Acórdão nº 9868/13.0TBVNG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 05 de Fevereiro de 2015

Magistrado ResponsávelARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA
Data da Resolução05 de Fevereiro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Recursos de Apelação Processo n.º 9868/13.0TBVNG.P1 [Comarca do Porto /Instância Central de Gaia /Cível] Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto: I.

B…, C…, ambos residentes em … e D…, residente em …, todos na Suíça, na qualidade de herdeiros na herança aberta por óbito de E…, instauraram acção judicial contra F…, G…, ambos residentes em …, Vila Nova de Gaia, e H…, residente em …, na Suíça, na qualidade de herdeiros habilitados na herança aberta por óbito de I…, pedindo: o seu reconhecimento “como proprietários do rés-do-chão e do quintal…, ou, em alternativa, comproprietários da totalidade do prédio identificado no artigo 1º” da petição inicial.

Para o efeito, alegaram que em 9 de Agosto de 1982, o réu F… e mulher prometeram vender aos pais dos autores, pelo preço de 2.000.000$00, o rés-do-chão do prédio sito na Rua …, n.º …, …, incluindo o respectivo quintal, que se encontra registado na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia e aí inscrito a favor dos promitentes vendedores, tendo recebido no acto a totalidade do preço. Nessa data os promitentes-vendedores entregaram aos promitentes compradores o referido rés-do-chão e quintal, com a intenção de transferir o direito de propriedade a título definitivo, e desde essa data os aqui autores, por si e por seus pais praticaram, em seu nome, todos os actos de conservação, manutenção e administração ordinária e extraordinária do rés-do-chão e quintal do prédio, nele realizando benfeitorias e habitando, usando e fruindo como verdadeiros proprietários, à vista de todos e sem oposição de ninguém, sendo reconhecidos publicamente e comportando-se como verdadeiros proprietários, pelo que adquiriram o direito de propriedade por usucapião.

Os réus contestaram e deduziram reconvenção, formulando o pedido de condenação dos autores a entregar aos réus o rés-do-chão e a parte do quintal objecto do contrato promessa livres e desocupados de pessoas e coisas.

Alegaram para o efeito que o contrato-promessa tinha por objecto não todo mas apenas parte do quintal e que na sequência da sua celebração os falecidos pais dos autores, e não estes, habitaram, usaram e fruíram de facto o rés-do-chão e essa parte do quintal, não por se acharem proprietários dos mesmo ou serem reconhecidos como tal, mas em virtude da traditio do bem objecto da promessa, sendo por isso meros detentores do bem que sabiam pertencer aos réus. Sucede que o contrato promessa foi celebrado há mais de 30 anos e por isso os direitos que para os autores pudessem resultar do mesmo encontram-se prescritos nos termos do art. 309º do Código Civil, pelo que os autores devem entregar o rés-do-chão e a parte do quintal em causa.

Os autores responderam à reconvenção afirmando apenas que “mantém na íntegra tudo o alegado na petição inicial”.

A acção prosseguiu até julgamento, findo o qual foi proferida sentença a julgar “a acção integralmente improcedente por não provada, absolvendo os réus dos pedidos contra si deduzidos”, declarar “prescritos os direitos emergentes do contrato”, e absolvendo “os reconvindos do demais peticionado pelos reconvintes”.

Do assim decidido, os autores interpuseram recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões: 1. O Réu F… prometeu vender o Rés-do-chão do prédio melhor identificado na Petição Inicial.

  1. O preço estipulado de 2000 contos, actualmente 9.075,96 Euros, foi efectivamente pago pelos Autores.

  2. Desde a data de celebração do identificado contrato deu-se a entrega da coisa, a transição do imóvel e ali passaram a habitar os Autores.

  3. Sem oposição dos Réus ou de terceiros.

  4. E praticaram todos os actos de conservação e manutenção do respectivo quintal e nele praticado todos os actos de administração ordinária e extraordinária.

  5. Desde Agosto de 1982 que os antecessores dos Autores e estes depois deles usaram e usufruíram da parte do prédio por si habitada como verdadeiros proprietários.

  6. Sendo reconhecidos publicamente como proprietários nomeadamente pelos Réus.

  7. No acto da outorga do referido contrato promessa houve intenção de transferir o direito de propriedade do Rés-do-chão e o quintal a título definitivo, conforme declaração expressa da testemunha J….

  8. Desde essa data que os Autores e seus ante possuidores se comportam como verdadeiros proprietários do mesmo.

  9. Estão assim verificados os elementos constitutivos do direito invocado, de usucapião, verificando-se assim a previsão dos artigos 1251°, 1258°, 1260°, 1261° e 1263° alín. b) do C. Civil.

    Os réus responderam a estas alegações pugnando pela manutenção do julgado e aproveitaram para apresentar recurso subordinado de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões: 1. Da prescrição reconhecida na douta sentença proferida não resulta (cf. art. 304º CC) a restituição por parte dos Réus do que quer que seja aos Autores, designadamente o preço pago, o que apenas aconteceria no caso de nulidade ou de resolução (arts. 289º, 433º e 434º CC).

  10. Como tal, não poderia obstar à procedência do pedido reconvencional formulado a circunstância de os Réus não se proporem restituir aos Autores o preço pago.

  11. A fls. 92 a 98 encontra-se certidão predial permanente referente ao prédio em apreço da qual consta que o mesmo se encontra registado a favor do Réu F… e da sua falecida mulher, I… (sendo que os Réus foram demandados na presente acção na qualidade de herdeiros desta, conforme correcção operada na audiência final).

  12. Nos termos do art. 7º CRP, é de presumir que os mesmos são os donos do prédio em questão.

  13. Atendendo a que os Autores não alegaram qualquer facto que abalasse tal presunção, daí resulta que se encontram reconhecidamente em juízo os donos do prédio em questão, os quais têm legitimidade para o reivindicar dos Autores.

  14. Aliás, para o efeito bastaria o Réu F… (arts. 1404º e 1405º nº 2 CC).

  15. Como os próprios Autores alegaram na petição inicial, os mesmos ocupavam o prédio em causa em virtude do contrato promessa em questão.

  16. Tendo prescrito todo e qualquer direito emergente desse contrato promessa (como aliás, se reconheceu), daí resulta que os Autores deixaram de ter título que lhes permita semelhante ocupação.

  17. O pedido de reconhecimento da propriedade do prédio em questão está implícito no pedido de restituição do mesmo (neste sentido, por todos, Pires de lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, anotação 2 ao art. 1311º).

  18. Afigura-se que o pedido reconvencional formulado de condenar os Autores a entregar aos Réus o rés-do-chão e o quintal objecto desse contrato promessa, livres e desocupados de pessoas e coisas, deveria ter sido julgado procedente.

  19. Entendendo diferentemente, a douta sentença recorrida violou o disposto nos arts. 304º, 289º, 433º, 434º, 1404º, 1405º nº 2 e 1311º CC e 7º CRP pelo que deve ser revogada.

    Os autores não responderam ao recurso subordinado.

    Após os vistos legais, cumpre decidir.

    II.

    As conclusões das alegações de recurso colocam este Tribunal perante o dever de resolver as seguintes questões: i)Se a decisão da matéria de facto foi validamente impugnada no recurso dos autores.

    ii)Se os poderes de facto exercidos pelo promitente adquirente sobre a coisa prometida objecto de traditio constituem uma situação de mera detenção ou verdadeira posse susceptível de consentir a usucapião do direito.

    iii)Se a causa de pedir da reconvenção é apenas a prescrição ou compreende, ainda que de forma implícita, a invocação do direito de propriedade.

    iv)Se estão reunidas as condições para a procedência do pedido de entrega do imóvel aos réus.

    III.

    Na decisão recorrida foram considerados provados os seguintes factos:

    1. Por contrato celebrado em 9 de Agosto de 1982, o Réu F… e sua mulher, prometeram vender a E…, o rés-do-chão do prédio sito na Rua …, n.º …, da freguesia …, concelho de Vila Nova de Gaia, que confronta do nascente com K… e Outro, do poente com L…, bem como do norte e do sul com caminho, incluindo pelo menos parte do respectivo quintal, devidamente demarcado e que se encontra inscrito na 2ª Repartição de Finanças de Vila Nova de Gaia, sob o artigo U-2602 e registado na competente Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o número 01958/110196, de …, aí registado a favor dos ali promitentes vendedores, pela inscrição G-1.

    2. O preço estipulado foi de 2.000.000$00 (dois milhões de escudos), actualmente € 9.975,96 (nove mil, novecentos e setenta e cinco euros e noventa e seis cêntimos).

    3. O preço acordado foi recebido integralmente pelos promitentes vendedores no próprio dia da celebração do contrato, tendo os ali promitentes vendedores dado a respectiva quitação.

    4. Desde a data de celebração do contrato, a ali identificada promitente compradora e seu marido passaram a habitar o rés-do-chão do imóvel, sem oposição dos réus ou de terceiros (parte do artigo 8º da petição inicial).

      IV.

      A] Recurso dos autores: As conclusões das alegações de recurso dos autores suscitam algumas dúvidas sobre o verdadeiro objecto do recurso interposto.

      O objecto do recurso de uma decisão é sempre a parte desfavorável ao recorrente já que só quem ficou vencido, e na medida em que o ficou, pode recorrer da decisão (artigo 631.º do novo Código de Processo Civil). Para além desse limite ao poder de cognição do tribunal de recurso, outros podem advir do modo como o recorrente entendeu delinear o seu recurso, uma vez que quando a parte dispositiva da sentença contiver decisões distintas o recorrente pode restringir o recurso a qualquer delas (artigo 635.º).

      Com base nos artigos 608.º, nº 2, 609.º, n.º 1, 635.º, nº 4, e 639.º, do Código de Processo Civil constitui jurisprudência continuamente reafirmada que o thema decidendum do recurso é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, não sendo permitido ao tribunal ad quem conhecer de questões que extravasem as conclusões de recurso, excepto se as mesmas forem de conhecimento...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT