Acórdão nº 1054/13.5JAPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 10 de Setembro de 2014

Magistrado ResponsávelEDUARDA LOBO
Data da Resolução10 de Setembro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 1054/13.5JAPRT.P1 1ª secção Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto I – RELATÓRIO No âmbito do Processo Comum com intervenção do Tribunal Coletivo que corre termos no 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Póvoa de Varzim com o nº 1054/13.5JAPRT, foi submetido a julgamento o arguido B…, tendo a final sido proferido acórdão que condenou o arguido na pena de três anos e seis meses de prisão pela prática de um crime de violação p. e p. no artº 164º nº 1 al. a) do Cód. Penal.

Inconformado com o acórdão condenatório, dele veio o arguido interpor o presente recurso, extraindo das respetivas motivações as seguintes conclusões: 1. As lesões e escoriações apresentadas pela vítima, menos de oito horas após os factos sub judice, são, tão só e apenas, uma área de pontuado equimótico, horizontalizada, medindo 2 cm por 1 no membro superior direito e duas equimoses de coloração avermelhada de forma arredondada medindo cada uma cerca de 0,5 cm de diâmetro no membro superior esquerdo – conforme relatório pericial de fls. 425 a 431; 2. A versão dos factos oferecida pela ofendida não encontra suporte no exame médico-legal de perícia sexual a que a mesma foi sujeita menos de oito horas após os factos que relata; 3. A ofendida não apresentava qualquer lesão ao nível da região anal e peri-anal nem a nível da região genital e peri-genital; 4. Também em resultado dos exames complementares de diagnóstico verificou-se a ausência de vestígios físicos e/ou biológicos. Aliás, em resultado dos exames de Genética e Biologia Forense não foi identificada a presença de qualquer material biológico masculino nas amostras analisadas – zaragatoas peri bucal, peri-vulvar, vestibular, vaginal e do fundo do saco vaginal, bem como das cuecas da ofendida que a mesma declarou aquando do exame médico-legal serem as que usava aquando dos factos; 5. Ora, parece-nos que a ausência total de lesões e de vestígios biológicos consistentes com um ato sexual, nomeadamente a cópula, deveria ter sido valorizada pelo Tribunal a quo; 6. Nos crimes contra sexuais, as declarações da ofendida constituem, em regra, a peça central da acusação. Mas, para que essas declarações mereçam fé mister se faz que sejam uniformes e verosímeis, além de concordantes com outros elementos de prova, de modo a afastar a hipótese de simulação de violação hoc sensu. Certo é, que o teor do relatório médico-legal pericial de natureza sexual junto aos autos a fls. 425 a 431 não permitem confirmar, nem sequer infirmar qualquer contacto sexual; 7. O Tribunal a quo não podia dar como provados que o arguido atirou a ofendida ao “chão e imobilizou-a, segurando-lhe com força os braços com uma mão enquanto com a outra lhe baixou as “leggins” e as cuecas que ela usava, dizendo-lhe que se não colaborasse com ele que a matava, que lhe cortava o pescoço e a atirava ao mar, como já tinha feito com outra. Seguidamente, e contra a vontade da ofendida, o arguido introduziu-lhe o pénis ereto da vagina e com ela copulou”; 8. Ainda que ficasse inalterada a decisão da matéria de facto impugnada – não poderia nem poderá ser diferente a solução em sede de subsunção jurídica: os factos, não preenchendo, como não preenchem, qualquer outro tipo legal de crime, também não se enquadram naquele específico tipo do artº 164º, 1, CP (em resumo, porque não integram violência física adequada para vencer a auto-determinação sexual da ofendida -, ameaça grave ou colocação da vítima em estado pré-ordenado de inconsciência ou de impossibilidade de resistir); 9. No que especialmente respeita ao crime de violação, o legislador sempre integrou “o uso de violência” como uma das formas de execução da ação. No caso de adultos, só são criminalizadas as atividades sexuais obtidas por meios que afetem a livre vontade de aceitação da vítima, nomeadamente, quando o agente aja «por meio de violência, ameaça grave ou depois de, para esse fim, a ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir, constranger outra pessoa a sofrer ou a praticar, consigo ou com outrem, cópula, coito anal ou coito oral»; 10. Não basta nunca à integração do tipo objetivo de ilícito (…) que o agente tenha constrangido a vítima a sofrer ou a praticar” ato de violação, “isto é, que este ato tenha tido lugar sem ou contra a vontade da vítima” “meio típico de coação é pois, antes de tudo, a violência, existindo esta quando se aplica a força física (como vis absoluta ou como vis compulsiva), destinada a vencer uma resistência oferecida ou esperada”; 11. Tanto a violência física como a moral, se determinaram a cópula, são elementos constitutivos do crime de violação. “É que a violência moral (consistente, v. g., no perigo de um mal maior para a vítima ou sua família) pode determinar a cópula e, a não ser que se reconduzissem factos deste tipo à noção de “ameaça grave” (com as dificuldades inerentes à determinação do que é “grave” e à respetiva prova), ela ficaria impune (…) 12. Ora, resulta das declarações da própria ofendida que foi conversando com o arguido “depois perguntei de onde ele era e ele disse que não dizia” “à tarde ia para uma festa que havia em …, que se eu quisesse arranja-me fichas para os carrinhos de choque” Conforme consta da gravação digital com a referência nº 20140305110034_172415_65 aos minutos 34:20 e 36:10, fazendo-lhe várias perguntas para que mais tarde o pudesse identificar, salvo o devido respeito por melhor opinião, não nos parece o comportamento de alguém que esteja tomado por um real temor, tão elevado que a constrange à cópula; 13. No entendimento da decisão recorrida, os factos “provam que o arguido constrangeu, por meio de violência física que exerceu na pessoa da vítima a sofrer e praticar consigo cópula vaginal”; 14. No que respeita à alegada cópula vaginal, não se provou qualquer tipo de resistência por parte da vítima. Ou, pelo menos, uma resistência que o arguido tivesse tido necessidade de vencer através do uso de violência. O que não aconteceu conforme declarações da ofendida constantes da gravação digital com a referência nº 20140305110034_172415_65, ao minuto 33:50; 15. O agente só comete aquele crime quando a concretização da execução do ato sexual, ainda que tentado, tem de se debater, de alguma forma, com a pessoa da vítima, só então se podendo falar em violação; 16. Debate esse, do agente vs. Vítima cuja existência não emergiu no decurso da audição das declarações da ofendida, quando, lembra-se, faz parte do tipo é a necessidade de o agente ter de se debater contra a resistência da vítima; 17. A violência constitui uma forma de atuação em que para a realização do ato pretendido se usa da força física sobre a vítima de modo a coagi-la à prática do mesmo. “O dissenso (ausência de permissão) da vítima deve ser sincero e positivo, manifestando-se por inequívoca resistência. Não basta uma platónica ausência de adesão, uma recusa meramente verbal, uma oposição passiva ou inerte. É necessária uma vontade decidida e militantemente contrária, uma oposição que só a violência física ou moral consegue vencer. Sem duas vontades embatendo-se em conflito não há violação”; 18. Rodriguez Devesa, ponderando a mesma questão, ajuíza assim: “A violação consuma-se, como ensinou Carrara, no concurso de duas vontades em conflito. Por isso é característico deste delito não apenas o emprego da vis physica” (ou de outros processos coativos), “mas também uma resistência séria e mantida por parte da vítima durante o curso da ação violenta”; 19. Não se provou que “O arguido agiu deliberada, livre e conscientemente, com o propósito de satisfazer os seus desejos sexuais, bem sabendo que atuava sem o consentimento e contra a vontade da ofendida …” 20. Caso não ocorra “resistência” a passividade da vítima é suscetível de ser tomada pelo agressor como consentimento, o que excluiria o dolo, não sendo o crime de violação do artº 164º nº 1 punível a título de negligência; 21. Se o agente atua convencido de que a objeção da vítima … não é séria, o dolo não deve ser afirmado”; 22. Um indivíduo como o arguido que apresenta funcionamento inteletual e cognitivo de nível baixo, compatível com Atraso Mental, que constitui anomalia psíquica de gravidade, que diminui a capacidade de avaliação e autodeterminação do arguido para a prática dos presentes factos, não reconhece qualquer resistência nem vê qualquer temor na pessoa que faz perguntas acerca da sua morada, na pessoa a quem pede em casamento e espera encontrar mais tarde na festa da aldeia; 23. A lei é clara: só existe violação se a vítima oferece um mínimo de resistência e se esse “não” é inequívoco através do comportamento da vítima de forma a não restar qualquer dúvida ao potencial agressor sexual que a relação sexual efetivamente não é consentida; 24. Ora as perguntas da ofendida acerca do arguido, a conversa sobre a festa, não seriam interpretadas pelo arguido como um comportamento cooperante, ou no mínimo como um comportamento de resistência ao contacto entre os dois? 25. A ausência de resistência após os primeiros contactos entre a ofendida e o arguido, aliás a conversa que a ofendida enceta com o arguido, questionando-o acerca da sua morada … terá convencido o arguido que aquela não colocava qualquer objeção aos contactos que estavam a ocorrer entre ambos; 26. Será exigível ao homem médio que a ofendida que enceta uma conversa com o suposto agressor sexual durante a suposta agressão sexual veja isso como uma resistência inequívoca? 27. Será exigível essa mesma determinação a um sujeito com um atraso mental como é o caso do arguido? 28. Impõe-se a absolvição do arguido, na medida em que a matéria de facto provada não preenche os elementos objetivos do tipo do crime de violação; 29. Por cautela de patrocínio, ainda que ficasse inalterada a decisão do tribunal a quo, sempre quanto à pena e a sua concreta medida, não ficou demonstrado qualquer facto que densifique quaisquer reservas em matéria de prevenção geral ou especial impeditivas...

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