Acórdão nº 5509/11.8TDPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 10 de Setembro de 2014

Magistrado ResponsávelNETO DE MOURA
Data da Resolução10 de Setembro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 5509/11.8 TDPRT.P1 Recurso Penal Relator: Neto de Moura Acordam, em conferência, na 1.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação do Porto: I - Relatório No âmbito do processo comum que, sob o n.º 5509/11.8 TDPRT, corre termos pelo 1.º Juízo de Competência Criminal do Tribunal Judicial de Matosinhos, B…, devidamente identificado nos autos, foi submetido a julgamento por tribunal singular, acusado pelo Ministério Público da prática, em autoria material, de um crime de burla qualificada.

C… e D…, requereram e foram admitidos a intervir nos autos como assistentes e deduziram pedido de indemnização civil contra o arguido.

Realizada a audiência, com documentação da prova nela oralmente produzida, foi proferida sentença[1], datada de 18.12.2013 e depositada na mesma data, com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, decide-se: 1.

  1. condenar o arguido B… pela prática de um crime de burla qualificada, p. p. pelos arts. 217.º e 218.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 450 dias de multa, à razão diária de € 6,00, no montante global de € 2.700,00.

  2. condenar o arguido nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça de 2 UC.

  1. Julgar o pedido de indemnização civil parcialmente procedente e, em consequência: Condenar o demandado no pagamento ao demandante C… da quantia de € 21.763,00 a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos, absolvendo-o do demais peticionado pelos demandantes”.

    Inconformado, o arguido veio interpor recurso do acórdão condenatório para este Tribunal da Relação, com os fundamentos explanados na respectiva motivação, que condensou nas seguintes conclusões (em transcrição integral): A) “A Sentença sob recurso ignorou as provas apresentadas pelo arguido, não fez aliás qualquer referência a elas, o que consubstancia uma clara e evidente nulidade, parcialidade, desigualdade e, uma forma muito própria de cumprir o princípio da legalidade e administrar a justiça; B) A Sentença transmitiu por completo o ónus da prova para o arguido, um mero objecto processual sem direitos e dispensável, quando como se sabe, em processo penal, não existe ónus da prova, mas um dever de investigação do tribunal e do M.P. com vista à descoberta da verdade material; C) A Sentença desconhece que foram apresentados documentos, contratos e procurações, que foram estudados, elaborados pelo arguido, que este tinha cópias em seu poder e, que foram apresentadas em julgamento; D) A Sentença desconhece que tais documentos até constavam de uma nota de despesas e honorários com discriminação desses serviços, a fls... dos autos; E) A Sentença não procurou saber a razão por que as datas dos documentos são anteriores à data em que o arguido foi apresentado aos assistentes; F) A Sentença considera que os assistentes tivessem pago “honorários" por serviços não prestados, mas omite que eles fizeram-no livremente, conforme o determinaram, sempre em cheque.

    1. O tribunal recorrido não fala em “provisão", fala em “honorários", ou seja, os assistentes, além de desprendidos, desinteressados, de mentirem, são ingénuos, quase incapazes, mas credíveis, isto para o Tribunal.

    2. Para a Sentença, os assistentes são pessoas escorreitas, capazes, diligentes, o pai experiente, o filho com conhecimentos, incapazes de pagarem, em dias seguidos, às vezes no mesmo dia, sem que isso levantasse interrogações ou dúvidas.

    3. Para haver burla, há que se fazer uma apreciação crítica dos “burlados” e do autor dos factos, a lei foi feita para proteger as pessoas e não os “desinteressados”.

    4. A tendência pro Assistentes e contra o arguido já se manifestou na validação da constituição de arguido, em que o M.P. o considerou suspeito de um crime qualquer - cometeu um crime, não sabia era qual, até que “inventou" um.

    5. A Sentença ora recorrida ancora a sua MOTIVAÇÃO nos seguintes fundamentos, que consideramos completamente infundados: No dia 19/02/2010, o ofendido, C… e o seu filho, D…, contactaram o arguido, e contrataram os seus serviços de advogado para que este interpusesse uma acção cível para cobrança de uma dívida, e para tratar da resolução de um contrato de arrendamento de um imóvel propriedade de D… e da subsequente venda, bem como para tratar de outros assuntos, designadamente de índole fiscal (facto dado como provado). No dia seguinte, o arguido pediu ao ofendido C… o valor de € 1.189,00 para pagamento de custas do processo de resolução do contrato de arrendamento e venda do imóvel supra-referido (facto dado como provado).

    6. Para poder considerar-se habilitado a dar como provado estes dois factos, o Tribunal fundamenta a sua MOTIVAÇÃO no seguinte: Relevante é o facto de nenhuma acção de despejo ou contra a prima do assistente ter sido proposta, contrariamente às informações que o arguido ia prestando — o que claramente evidencia que, para além do simples incumprimento, a intenção do arguido era a de, assumindo a sua qualidade de advogado, fazer crer ao assistente C… que ia tratando dos assuntos, enganando-o e levando-o a entregas de dinheiro. A testemunha E… confirmou que apenas recentemente foi proposta uma acção para despejo da sua entidade patronal da casa onde se encontram.

    7. No entanto, a testemunha E… não conseguiu, em sede de audiência e julgamento, confirmar o n.º do respectivo processo da acção de despejo, nem tão-pouco conseguiu confirmar em que Tribunal corria tal processo; N) E, pior que tudo, os Assistentes "convenceram” o Tribunal, já no decurso da audiência de discussão e julgamento - através de requerimento de 13/NOV/2013 - que: «(…) 7. Encontramos também correspondência entre a F… e um dos assistentes, relativamente ao imóvel de que o assistente D… é proprietário, a denominada G…, 8. Relativamente à qual o arguido assumiu a responsabilidade de intentar uma acção de despejo, que nunca teve lugar.

  2. Não colhendo a tese de que a mesma não teria fundamento jurídico, pois está actualmente em curso uma acção, conforme documento 1 (…)».

    1. No entanto, os Assistentes NÃO JUNTAM QUALQUER DOCUMENTO 1! P) Os assistentes lograram convencer o Tribunal que tinham solicitado ao arguido que intentasse uma acção de despejo contra a F…, porque eles pagavam uma renda muito baixa - 7 euros e 65; não colhia a tese do arguido que aquela acção não tinha viabilidade jurídica, até porque tal acção esta já em curso - pois está actualmente em curso uma acção, conforme documento 1; Q) Tal facto serve igualmente para fundamentar a MOTIVAÇÃO do Tribunal pois “A testemunha E… confirmou que apenas recentemente foi proposta uma acção para despejo da sua entidade patronal da casa onde se encontram.

    2. No entanto, a testemunha E… não conseguiu, em sede de audiência e julgamento, confirmar o n.º do respectivo processo da acção de despejo, nem tão-pouco conseguiu confirmar em que Tribunal corria tal processo.

    3. Nem tão-pouco os assistentes juntaram aos autos qualquer comprovativo de que aquela acção realmente está em curso ou existe, ao contrário de terem afirmado que juntavam! T) O Assistente D… nem se lembrava de uma conta discriminada dos serviços prestados pelo arguido, onde constavam a elaboração de contratos de compra e venda de móveis, procuração irrevogável, dois contratos de promessa, estudo, elaboração e registo de imposto de selo [00:54:50 da 1.ª sessão].

    4. O que está em contradição com a MOTIVAÇÃO da sentença quando esta afirma: «(...) Sucede que o arguido, com excepção do pagamento da quantia de € 17.573,80 acima referida, não diligenciou pela resolução de qualquer dos assuntos que lhe foram incumbidos pelos denunciantes (…)».

    5. O Assistente D… nem sabia que era (ou foi) proprietário de uma sociedade offshore com sede em …, com o nome de H…!!! [00 : 56:20 da 1.ª sessão] W) Um Assistente que nem sabia que essa sociedade offshore tinha bens imóveis e bens móveis, mas sabia que essa sociedade offshore era proprietária de diversos automóveis clássicos que eram seus!!! [00:56:56 da 1.ª sessão] X) Os assistentes mentiram na queixa-crime, durante o inquérito, no PIC, nas declarações prestadas na audiência de discussão e julgamento e no requerimento por eles apresentado em 23/10/2013, quando afirmaram que: «(...) o Assistente D… acabaria por pagar, no dia 27/08/2010 aquele valor de € 17.573, 80 (doc. de fls. 26) (...)».

    6. O Assistente C… tinha a certeza absoluta que tinha sido ele, juntamente com o seu filho também Assistente no processo, quem tinham ido às Finanças pagar uma dívida de € 17.573,80. [01:10:06 da 1.ª sessão].

    7. Aliás, o seu filho também Assistente no processo, D…, também afirmou em sede de discussão e julgamento, a mesmíssima coisa: «foi pago, eu fui lá pagar com o meu pai, fui pagar a …, à Direcção das Finanças de …, acho eu» — [14:40 da 1.ª sessão].

    AA) À pergunta do Senhor Procurador-Adjunto se o Assistente D… tinha a certeza do que acabava de afirmar, ainda respondeu: «que me recorde acho que não, não sei; acho que ele ia recorrer para nós pagarmos menos; não sei se o meu pai chegou a entregar-lhe esse dinheiro, que é muito dinheiro de uma vez, também» [14:53 da 1.ª sessão].

    BB) Quando foi o arguido quem efectuou tal pagamento !!! CC) Os factos ora elencados resultam numa contradição insanável da fundamentação, violando deste modo o art.° 410°/ n.° 2, alínea a), do CPP.

    DD) A favor do arguido não existe qualquer presunção legal de culpa, mas sempre uma presunção de inocência que nunca pode ser afastada, é uma presunção inilidível por excelência e encontra consagração constitucional para além da consagração na lei ordinária, precisamente no art.° 32° n° 2 da CPR.

    EE) Deste princípio resulta ainda «a inadmissibilidade de qualquer espécie de culpabilidade por associação ou colectiva e que todo o acusado tenha o direito a exigir prova da sua culpabilidade no seu caso particular».

    FF) Com base num pressuposto genérico de culpa e face a insuficiência de prova produzida em audiência nesse sentido - como de resto resulta da leitura da motivação da Sentença, que não concretiza quais os elementos de prova que em concreto lhe...

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