Acórdão nº 140/13.6TJPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 08 de Setembro de 2014

Magistrado ResponsávelCORREIA PINTO
Data da Resolução08 de Setembro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 140/13.6TJPRT.P1 5.ª Secção (3.ª Cível) do Tribunal da Relação do Porto Sumário (artigo 713.º, n.º 7, do Código de Processo Civil): I- A contribuição do consumidor, por desatenção ou desleixo, para a produção dos estragos em viatura usada e em período de garantia responsabiliza-o, ainda que na origem esteja facto relativamente ao qual não se demonstrou a sua responsabilidade.

Acordam, na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto: I) Relatório 1.

B… e C… intentaram a presente acção declarativa, contra D…, todos melhor identificados nos autos.

1.1 Os autores alegam que adquiriram ao réu, que se dedica ao comércio de viaturas automóveis, um veículo automóvel usado, ao qual foi fixado o preço de € 7.000,00, que os autores pagaram, em Fevereiro de 2012, pela entrega de uma outra viatura da sua propriedade – à qual o réu atribuiu o valor de € 2.500,00 – e da importância de € 4.500,00.

Pouco tempo depois do autor começar a circular com a viatura adquirida ao réu, deu-se conta que a mesma tinha fuga de água e fuga de óleo, problemas de sobreaquecimento e problemas no motor; comunicados os problemas ao réu, este mandou proceder à entrega da viatura numa oficina, para reparação, o que o autor fez em Abril de 2012.

Levantada a viatura sob indicação do réu, constatou-se a persistência das anomalias, pelo que em Junho de 2012, por ordem do réu, a viatura foi novamente deixada na oficina.

Levantada, constatou-se mais uma vez que continuava com fugas de água e óleo, pelo que voltou a ser entregue pelo autor, em Agosto de 2012, desta feita no stand vendedor, com a promessa do réu de que iria proceder à sua reparação.

Levantada a viatura e no decurso de uma viagem, em Setembro de 2012, sem qualquer aviso luminoso prévio e apesar da obediência a todas as regras de condução e funcionamento do veículo, começou a sair fumo do carro, pelo que o autor encostou de imediato o carro à berma e chamou o reboque; o autor, tendo informado o réu deste acontecimento, entregou o carro na oficina, tendo desde então interpelado o réu, presencial e telefonicamente, para proceder à reparação da viatura.

Por último, em Outubro de 2012, a mandatária do autor interpelou o réu, por carta registada, para que procedesse à reparação da viatura no prazo máximo de oito dias, mais referindo que “não sendo a viatura reparada dentro do prazo ora concedido, fica desde já notificado da resolução do contrato celebrado, com a consequente obrigação de devolução do preço pago pelo comprador, de € 7000,00 (sete mil euros)”, sem que o autor tenha recebido qualquer resposta ou sequer informação para proceder ao levantamento da viatura.

Terminam formulando os seguintes pedidos: “

  1. A declaração da resolução do contrato de compra e venda celebrado entre A. e R., com restituição ao A. do preço pago, de € 7000,00 (sete mil euros), a que acrescerão juros de mora, à taxa de juro civil, desde a data da interpelação extrajudicial de 8 de Outubro de 2012 até integral e efetivo pagamento; b) A condenação do R. no pagamento de indemnização no valor de € 200 (duzentos euros), correspondente ao óleo comprado bem como ao pagamento do transporte alternativo aquando da imobilização do veículo a 07.09.2012, contratado pelo A., acrescido do valor de juros de mora, à taxa de juro civil, desde a data da citação até integral e efetivo pagamento; c) A condenação do R. no pagamento de € 500/mês por cada mês de não utilização da viatura pelo A., por fato imputável ao R., acrescido do valor de juros de mora, à taxa de juro civil, desde a data da citação até integral e efetivo pagamento; d) Caso se entenda que não deverá proceder o pedido apresentado em a) supra, o que por mera hipótese jurídica se concede requer, a título subsidiário, a condenação do R. na reparação da viatura, no prazo máximo de 10 dias, com todas as despesas inerentes da sua responsabilidade, sob a supervisão de um perito a indicar pelos AA. bem como a sua condenação no pagamento de uma cláusula penal de € 150/dia por cada dia de atraso.» 1.2 O réu, contestando, confirma a existência de anomalias, objecto de reclamações por parte do autor e que determinaram diferentes trabalhos de reparação, sendo que, numa das intervenções, foi substituído o motor por um outro, recondicionado.

Imputa os danos que vieram a verificar-se no motor, em Setembro de 2012, à actuação do autor, que não imobilizou a viatura apesar dos sinais luminosos e manómetros que a equipavam, provocando desse modo um sobreaquecimento excessivo no referido motor, daí resultando danos no interior do mesmo.

Afirma que o autor age em abuso de direito.

Termina defendendo que a acção deve ser julgada improcedente, com a consequente absolvição do pedido e a condenação dos autores por litigância de má fé.

1.3 Concretizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença onde se fixou a matéria de facto provada e não provada e onde, julgando improcedente a acção, se absolveu o réu dos pedidos contra ele formulados pelos autores.

2.1 Os autores, não se conformando com a sentença proferida, vieram interpor recurso, formulando as seguintes conclusões: «1.ª É a seguinte a matéria de facto dada como provada nos presentes autos: [Obstando à repetição inútil, adiante se consignarão os factos que se julgaram provados na presente acção e que os recorrentes transcrevem] 2.ª Não podem os AA. concordar com a matéria que é dada como provada pois que da mesma deveria constar, com interesse para a decisão da causa, o seguinte facto: “desde que os AA. adquiriram o veículo até à sua imobilização, em Setembro de 2012, o mesmo esteve sempre com perda de óleo e água”.

  1. De acordo com as passagens da gravação transcritas e incluídas no depoimento de parte do A., das testemunhas E…, F…, G…, H… e G…, impõe-se que aquele facto provado seja aditado.

  2. Quanto à IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE DIREITO, a sentença proferida nos presentes autos, que aqui considero integralmente reproduzida para todos os efeitos legais, começa por classificar o contrato celebrado entre AA. e R. como um contrato de consumo ao qual é aplicável a Lei n.º 24/96, de 31 de Julho (Lei de Defesa do Consumidor), bem como o Decreto-lei n.º 67/2003 de 8 de Abril. A mesma sentença conclui pela falta de conformidade do bem vendido, de acordo com o disposto no artigo 2.º, n.º 2, alínea d) do Decreto-lei n.º 67/2003, atendendo a que é indiscutível que um veículo automóvel se destina a circular pelos próprios meios pelo que surgindo deficiências que impeçam a sua normal utilização, presume-se existir falta de conformidade. Acrescentando que “Em face do retro exposto podemos concluir que estando os indicadores de temperatura do motor em funcionamento e tendo os danos assumido a proporção que assumiram pelo tempo em que o motor esteve a funcionar sem líquido de refrigeração que o condutor dispunha de informação para imobilizar o veículo, só não o tendo efectuado por não se ter apercebido ou ignorando aquela informação, o que é irrelevante já que conduz a uma conduta negligente da sua parte. Assim, o período de circulação sem refrigeração do motor que culminou nos gravíssimos danos que este veio a sofrer só pode ser imputado ao autor, sendo certo que em função dos danos objectivos que apresenta o motor não podem ter sido algo de imprevisível e instantâneo. Em face do exposto terão, pois, de soçobrar todas as pretensões dos autores”.

  3. O Decreto-Lei n.º 67/2003 de 8 de Abril, que transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio (publicada no J. O. L. 171/12 de 07.07.1999), consagrou normas e princípios com vista à uniformização das legislações dos Estados-Membros, relativos à “venda de bens de consumo”, pretendendo-se obter um nível mais elevado de defesa dos consumidores.

  4. Atentemos na redacção do artigo 2.º do Decreto-lei n.º 67/2003 de 8 de Abril: “1. O vendedor tem o dever de entregar ao consumidor bens que sejam conformes com o contrato de compra e venda.

    1. Presume-se que os bens de consumo não são conformes com o contrato se se verificar algum dos seguintes factos: (…) b) Não serem adequados ao uso específico para o qual o consumidor os destine e do qual tenha informado o vendedor quando celebrou o contrato e que o mesmo tenha aceitado; c) Não serem adequados às utilizações habitualmente dadas aos bens do mesmo tipo; d) Não apresentarem as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo à natureza do bem e, eventualmente, às declarações públicas sobre as suas características concretas feitas pelo vendedor, pelo produtor ou pelo seu representante, nomeadamente na publicidade ou na rotulagem”.

  5. Acrescentando o artigo 4.º daquele decreto-lei que, “em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato”.

  6. Ora, atentemos no caso sub judicio, concretamente nos seguintes factos provados A, B, C, D, I, J, L, M, N, O, P, R, S.

    [8.ª] Ora, em face da matéria supra, dado como provada, dúvidas não restam que o contrato em causa, celebrado entre os AA., meros consumidores, não detentores de conhecimento técnicos e especiais relativos ao estado e mecânica automóvel e o R., comerciante e especialista do ramo automóvel, terá se ser classificada como um contrato de consumo subsumível ao Decreto-lei n.º 67/2003, de 8 de Abril.

  7. Ora, porque é que os AA. compraram um Jeep Misubishi …, usado, ao R.? Porque o autor pretendia um jeep, para utilização da sua família, em bom estado, atendendo às viagens que teria de fazer e o réu lhe apresentou o veículo de matrícula ..-..-OV, marca Mitsubishi … (factos provados A, B, C, D).

  8. Estava tal veículo automóvel em conformidade com o que os AA. pretenderam (de acordo com pergunta anterior)? Não, pois pouco tempo depois de começar a circular com a viatura o autor detetou fuga de água e...

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