Acórdão nº 134839/12.3YIPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 07 de Maio de 2015

Magistrado ResponsávelLEONEL SER
Data da Resolução07 de Maio de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Apelação n.º 134839/12.3YTPRT.P1 Relator – Leonel Serôdio (417) Adjuntos - Fernando Baptista de Oliveira - Ataíde das Neves Acordam no Tribunal da Relação do Porto Relatório B…, S.A, intentou o presente procedimento de injunção, que após oposição prosseguiu como acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, contra C…, S.A.

, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de €19.201,67, sendo €18.478,91 a título de capital, €433,32 a título de juros de mora, €229,50 de taxa de justiça e €59,94 a título de despesas em diligências de cobrança.

Alega, para tanto, ter celebrado com a Ré em 11.10.2011 um contrato de prestação de serviço de telecomunicações, em que se obrigou a prestar o serviço, no plano tarifário escolhido pela Ré, e esta obrigou-se efectuar o pagamento tempestivo das facturas e manter o contrato pelo tempo indicado na proposta, sob pena de, não o fazendo, ser responsável pelo pagamento à A, a título de cláusula penal do valor relativo à quebra do vínculo contratual. Após a recepção da proposta, iniciou a prestação do serviço, que a Ré utilizou, tendo emitido as facturas correspondentes, das emitidas permanecem em divida as indicadas no requerimento inicial, a última no valor de €8, 633.31, emitida em 08.07.2012.

A Ré deduziu oposição, alegando, em síntese, que, em 30.03.2012 solicitou à A o cancelamento da prestação de serviços de internet B1…, com efeitos a partir de 01.04.2012, em 11.04.2012 solicitou a rescisão da prestação de serviços referente ao B2… e no mesmo dia solicitou a cedência do número de telefone a favor de terceiro, nada devendo dos serviços reclamados. Sustenta ainda que a A não tem direito a qualquer indemnização por incumprimento do contrato.

Conclui pela improcedência da acção.

O processo prosseguiu os seus termos e após realização da audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a Ré a pagar à A a quantia de €1.850,27 (mil oitocentos e cinquenta euros e vinte e sete cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa comercial, contados desde as respectivas datas de vencimento das facturas até efectivo e integral pagamento. No mais peticionado, absolveu a Ré.

A A apelou e terminou a sua alegação com as conclusões que se transcrevem: “1. Entendeu o tribunal a quo que a Apelada não pode invocar a cláusula penal prevista no contrato de prestação de serviços constante dos autos, e dado como provado, por falta de factos que permitam aferir da sua validade à luz do regime legal previsto no Decreto-Lei n.º 56/2010, de 1 de Junho (“Decreto-Lei n.º 56/2010”).

  1. O Tribunal a quo alicerçou a decisão recorrida no entendimento de que no sector das comunicações (rectius comunicações electrónicas) a previsão de cláusulas penais só é válida quando os contratos são celebrados e há, simultaneamente, oferta de equipamentos ou entrega de equipamentos.

  2. O objectivo e o alcance do Decreto-Lei n.º 56/2010 são opostos ao propugnado pelo Tribunal a quo, Decreto-Lei que é inaplicável à situação dos presentes autos, sendo a cláusula penal convencionada válida.

  3. A primeira referência com que o intérprete se depara na leitura do Decreto-Lei n.º 56/2010, é, no início do seu preâmbulo, a invocação de um estudo levado a cabo pela Autoridade da Concorrência (“AdC”), denominado de “Mobilidade dos Consumidores no Sector das Comunicações Electrónicas” (“Estudo”), e divulgado em Fevereiro de 2010.15 5. Nas palavras do legislador, e no que se refere às comunicações móveis, no Estudo são evidenciados dois tipos de custos que condicionam a mobilidade dos consumidores (possibilidade de os consumidores mudarem de operador/prestador de comunicações eletrónicas): os custos contratuais e os custos de compatibilidade.

  4. Atenta a relevância que o legislador expressamente confere ao Estudo impõe-se ao intérprete a sua leitura e análise, pelo menos nas partes destacadas no preâmbulo do diploma, a saber os custos contratuais, os custos de compatibilidade e as soluções propostas para reduzir tais custos, tudo de harmonia com a tarefa de exegese determinada pelo artigo 9.º do Código Civil, para se alcançar o (verdadeiro) sentido da lei.

  5. Os custos contratuais e de compatibilidade, que foram relevados e atendidos aquando da redação do Decreto-Lei n.º 56/2010, são categorias que integram o conceito de custos de mudança, sendo estes últimos aqueles em que o consumidor incorre “(…) sempre que este opte por aderir aos serviços de um operador ou prestador de serviços, num contexto de existência de uma relação contratual prévia com um outro fornecedor.” 8. Os custos contratuais resultam, nomeadamente, da existência de períodos de fidelização e de cláusulas associadas à cessação antecipada dos contratos, uma vez que, neste sector, é prática habitual – em benefício do próprio consumidor – a estipulação de uma obrigação de utilização do serviço contratado por um período de tempo mínimo e que tem como contrapartida a atribuição (ao consumidor), no momento de celebração do contrato ou durante a sua execução, de um conjunto alargado de ofertas, por exemplo, a atribuição de descontos na instalação do serviço ou no valor do tarifário subscrito, ou a entrega de equipamentos a um preço muito reduzido (e significativamente inferior ao preço normal de mercado).

  6. Os custos de compatibilidade estão relacionados com uma questão concreta e que se prende com a aquisição de equipamentos que estão bloqueados a uma determinada rede, ou seja, o consumidor apenas poderá usufruir dos serviços fornecidos por determinado prestador de comunicações.

  7. No âmbito das medidas e soluções direccionadas à redução dos custos contratuais, a AdC preconiza que os períodos de fidelização e as penalizações devem ser proporcionais e justificados, entendendo a proporcionalidade, neste contexto, como a adequação do benefício auferido pelo consumidor (e.g. aplicação de tarifários promocionais, entre outros) ao compromisso que assume (e.g. subscrição por um determinado período de tempo).

  8. A AdC não sugere, portanto, como medida de promoção da mobilidade, a eliminação ou a exclusão das cláusulas de fidelização – porquanto as contrapartidas das mesmas constituem um benefício evidente para os consumidores –, mas propõe, em linha com as orientações da Autoridade Nacional de Comunicações (“ANACOM”), e com as regras gerais do Direito (maxime o Código Civil), a adequação das cláusulas penais aos benefícios efectivamente concedidos aos consumidores no momento da celebração dos contratos de prestação de serviços, conciliando os interesses das duas partes na relação contratual.

  9. A medida preconizada pela AdC assegura a salvaguarda do consumidor, uma vez que a existência de períodos mínimos contratuais permite-lhe beneficiar de um conjunto alargado de ofertas que, se tal período não existisse, não lhe seriam atribuídas, reduzindo-se substancialmente, por esta via, o preço do serviço que contrata e, em última análise, aumentando a concorrência a competitividade entre os diversos operadores.

  10. No que se refere às medidas e soluções direccionadas à diminuição dos custos de compatibilidade – relacionados com a aquisição de equipamentos bloqueados –, a AdC faz referência a uma publicação do Office of Telecommunications em que são identificadas as vantagens e as desvantagens associadas a uma eventual proibição do bloqueamento de telemóveis, sublinhando que esta entidade “não conseguiu concluir se os benefícios advenientes da proibição do bloqueamento de telemóveis seriam superiores aos custos, optando por não intervir directamente, mas, ao invés, promover a atenção dos consumidores relativamente a este tipo de prática.”.

  11. Por esta razão, e com base nas desvantagens enunciadas pelo regulador britânico, a AdC salientou que, “A proibição desta prática é, neste sentido, uma medida extrema, tendo adicionalmente em conta que é possível adquirir estes equipamentos desbloqueados por um preço superior e que a penetração de outros serviços que não a voz (e.g. acesso à Internet móvel) pode ser incrementada por via da aquisição de equipamentos subsididados.

  12. E defende, como medidas de redução dos custos de compatibilidade, que: (i) após o término do período de fidelização não deverá ser cobrado qualquer valor pelo desbloqueamento do telemóvel; (ii) durante o período de fidelização o valor a cobrar pelo desbloqueamento deverá ter em consideração quer o preço da venda do equipamento sem qualquer tipo de subsidiação, quer o momento temporal em que o consumidor solicita o desbloqueamento.

  13. O legislador entendeu dar corpo às medidas direccionadas aos custos de compatibilidade propostas pela AdC e foi publicado o Decreto-Lei n.º 56/2010.

  14. O objetivo fundamental do legislador foi diminuir os custos de compatibilidade – ou seja, os custos associados ao desbloqueamento dos equipamentos –, na medida em que: (a) proíbe-se a cobrança de contrapartidas pelo desbloqueamento de equipamentos findo o período de fidelização; (b) estabelecem-se limites ao valor pelo desbloqueamento cobrado durante o período de fidelização; e (c) estabelecem-se limites ao valor cobrado pelo desbloqueamento do equipamento no caso de não estar previsto um período de fidelização.

  15. No artigo 2.º do diploma, e sob a epígrafe “Âmbito”, o legislador reproduz a solução que deixa enunciada no preâmbulo: (i) no n.º 1 estabelece-se a proibição de cobrança de qualquer contrapartida pelos serviços de desbloqueamento findo o período de fidelização; (ii) no n.º 2 são estabelecidos limites ao montante cobrado pelo desbloqueamento durante o período de fidelização, limites estes que têm em conta quer o valor do equipamento sem subsidiação, quer o valor (eventualmente) já pago pelo consumidor, quer a data em que o desbloqueamento é solicitado pelo consumidor; (iii) no n.º 3 estabelece-se que durante o período de fidelização, a contrapartida a cobrar pela cessação antecipada do contrato se restringe aos valores aí previstos; (iv) no nº 4 é estabelecido um limite à...

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