Acórdão nº 2494/14.8TBVNG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 29 de Setembro de 2014

Magistrado ResponsávelALBERTO RU
Data da Resolução29 de Setembro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Tribunal da Relação do Porto – 5.ª secção.

Recurso de Apelação.

Processo n.º 2494/14.8TBVNG do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Nova de Gaia – 2.ª Vara de Competência Mista.

*Juiz relator – Alberto Augusto Vicente Ruço.

  1. Juiz-adjunto……Joaquim Manuel de Almeida Correia Pinto.

  2. Juiz-adjunto…….Ana Paula Pereira de Amorim.

*Sumário: I. A deficiência da fundamentação quanto à matéria de facto declarada provada ou não provada na sentença, nos termos previstos no n.º 4 do artigo 607.º do Código de Processo Civil, não gera nulidade de sentença, nos termos previstos na al. b), do n.º 1, do artigo 615.º do mesmo código.

II. Quando no âmbito de uma providência cautelar para entrega judicial de veículo objecto de locação financeira (Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Julho), a prova dos factos é constituída por documentos que não exigem labor interpretativo no que respeita à sua aptidão para a prova sumária dos factos alegados, as exigências da fundamentação da matéria de facto são rudimentares e ficam satisfeitas com a indicação destes meios de prova, não sendo necessário proceder a qualquer análise crítica das provas, nos termos previstos no n.º 4 do artigo 607.º do Código de Processo Civil.

III. O requerente da providência prevista no artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Julho, não tem de alegar e provar factos dos quais se conclua a existência de uma situação de periculum in mora.

*Recorrente/Requerida…………B…, Limitada, sociedade por quotas, pessoa colectiva n.º ………, com sede na Rua …, n.º …, ..º Dto. posterior, freguesia de …, concelho de Vila Nova de Gaia.

Recorrida/Requerente………… C…, S.

A., com sede em …, Apartado ., ….-… Men Martins.

*I. Relatório.

  1. A decisão sob recurso foi proferida no âmbito de um procedimento cautelar, previsto no Decreto-Lei n.º 149/95 de 24 de Junho [1], instaurado para obter a apreensão e entrega imediata dos veículos automóveis da marca Mercedes-Benz, modelo …, com a matrícula ..-JU-..; modelo …, com a matrícula ..-JU-..; modelo …, com a matrícula ..-LD-..; Modelo …, com a matrícula ..-NL-.., e respectivos documentos, pedido que foi decretado.

  2. É de tal decisão que vem interposto o presente recurso, tendo a recorrente finalizado as alegações da seguinte forma: «A. O presente recurso é interposto da douta Decisão proferida nos autos (ref.ª20067221, de 23/04/2014) nos termos da qual o Dign.º Tribunal “a quo” entendeu julgar «o presente procedimento cautelar procedente», porquanto, desde logo, entende padecer a douta Decisão ora recorrida de falta de fundamentação, porquanto, não especifica, de forma integral quais os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador, em estrita observância do disposto no artigo 607.º, n.º 4 do NCPC.

    Senão vejamos, B. Com efeito, não obstante tal ditame legal, certo é que da douta Decisão ora recorrida resulta que o Dign.º Tribunal “a quo”, por um lado, limitou-se a fundamentar a sua decisão apenas com factos que considerou provados, não fazendo uma única referência aos factos não provados e, ainda assim, por outro lado, quanto a tal matéria de facto provada mostra-se a mesma patenteada na Decisão recorrida em termos incompletos.

    C. É que, do elenco de tal “MATÉRIA DE FACTO PROVADA” constam 41. Respostas/factos provados e nenhum facto não provado. Factos esses que, por referência à factualidade vertida no requerimento inicial apresentado pela Requerente dos presentes autos, mormente nos artigos 43.º a 52.º daquele, se revelavam de primordial importância para efeitos de conceder ou não a presente providência.

    D. A par desta situação, ocorre que o 41.º facto provado não se mostra elaborado em termos completos, pois que, do mesmo consta apenas a seguinte frase inacabada “Tendo o contrato sido resolvido e não tendo a Requerida procedido à restituição da viatura em”.

    E. Desta feita, omitindo-se nesta douta Decisão factualidade tida como provada - complemento do art.º 41.º da matéria dada como provada e, eventualmente, outra que se ignora – e qual a factualidade não provada, por certo, e salvo o devido respeito, não poderá o Dign.º Tribunal “a quo” ter procedido à correcta análise fáctico-jurídica.

    Acresce que, F. Sem prejuízo de tudo quanto supra exposto, da douta Decisão em causa não resulta, também, qualquer análise/exame crítico das provas de que lhe cumpria conhecer, pois que, na mesma pode ler-se, apenas e só, que «A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto indiciariamente provada alicerçou-se na análise dos documentos juntos aos autos, em conjugação com o depoimento fundamentado da testemunha inquirida.», sem que, tenha o Dign.º Tribunal “a quo” ponderado, detalhadamente, como se impunha, em que termos os “documentos juntos aos autos”e, bem assim, quais os concretos excertos “do depoimento fundamentado da testemunha inquirida” conduziram à determinação da convicção do Tribunal, por referência a cada uma das respostas conferidas à matéria de facto.

    G. Com efeito, salvo o devido respeito, é entendimento da aqui Apelante que o Dign.º Tribunal “a quo” teceu estas considerações, sobre a fundamentação da resposta à matéria de facto, de forma ligeira e sem concretizar minimamente a análise crítica da prova em relação a cada um dos factos dados como provados [e saliente-se a sua extensão correspondente a 41.º (ainda que incompleto) factos)], seja, sem especificar em que termos os documentos juntos aos autos (sendo a “documentação extensa”) fundamentaram a resposta positiva à matéria de facto e ainda em que termos o depoimento da testemunha inquirida se revelou “fundamentado”.

    H. É que, da então motivação de facto em causa, resulta que, para formar a convicção do Dign.º Tribunal “a quo”, foram consideradas as declarações da testemunha D… – cuja inquirição durou apenas 7 (sete) minutos, e, aliás, foi a única testemunha ouvida nestes autos - sem que o Tribunal tenha sequer feito uma simples resenha de tal depoimento, por referência ao seu contributo para dar “este”ou “aquele” facto como provado. Por outro lado, também quanto aos documentos juntos aos autos, em elevado número como se disse, não tece o Dign.º Tribunal “a quo” qualquer consideração, além daquela já referida no sentido de que tais documentos foram fundamento da sua convicção.

    I. Ora, jamais, a aqui Apelante se pode conformar com tal singeleza decisória, em que na verdade, ao que parece tudo (documentos e Testemunha) serviu para formar a convicção do Dign.º Tribunal “a quo”, mas, fica a Apelante na ignorância de que documento ou declaração da testemunha em causa foi tido como suficiente ou idóneo a provar determinado facto.

    J. É que, desde logo, dos documentos ns.º 17 e 18 juntos aos presentes autos pela Requerente, aqui Apelada, não se mostra que tais missivas tenham sido recepcionadas pela aqui Requerida, Apelante, logo, questiona-se a aqui Apelante se, na verdade, foram tais documentos considerados pelo Dign.º Tribunal “a quo” para formar a sua convicção e, consequentemente, a sua tomada de decisão nos autos.

    K. Assim, não se consegue alcançar, minimamente, qual meio de prova sustenta cada uma das respostas conferidas, cada um dos factos dados como provados, o que, apraz referir, se revelava de primordial importância para que a aqui Apelante pudesse aquilatar da boa (ou não) decisão de facto proferida nos presentes autos, pois que, não consegue alcançar, relativamente a cada um dos factos provados, qual a sua sustentação probatória, se a resposta em causa tem por base prova testemunhal e/ou documental, qual concretamente o(s) documento(s) e/ou a(s) testemunha(s) em causa.

    L. Quando, conforme supradito, a lei assim o impõe, nos termos do n.º 4 do referido art.º 607.º do NCPC (na esteira das regras anteriormente previstas nos artigos 659.º, 653.º, n.º 2, 655.º e 658.º do C.P.C.) «(…) analisando criticamente as provas (…) especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção;» (negrito nosso) e, ainda, a demais diversa jurisprudência e doutrina, entre a qual se destaca Ac. RC, de 18.2.2003: JTRC01913/ITIJ/Net e Abílio Neto, in Código de Processo Civil Anotado, 19.ª Edição Actualizada, Setembro de 2007, pág. 810.

    De modo que, M. Por tudo o exposto supra, e salvo a devida vénia, temos que «É nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justifiquem a decisão», nos termos da alínea b) do n.º 1 do art.º 615.º do NCPC, o que aqui expressamente se invoca.

    N. É que, a fundamentação da sentença, como a de qualquer outra decisão judicial, sendo exigência muito antiga, tem actualmente assento constitucional, pois, segundo o artigo 205.º, n.º 1 da CRP, as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei. Sendo que, para cumprir a exigência constitucional, a fundamentação há-de ser expressa, clara, coerente e suficiente. Ou seja, não deve ser deixada ao destinatário a descoberta das razões da decisão; os motivos não podem ser obscuros ou de difícil compreensão, nem padecer de vícios lógicos; a fundamentação deve ser adequada à importância e circunstância da decisão, deve, pois, permitir o exercício esclarecido do direito ao recurso e assegurar a transparência e a reflexão decisória, convencendo e não apenas impondo.

    O. Assim, aqui em causa, razão de ser do presente recurso, encontra-se a fundamentação de facto, determinada pelo art.º 607.º, n.º 4 daquele N.C.P.C., quando expressamente se refere, por um lado, que «o juiz declara quais os actos que julga provados e quais os que julga não provados» e, por outro lado, que, «analisando criticamente as provas … e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção».

    P. A não observância das regras expostas, verificada “in casu” nos termos supra aludidos, constitui, assim, causa de nulidade da sentença – artigo 615.º, n.º 1 do N.C.P.C., o que aqui expressamente se invoca.

    Outrossim, Q. Ainda sem conceder de tudo quanto supra exposto, vem ainda a aqui Apelante, inconformada com a douta...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT