Acórdão nº 672/11.0T3AVR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 11 de Fevereiro de 2015
Magistrado Responsável | PEDRO VAZ PATO |
Data da Resolução | 11 de Fevereiro de 2015 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Proc. nº 672/11.0T3AVR.P1 Acordam os juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto I – B… vem interpor recurso da douta sentença do Juiz 1 do Juízo de Média Instância Criminal de Aveiro (Comarca do Baixo Vouga) que o condenou, pela prática de um crime de homicídio negligente, p. e p. pelo artigo 137º, nº 1, e 15º, b), do Código Penal, na pena de doze meses de prisão; pela prática de um crime de omissão de auxílio, p. e p. pelo artigo 200º, nº 1 e 2, do mesmo Código, na pena de seis meses de prisão; e, em cúmulo jurídico, na pena de quinze meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período sob condição de pagamento da quantia de setecentos e cinquenta euros às “C…” em quinze prestações mensais; e condenou o Fundo de Garantia Automóvel a pagar ao Hospital … a quantia de 6.904,90 €, acrescida dos juros legais; e a pagar ao demandante D… e à habilitada do demandante E… (F…) a quantia de 61.000 €, acrescida dos juros legais, quantia a repartir entre ambos na proporção dos respetivos quinhões hereditários; ao demandante D… a quantia de vinte mil euros, acrescida dos juros legais, e à habilitada F… também a quantia de vinte mil euros, acrescida dos juros legais.
As conclusões da motivação deste recurso são as seguintes: «I. O tribunal deu como provado que o veículo automóvel da ofendida se encontrava estacionado em local próprio e de forma paralela, ainda que ligeiramente dentro da faixa de rodagem. Porém, a prova produzida foi em sentido contrário, pelo que dever-se-á concluir que o veículo da vítima estava mal estacionado e a sua atitude impudente concorreu directamente para a ocorrência do acidente.
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O tribunal deu ainda como provado que a vítima se encontrava junto à porta da frente, invadindo cerca de 50 cm no interior da hemi-faixa da direita, quando se dispunha a abrir ou fechar a porta do veículo. Apesar de concluir deste modo, ignorou totalmente o facto de a vítima se ter colocado numa posição que, no mínimo, era propícia a embaraçar o trânsito, e que podia colocar a sua vida em risco efetivo, pelo que, não observou o dever de cuidado que as circunstâncias exigiam.
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A vítima manifestou um comportamento temerário porque após estacionar o seu veículo em local proibido, deslocou-se pela faixa de rodagem.
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Houve, por isso, no mínimo concorrência de culpas entre o arguido e a vítima, sendo óbvia a existência da negligência da última, dada a omissão dos deveres gerais de cuidado.
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Na fixação da medida concreta da pena dever-se-ia ter tido em conta a culpa da vítima uma vez que, não acumulando a especial qualificação da culpa do arguido, implica um diminuição desta, pelo que, tendo em conta (artigo 71º do Código Penal) o grau de ilicitude do facto, a gravidade das suas consequências (morte da vítima), a intensidade da negligência, as condições pessoais do arguido e a sua situação económica, a sua conduta anterior ao facto e as exigências de prevenção afigura-se adequada uma pena inferior àquela que veio a ser fixada.
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No que respeita ao pedido de indemnização civil e à condenação do FGA, considera-se que os valores fixados são excessivos e devem ser reduzidos.
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Tanto mais que, como se disse, o comportamento da vítima concorreu directamente para a ocorrência do acidente.
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Assim, o tribunal deveria determinar a indemnização com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, o que não fez.
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Aliás, não levou em conta a aplicação da Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio (alterada pela Portaria n.º 679/2009, de 25 de Junho), como critério de ponderação.
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A condenação não coincide de todo com os princípios aí plasmados, mormente, por referência à idade da lesada que à data dos factos contava 67 anos.
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Pela aplicação dos critérios da portaria, o valor a fixar por danos relativos à perda da vítima, seria de 40.000,00 €.
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E deveria ter sido considerado, em resultado dos factos que resultaram provados, que houve concorrência de culpas porquanto a vítima não usou do dever de cuidado que lhe era exigido.
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Acresce que no que respeita aos danos morais sofridos pela vítima, o tribunal deu como não provada a consciência da morte por parte da vítima, como aliás resultou da prova produzida em audiência.
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Porém, decidiu condenar o FGA em 1.000 € pelos danos referidos.
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Em nosso entender, não havia lugar a qualquer indemnização, porquanto foi dado como não provada a existência do dano.
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Ao não decidir da forma supra exposta, o tribunal a quo violou os artigos 496.º, 494.º e 570.º do CC.» Na sua resposta a tal motivação, o Ministério Público junto do Tribunal da primeira instância pugnou pelo não provimento do recurso.
O assistente D… também apresentou resposta a tal motivação, pugnando pelo não provimento do recurso.
O Fundo de Garantia Automóvel também interpôs recurso dessa sentença, constando da motivação deste recurso as seguintes conclusões: «1. O arguido deve ser condenado solidariamente com o FGA ao pagamento de todas as quantias em cujo pagamento o FGA seja condenado a pagar aos demandantes cíveis; 2. É o arguido o responsável civil primário perante os demandantes cíveis, sendo o FGA um mero garante do seu dever de indemnizar; 3. A absolvição do arguido dos pedidos cíveis dirigidos contra o mesmo, afronta o litisconsórcio necessário passivo; 4. Os critérios plasmados na Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio não podem deixar de se erigir em referente para o julgador, pois reduzem a incerteza e a subjectividade da decisão e asseguram um melhor tratamento igual entre todos os lesados; 5. Os critérios de tal instrumento normativo resultam de uma ponderação prudencial, médico-legal e económica e social e devem, por isso, ser considerados; 6. Havendo uma divergência substancial entre o resultado que se alcançaria pela aplicação da portaria e o resultado da decisão judicial, deve considerar-se que é possível o excesso da decisão judicial; 7. A indemnização pela perda do direito à vida deve fixar-se em 40.000,00 €; 8. Ao não os interpretar da forma acima assinalada, o tribunal a quo violou os artigos 496.º, 494.º, 562.º e 566.º do CC e o artigo 62.º do DL n.º 291/2007.» O demandante D… apresentou resposta a tal motivação, pugnando pelo não provimento deste recurso, exceto no que se refere à condenação do arguido no pedido de indemnização civil.
O Ministério Público junto desta instância emitiu douto parecer, pugnando pelo não provimento do recurso interposto pelo arguido.
Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora decidir.
II – As questões que importa decidir são, de acordo com as conclusões das motivações dos recursos, as seguintes: Quanto ao recurso interposto pelo arguido: -saber se a prova produzida impõe que não se considere (ao contrário do que consta da sentença recorrida) que o veículo da vítima estava estacionado em local próprio e de forma paralela; - saber se, pelo facto de a vítima se ter deslocado pela faixa de rodagem após ter estacionado o veículo em local proibido, deve considerar-se que concorreu com a sua culpa para a ocorrência do acidente; - saber se a pena em que o arguido foi condenado é excessivamente severa, face aos critérios legais; - saber se os valores fixados para o pedido de indemnização civil são excessivos, porque a vítima concorreu para o acidente, porque não correspondem aos critérios decorrentes da Portaria nº 377/2008, de 26 de maio, e porque não se provou que a vítima tivesse sofrido danos morais antes de falecer.
Quanto ao recurso interposto pelo Fundo de Garantia Automóvel: - saber se o arguido e demandado deve ser solidariamente condenado, juntamente com esse Fundo, no pedido de indemnização civil em causa; - saber se a fixação do valor da indemnização pela perda do direito à vida deve ser reduzida, em consonância com os critérios decorrentes da Portaria n.º 377/2008, de 26 de maio.
III – Da fundamentação da douta sentença recorrida consta o seguinte: «(…) II – FUNDAMENTAÇÃO 1. Factos provados Discutida a causa resultaram provados os seguintes factos: 1. No dia 30 de Março de 2011, pelas 15h20m, o arguido B… tripulava o motociclo, com a matrícula ..-..-TJ, propriedade de G…, pela Rua …, no sentido Sul/Norte, na freguesia …, na cidade de Aveiro, nesta comarca do Baixo Vouga.
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O local onde o arguido se deslocava é uma rua urbana, com dois sentidos.
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A faixa de rodagem no local mencionado tem um traçado recto, apresenta uma largura de 9 metros, sendo 4,5 metros para cada uma das hemi-faixas, encontrando-se próxima de uma passagem para peões devidamente sinalizada (no próprio pavimento e por sinalização vertical) e um sinal de proibição de exceder a velocidade máxima de 40km/hora no referido local (por sinalização vertical).
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O tempo apresentava-se chuvoso, com pouca intensidade de tráfego.
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Naquelas circunstâncias de tempo e lugar, à frente do arguido, atento o seu sentido de marcha, não circulava qualquer outro veículo.
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Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, no mesmo sentido Sul/Norte, junto ao número … da referida Rua, encontrava-se estacionado, em local próprio e de forma paralela. Ainda que ligeiramente dentro da faixa de rodagem, o veículo automóvel, propriedade do peão H…, id. A fls. 3 e 4.
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H… encontrava-se junto à porta da frente do lado esquerdo do seu veículo, invadindo cerca de 50 cm no interior da hemi-faixa direita, quando se dispunha para abrir ou fechar a porta daquele.
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O arguido, em virtude da desatenção em que tripulava o motociclo, o arguido não viu o peão que ali se encontrava, e com a parte frontal direita do motociclo embateu na H….
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Com o embate, H… foi projetada, vindo a cair no solo a 2 metros de distância, à frente do local em que foi colhida pelo veículo.
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Como consequência do embate e consequente projeção de H…, e apesar do pronto tratamento esta veio a sofrer lesões traumáticas toracoabdomino-pélvica e dos membros, melhor descritas no relatório da autópsia, constante de fls. 172 a 174 cujo teor se dá, por integralmente reproduzido...
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