Acórdão nº 7147/10.3TBMTS.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 25 de Setembro de 2014

Magistrado ResponsávelARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA
Data da Resolução25 de Setembro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Recurso de Apelação Processo n.º 7147/10.3TBMTS.P1 [Tribunal Judicial da Comarca de Matosinhos] Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório: Findos os articulados da acção, foi nela proferido o seguinte despacho: “Do artigo 14º da PI resulta que, segundo alega o autor, o programa informático objecto da presente acção – B… – é o resultado do seu trabalho, do réu C… e ainda de D…. Em consequência parece-nos estarmos perante uma situação de litisconsórcio necessário activo devendo estar presente, na acção, o referido D…. Pelo exposto, e nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 508º, n.º 1, a) do CPC, convido o autor a suprir a excepção dilatória da ilegitimidade passiva sob pena de absolvição das rés da instância”.

Notificados do despacho, os autores manifestaram-se contra a interpretação do tribunal do alegado na petição inicial e não requereram a intervenção principal sugerida no despacho. Perante isso, os réus, que não haviam suscitado a excepção nas suas contestações, vieram requerer a sua absolvição da instância.

De seguida foi proferido despacho absolvendo os réus da instância por preterição não regularizada do litisconsórcio activo necessário, com base na seguinte fundamentação: “… retira-se dos artigos 10º, 11º, 14º e 15º da PI que, mesmo na versão do autor, este, o réu e o referido D… celebraram um acordo de repartição de vendas dos programas E… e B…. Mesmo na versão do autor retira-se que, apesar de estarem em causa três produtos distintos (artigo 11º) os mesmos foram concebidos e desenvolvidos para serem vendidos em conjunto. Por outro lado, e do teor do artigo 7º, alega o autor que o programa E… foi desenvolvido por si e por D…, sendo o programa B… um desenvolvimento daquele. Parece-nos, assim, claro que, conforme dissemos no despacho de aperfeiçoamento, D… tinha de estar presente nesta acção, ao lado do autor.” Em simultâneo, porque os réus deduziram pedidos reconvencionais, já admitidos, os réus foram convidados a “esclarecer se mantêm interesse no prosseguimento dos autos para conhecimento dos pedidos reconvencionais sendo que, em caso de silêncio, se considerará que não pretendem o prosseguimento dos autos”. Os réus acederam ao convite e reiteraram o interesse na apreciação dos respectivos pedidos reconvencionais.

Apesar disso e do anterior despacho, foi depois proferido o seguinte despacho: “Os Réus tinham deduzido reconvenção, já admitida por despacho proferido a fls. 202, peticionando a condenação dos Autores em indemnização pelos prejuízos causados no seu bom nome e imagem pela interposição da presente acção e procedimento cautelar apenso. De acordo com o disposto no art. 274º, n. 6 do Código de Processo Civil, a absolvição do réu da instância não obsta à apreciação do pedido reconvencional, salvo quando este seja dependente do formulado pelo Autor. Ora, in casu, os pedidos reconvencionais deduzidos pelos Réus estão na dependência do pedido deduzido pelos Autores, uma vez que apenas poderiam proceder na eventualidade de os réus serem absolvidos do pedido. Face á absolvição dos Réus da instância, não foi possível apurar e decidir do mérito da causa, para que se possa apreciar se assiste aos Reconvintes o direito à peticionadas indemnizações. Pelo exposto, não haverá lugar à apreciação dos pedidos reconvencionais deduzidos pelos Réus.” Da decisão de absolvição dos réus da instância, recorreram os autores. Da decisão de não fazer prosseguir a lide para conhecimento das reconvenções, recorreram os réus em dois recursos separados. Foram admitidas todas as apelações.

Os autores concluíram as alegações da respectiva apelação com as seguintes conclusões: A- Nos termos do Art. 26º do Código de Processo Civil, em especial do seu n.º 3, os pressupostos da legitimidade aferem-se em função da relação jurídica tal como ela é presente pelo Autor a juízo; B- Como decorre da alegação formulada pelo Autor, sempre este invocou quer a autoria quer a propriedade exclusiva do direito de autor sobre o programa em crise nos presentes autos, nomeadamente, em função do vertido sob os ns. 1º a 14 e 48º a 52º da petição inicial, e 35º a 38º da réplica, razão pela qual, não decorre da sua alegação a existência de um qualquer direito por parte de D… sobre o programa em causa; C- Nesse pressuposto, e tal como presente a relação jurídica em causa pelo Autor, o direito que este pretende exercer não tem como titular o indicado D…, nem este tem qualquer direito sobre o referido programa, não resultando assim, dos factos alegados, o preenchimento dos pressupostos legais de litisconsórcio necessário, quer activo, quer passivo; D- O que o Autor sempre invocou foi precisamente que o indicado D… foi o autor de um programa de Back Office, e não de um programa de Front Office, sendo que, na presente demanda, em crise, está apenas e só o direito sobre o programa de Front Office, tal como resulta aliás da alegação do Autor; E- A douta decisão em crise, viola o disposto nos arts. 26º e 28º do CPC, devendo por tal facto ser objecto de revogação.

Os réus responderam defendendo a falta de razão dos fundamentos do recurso e pugnando pela manutenção do julgado.

Os 2.º e 3.º réus findaram as alegações da respectiva apelação com as seguintes conclusões: 1. A aplicação do dispositivo do art° 274°, nº 6 do C.P.C. prevê a possibilidade de, no caso de absolvição do réu da instância, tal não obstar à apreciação do pedido reconvencional regularmente deduzido, impondo como condição que o pedido reconvencional não seja dependente do pedido formulado pelo autor; 2. O pedido reconvencional não depende, por sua natureza ou por vontade dos RR, da procedência do pedido dos AA., pelo que deve ser apreciado autonomamente; 3. O pedido reconvencional decorre de um facto autónomo, ou seja, dos actos praticados pelos AA. após decisão proferida em procedimento cautelar que, no entender dos RR. lesaram gravemente o seu bom nome, imagem, reputação e credibilidade comercial, decorrendo o pedido indemnizatório dessa lesão.

4. Ora a acção tem por base uma alegada "usurpação de direitos de autor" pelos RR, mas o pedido reconvencional assenta num outro facto concreto que consiste no verdadeiro atentado ao bom nome reputação e credibilidade dos RR pela divulgação de factos que, sem estarem definitivamente julgados, foram veiculados e alardemente divulgados como tal; 5. Tratam-se de factos já consumados que violaram direitos dos recorrentes, e que sempre violariam independentemente da procedência, ou improcedência da acção principal e que poderiam ser apreciados autonomamente; 6. Tendo em conta a independência dos pedidos deduzidos em sede de reconvenção relativamente às pretensões formuladas pelos AA ora recorridos, deveria o tribunal a quo. ao invés do que fez, ter determinado a prossecução processual, com o prosseguimento dos autos para conhecimento dos pedidos reconvencionais.

O 1.º réu culminou as respectivas alegações com as seguintes conclusões: a. No douto despacho recorrido (refª 10987432) decidiu-se que não haveria lugar à apreciação dos pedidos reconvencionais deduzidos pelos Réus por se entender que «(...) os pedidos reconvencionais deduzidos pelos Réus estão na dependência do pedido deduzido pelos Autores, uma vez que apenas poderiam proceder na eventualidade de os Réus serem absolvidos do pedido» e, ainda porque, face à absolvição dos Réus da instância, não seria possível apurar e decidir do mérito da causa para que se pudesse apreciar se assistiria ou não aos Reconvintes o direito às peticionadas indemnizações.

  1. E decidiu-se assim não obstante os pedidos reconvencionais terem sido anteriormente admitidos, por despacho proferido a fols. 202 e já transitado em julgado.

  2. O primeiro vício a apontar a este despacho, que assim se encontra ferido de nulidade, é tratar-se de um despacho-surpresa que o nosso ordenamento jurídico não permite, Com efeito, depois de os Réus terem visto os seus pedidos reconvencionais admitidos, depois de terem sido convidados a informar o Tribunal sobre a sua intenção de manterem os pedidos reconvencionais, e de o terem feito, respondido afirmativamente, não era imaginável nem expectável nem previsível semelhante despacho.

  3. Estabelece o art. 3°, nº 3, do Código de Processo Civil que "O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido possibilidade de sobre elas se pronunciarem". Consagra esta norma o princípio do contraditório, designadamente, através da proibição da decisão-surpresa, isto é, da decisão baseada em fundamento que não tenha sido previamente considerado pelas partes.

  4. Através do despacho agora em crise, a Meritíssima Juiz a quo violou o princípio da proibição das decisões-surpresa, previsto naquele art. 3°, n.º 3, do Código de Processo Civil, bem como os princípios constitucionais da igualdade, do acesso ao direito, do...

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