do arguido.
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- E não se diga que o próprio arguido se considerou um prevaricador, porque tal já havia também acontecido no caso homólogo do 2º Juizo em que foi absolvido - apenas se demonstrando que tem um crivo deontológico mais exigente que o legal.
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- NORMAS VIOLADAS: Salvo o devido respeito, que maior não pode ser, não se encontra provada a prática do crime de que o arguido vem acusado, não se verificou oficiosamente a verificação de caso julgado e verificou-se violação do disposto nos arts. 14º, 26º, 348º-l b) e, mesmo que assim não se entenda, sempre se verificou desajustamento na aplicação dos arts. 41º e 47º do C. P. que, assim, tal como os arts. 2º, 4º, 7º-l e 118º do C.P.P., foram violados.
Termina pedindo a revogação da decisão recorrida, com a consequente absolvição ou, subsidiariamente, que seja afastado o dolo directo com substancial redução da pena atento o seu registo criminal e situação de insolvência.
*Admitido o recurso, por despacho proferido a fls. 157, respondeu o Ministério Público pugnando, sem alinhar conclusões, pela sua improcedência e manutenção do decidido.
Neste Tribunal da Relação do Porto, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, aderindo e reforçando os fundamentos da aludida resposta.
***Cumprido o disposto no art. 417º n.º 2, do Cód. Proc. Penal, nada mais foi aduzido.
Realizou-se o exame preliminar e, nada obstando ao conhecimento do mérito da causa, foram colhidos os vistos legais e os autos prosseguiram para conferência, na qual foi observado o formalismo legal.
***II- Fundamentação 1.
As questões suscitadas pelo recorrente, tal como resultam das conclusões que extraiu da motivação do seu recurso - e são elas que, nos termos previstos no art. 412º n.º 1, do Cód. Proc. Penal, delimitam o âmbito de conhecimento e definem o thema decidendum, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso [v.g. nulidades insanáveis, da sentença e vícios do art. 410º n.º 2, do citado diploma] são as seguintes: • Violação de caso julgado • Erros de julgamento da matéria de facto • Redução da medida da pena*2.
Com interesse para a causa, importa considerar a seguinte fundamentação de facto da decisão recorrida: (transcrição acrescida de numeração) A. Factos Provados 1.
No dia 30-05-2013, pelas 15h.10m, B…, aqui arguido, conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula "Xl-..-..", na Rua …, …, área desta comarca.
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No dia 29-05-2013 o dito veículo foi apreendido por um agente da GNR em virtude de tal veículo ter sido encontrado a circular na via pública, sem que possuísse seguro válido de responsabilidade civil.
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Como fiel depositário de tal veículo foi nomeado o arguido, a quem o veículo foi entregue, tendo o mesmo sido pessoalmente notificado da apreensão efectuada e de que não poderia utilizar o veículo, sob pena de incorrer na prática do crime de desobediência, do que ficou ciente.
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O arguido agiu da forma descrita, sabendo e querendo conduzir o dito veículo automóvel e assim incumprir a ordem recebida, tendo perfeito conhecimento de que se tratava de...
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