Acórdão nº 245/12.0GBBAO.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 11 de Novembro de 2015

Magistrado ResponsávelANA BACELAR
Data da Resolução11 de Novembro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 245/12.0GBBAO.P1 Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto I.

RELATÓRIO No processo comum n.º 245/12.0GBBAO, da Comarca do Porto Este – Baião – Instância Local – Secção de Competência Genérica – J1, B… e C…, devidamente identificados nos autos e neles constituídos Assistentes, acusaram D…, casada, nascida a 13 de novembro de 1966, em …, Baião, filha de E… e de F…, residente na Rua …, …, …, Baião, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de dois crimes de injúria, previstos e puníveis pelo artigo 181.º do Código Penal.

Acusação que o Ministério Público acompanhou.

B… e C… pediram a condenação da Arguida a pagar-lhes, respetivamente, as quantias de € 600,00 (seiscentos euros) e € 800,00 (oitocentos euros), acrescidas de juros, desde a notificação até integral pagamento, a título de indemnização por danos de natureza não patrimonial que suportaram.

Não foi apresentada contestação escrita.

Realizado o julgamento, perante Tribunal Singular, por sentença proferida em 9 de março de 2015 e depositada no dia imediato, foi decidido: «a) condenar D… pela prática de dois crimes de injúria, previstos e punidos pelo artigo 181º, n.º1, do Código Penal, nas penas parcelares de 70 (setenta) dias de multa, que integram a pena única conjunta de 105 (cento e cinco) dias de multa, à taxa diária de €6,00 (seis euros), o que perfaz um total de €630,00 (seiscentos e trinta euros).

b) condenar D… a pagar a B..., uma indemnização por danos morais, no valor total de € 100,00 (cem euros), acrescidos de juros legais, desde a data de citação e até efectivo pagamento; c) condenar D… a pagar a C…, uma indemnização por danos morais, no montante de € 100,00 (cem euros), acrescidos de juros legais, desde a data de citação e até efectivo pagamento; d) absolver a Demandada D… do demais peticionado; e) condenar D… nas custas do processo crime; f) condenar Demandantes e Demandada nas custas do processo cível, na proporção do decaimento.

» Inconformada com tal decisão, a Arguida dela interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões [transcrição]: «1ª – A acusação deve conter, como elemento essencial dela constitutivo, a narração dos factos que fundamentam a aplicação da sanção. Estes abrangem necessariamente aqueles elementos que integram todos os elementos típicos do crime (objectivos e subjectivos); 2ª – As acusações não contêm os factos concretizadores do elemento subjectivo do crime de injúrias, pois dela não consta que: • a arguida tenha agido de forma livre, deliberada e consciente; • com o propósito conseguido de ofender os assistentes; • bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei; • tinha agido com a consciência de todas as circunstâncias do facto – nomeadamente no tocante à questão de saber se o ripostar de imediato a uma injúria grave, ilícita e repreensível que lhe é dirigida pelos assistentes – é ou não facto proibido e punido por lei.

  1. – As acusações estão feridas de nulidade, nos termos da al. b) do n.º 3 do art.º 283º do CPP, nulidade que deve ser declarada.

  2. – Sem prescindir disso e atendo-nos exclusivamente aos factos provados, temos de concluir que foram os assistentes que, de forma gravosa, deram origem à contenda verbal que os autos retratam.

  3. – O tipo criminal de injúrias não exige que a honra seja efectivamente atingida, bastando-se com que o facto cometido seja apto e adequado a tanto. Porém, é preciso que a honra do pretenso ofendido esteja presente no momento da ofensa.

  4. – No caso vertente, foram os assistentes que primeiramente ofenderam a honra da arguida, que não se deram ao respeito, e o facto de esta ripostar àquela ofensa à sua honra com outra ofensa de teor verbal igual não pode ofender a honra do provocador.

    A douta sentença recorrida violou o disposto no art.º 181º, n.º 1, do Cód. Penal, por errada interpretação e aplicação ao caso dos autos.

  5. – Sem embargo do alegado, cuidamos que também não se verifica no presente caso o elemento subjectivo do tipo criminal de injúrias.

  6. – Não foi vazado na acusação que a arguida sabia que as expressões indicadas nos n.ºs 3 e 4 do elenco dos factos provados na douta sentença eram aptas ou adequadas a atingir a honra e consideração dos assistentes e, ainda assim, quis dirigi-las aos mesmos.

  7. – Como também não consta da acusação que a arguida agiu de forma livre, voluntária e consciente, ciente que a sua conduta era proibida e punida por lei.

  8. – Vale tudo por dizer: o que falta nas acusações particulares – e por isso mesmo e obviamente também não consta dos factos provados – é a totalidade do elemento subjectivo do crime de injúrias (dolo do tipo) e ainda os elementos do denominado dolo da culpa (tipo de culpa) traduzidos na consciência, por parte do arguido, de que atingia a honra e consideração dos ofendidos e mesmo assim querendo dirigir-lhe aquelas expressões, sabendo que actuava contra o direito ou que a sua conduta era livre, voluntária e consciente, sabendo também que tais expressões eram aptas a atingir a honra e consideração dos assistentes, não em abstracto, mas naquelas concretas circunstâncias de retorsão.

  9. – A consciência da ilicitude é elemento essencial da culpabilidade e a culpabilidade é pressuposto essencial da punibilidade; a consciência da ilicitude é também um elemento do crime e há-de ser objecto de prova a incluir no thema probandum, pelo que está também abrangida pela doutrina que emana do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência citado no texto.

  10. – Por outro lado, não foram demonstrados factos de onde pudesse a douta sentença extrair a consciência da ilicitude da conduta imputada à arguida.

  11. - O dolo, ao contrário do que parece depreender-se da douta sentença, não é uma emanação ou uma inerência da factualidade objectiva – se esta demonstrada tivesse sido – como se pudesse admitir-se um dolus in re ipsa.

  12. – A douta sentença recorrida, ainda a esta luz, violou o disposto no art.º 181º, n.º 1, do CP, por errada interpretação e aplicação.

  13. – Ainda sem embargo e sem prescindir do já alegado, deve dizer-se que a douta sentença deveria ter feito uso do instituto da dispensa de pena, nos termos dos n.ºs 2 e 3 do art.º 186º do CP.

  14. – Ao contrário do decidido na douta sentença, a tanto não obsta o facto de na data de julgamento o dano se não encontrar reparado – al. b) do n.º 2 do art.º 74º do CP.

  15. – Por um lado, a conduta da arguida foi provocada por uma conduta ilícita e repreensível dos assistentes; 18ª – E por outro, a arguida limitou-se a ripostar, no mesmo acto, quando já se afastava do local em direcção a sua casa, à ofensa dos assistentes com outra ofensa de teor igual, numa típica situação de retorsão sequencial.

  16. – Na nossa perspectiva, não existe nenhuma obrigação de indemnizar a cargo da arguida, pois a obrigação de indemnização tem uma função essencialmente reparadora e subsidiariamente sancionatória ou preventiva em virtude de uma conduta ilícita causadora dos danos.

  17. – A função reparadora e preventiva da obrigação de indemnização não se justifica quando tenha havida principalmente ou igualmente culpa do lesado na produção do dano, isto é, quando o acto lesivo tenha sido provocado pelo lesante ou ele tenha tido na produção do dano uma intervenção relevante.

  18. – Os assistentes/lesados concorreram em larguíssima percentagem – quase se podia dizer em exclusivo – para a produção dos danos e, assim, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser concedida totalmente, reduzida ou mesmo excluída – n.º 1 do art.º 570º do Cód. Civil.

  19. – No caso, não só a sentença não procedeu a essa ponderação, como também não pode deixar de concluir-se que a culpa dos lesados é de grau muito superior à da lesante na produção do suposto dano a reparar; 23ª – Pois, no caso vertente, como dito, a natureza e a diminuta gravidade da ofensa sofrida pelos demandantes, em acto de retorsão da arguida, justifica que os danos por eles sofridos não mereçam qualquer tipo de tutela cível, com a exclusão da obrigação de indemnizar.

  20. – Se a aplicação do instituto da dispensa de pena estiver dependente do requisito geral da reparação do dano – como no caso presente está, segundo a douta sentença – deve o tribunal – por se tratar de um poder-dever – fazer operar aquele instituto, por se verificarem também os requisitos gerais de que depende a dispensa de pena, caso venha a entender-se que, ao cabo e ao resto, sempre terá havido crime.

  21. – A entender-se não ser de aplicar o instituto da dispensa de pena, então deverá cada uma das penas parcelares...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT