Acórdão nº 13721/14.1T8PRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 13 de Maio de 2015

Magistrado ResponsávelELSA PAIX
Data da Resolução13 de Maio de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 13721/14.1T8PRT.P1 Instância Local do Porto – Secção Criminal – J7 Acordam, em Conferência, as Juízas desta 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: I – RELATÓRIO No processo de impugnação judicial de decisão de autoridade administrativa nº 13721/14.1T8PRT, da Instância Local do Porto – Secção Criminal – J7, em que é arguida B…, Lda., com sede na Rua …, …, …, Vizela, foi proferida decisão, por despacho, em 08 de janeiro de 2015, com o seguinte dispositivo: Nego PROVIMENTO ao recurso interposto e, em consequência, CONFIRMO a decisão administrativa.

CUSTAS PELA ARGUIDA, corrigindo a taxa de justiça devida para 2 UC (cfr. arts. 92.º, n.ºs 1 e 2, 93.º, n.º 3, 94.º, n.º 3, do Regime Geral das Contraordenações e Coimas e art.º 8.º, n.º 7, do R.C.P. e Tabela III).

CUMPRA o disposto no n.º 4, do art.º 70.º do Regime Geral das Contraordenações e Coimas.

***Inconformada com tal decisão condenatória, a arguida recorreu para este Tribunal da Relação, terminando a motivação com as seguintes conclusões (transcrição): I - Sendo o infrator uma pessoa coletiva, o agente é sancionado com uma coima em que o valor mínimo aplicável (€ 3.500,00) é o equivalente ao montante máximo (€ 3.500,00) aplicável aos casos em que o infrator é uma pessoa singular.

II - Sendo certo que os bens jurídicos a proteger são exatamente os mesmos é patente, ostensiva, manifesta e até irracional, a fixação, para as pessoas coletivas, sejam elas de que estatuto económico forem, de uma coima 14 (catorze) vezes maior do que a prevista para as pessoas singulares.

III - Uma vez que, existe uma enorme diferença entre as molduras sancionatórias previstas para um e outro caso (pessoas singulares e pessoas coletivas).

IV - Não existindo qualquer zona ampla de sobreposição daquelas molduras legais - coima de € 250,00 a € 3.500,00, quando a infração é cometida por uma pessoa singular e coima de € 3.500,00 a € 30.000,00, quando a infração é cometida por uma pessoa coletiva.

V - o que leva a que exista um juízo de desproporcionalidade quando se considere o que coincide em ambas as situações.

VI - Transpondo para os presentes autos os critérios referidos no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 574/95 e nº 329/97, não há dúvidas absolutamente nenhumas que as molduras em confronto são manifestamente diversas e claramente excessivas, que descaracterizam em absoluto a valoração do comportamento contraordenacional.

VII - Como tal, deve o Douto Tribunal censurar a solução legislativa aqui em discussão por cominar sanção manifesta e claramente excessiva e consequentemente, recusar a aplicação da citada norma aos presentes autos por inconstitucional, uma vez que, violadora o princípio da proporcionalidade constante do n° 2 do artigo 18° da CRP.

SEM PRESCINDIR, VIII- A violação do dever de facultar imediata e gratuitamente ao utente o livro de reclamações é, desde logo, punível com uma coima, sendo que, o montante mínimo de tal coima é agravado, no caso de o utente decidir chamar a autoridade policial a fim de remover a recusa de apresentação do livro de reclamações ou de que essa autoridade tome nota da ocorrência.

IX - O que a interpretação normativa do nº 3 deste artigo acrescenta é, por um lado, a imposição do agravamento do limite mínimo da coima aplicável em função de um comportamento que imediatamente não é o do infrator, mas o do próprio utente ofendido.

X - O agravamento da coima pode, por isso, ocorrer sem que da parte do fornecedor de bens ou prestador de serviços exista um qualquer outro comportamento, para além da infração já sancionada.

XI - Porém, conforme foi recentemente decidido no acórdão nº 313/2013, proferido pelo Tribunal Constitucional, não se afigura, desde logo, idóneo que o agravamento da punição da violação do dever de facultar imediatamente o livro de reclamações seja colocado na exclusiva dependência da iniciativa de o utente ofendido chamar a polícia.

XII - O pressuposto de tal chamamento é a prática da infração.

XIII - Pelo que, quando muito, a presença da autoridade policial pode contribuir para a remoção da recusa inicial de apresentação do livro de reclamações.

XIV - E, se esta ocorrer, o que sucedeu, in casu, justifica-se a ponderação de tal circunstância, devendo o quadro punitivo demarcar claramente as situações em que, apesar de tardiamente, o direito do consumidor ainda pode ser exercido, daquelas em que, mesmo após a intervenção da autoridade policial, a recusa de apresentação do livro de reclamações é mantida.

XV - Sendo que, o agravamento do limite mínimo da coima aplicável, em razão apenas da "ocorrência" consubstanciada no chamamento da autoridade policial por parte do utente ofendido, não permite diferenciar satisfatoriamente as duas situações.

XVI- Por outro lado, o agravamento do limite mínimo da coima aplicável estatuído no artigo 9.°, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 156/2005, de 15 de setembro, não é, necessário para assegurar uma tutela mais eficaz do direito dos consumidores a formularem as suas reclamações no livro especialmente destinado para o efeito.

XVII - Na verdade, abrangendo a moldura punitiva para a violação do dever de facultar imediatamente o livro de reclamações prevista no artigo 9.°, n.º 1, alínea a), a totalidade do agravamento da coima aplicável para a mesma infração consignada no n.º 3 do mesmo artigo, nada impede o julgador de, caso a caso, e fazendo aplicação da moldura mais ampla, graduar diferentemente a coima a aplicar em razão de: (i) o direito de reclamação ter sido assegurado, mesmo sem a presença da autoridade policial (por exemplo, em virtude de o gerente ou responsável entretanto ter acedido a fazê-lo); (ii) o mesmo direito ter sido assegurado apenas na sequência do chamamento da autoridade policial; ou (iii) mesmo após ter sido solicitada tal intervenção, nem assim o fornecedor de bens ou prestador de serviços ter permitido ao utente o exercício do seu direito de reclamação.

XVIII - Como tal, o Tribunal Constitucional, julgou a norma extraída do artigo 9°, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 156/2005, de 15 de setembro, na interpretação segundo a qual é aplicável a coima aí prevista - cujo limite mínimo para as pessoas coletivas é de 15000 euros - nos casos em que, não sendo o livro de reclamações imediatamente facultado ao utente, este requer a presença da autoridade policial e tal recusa é removida, acabando o livro de reclamações por ser facultado ao utente, inconstitucional, por violar o principio de proporcionalidade consignado no artigo 18.°, n.º 2 da Constituição.

XIX - Pelo que, também por aqui, deve o Douto Tribunal censurar a solução legislativa supra referida por cominar sanção manifesta e claramente excessiva e consequentemente, recusar a aplicação da citada norma aos presentes autos por inconstitucional, uma vez que, o livro de reclamações foi imediatamente facultado ao utente quando este requereu a presença da autoridade policial.

SE ASSIM NÃO SE ENTENDER, XX - A resolução do conflito entre os direitos do consumidor e o direito à iniciativa privada (artigos 60° e 61° da CRP) deve partir do pressuposto de que nenhum deles pode ser objeto de perigo de inutilização prática.

XXI - Tal determina que as sanções estipuladas para a violação dos direitos do consumidor não possam ser de tal modo onerosas que ponham em perigo o direito ao exercício da atividade económica, a não ser em casos de extrema gravidade.

XXII- E, conforme resulta do art. 18° do RGCC, a medida da coima determina-se em função da gravidade da contraordenação praticada, da culpa, da situação do agente e do benefício económico que retirou da prática da contraordenação.

XXIII - In casu, quando a utente requereu a presença da autoridade policial, a Apelante facultou-lhe imediatamente o livro de reclamações por forma a que a mesma pudesse exercer o seu direito.

XXIV - Pelo que, não há dúvidas de que é nula ou escassa a culpa da arguida ou quanto muito, ao contrário do que refere o Tribunal a quo, é de reduzida gravidade.

XXV - A arguida declarou um prejuízo fiscal de € 90.304,32, o que revela que a sua situação económica é tudo menos saudável.

XXVI - O benefício económico que a arguida retirou da prática desta contraordenação foi nulo ou foi impossível determinar e não são conhecidos antecedentes contraordenacionais à arguida.

XXVII- O Tribunal a quo não apreciou todos estes requisitos quando aplicou a sanção.

XXVIII - E, que atenta a situação económica da Apelante e o valor da coima, vai colocar em perigo o direito ao exercício da atividade económica por parte desta e consequentemente, vai levar ao seu encerramento.

XXIX - Pelo que, ponderando tudo quanto acima se expões, deve o Douto Tribunal determinar a aplicação de uma mera admoestação em substituição de uma coima.

SE ASSIM TAMBÉM NÃO SE ENTENDER, XXX - Com base nos factos provados, o Tribunal a quo considerou que o Apelante agiu com a modalidade mais intensa do dolo, que se mostra direto.

XXXI - De facto, chegado o momento próprio, o julgador confronta-se com as perguntas sobre a existência ou não de dolo (ou de negligência, se for o caso) e de consciência da ilicitude, e para lhes responder não pode deixar de apreciar os factos em que a ação se traduziu e que lhe permitem, no seu todo, concluir pela afirmativa ou pela negativa.

XXXII - Aliás, como é sabido, nunca há produção de prova sobre esses dois aspetos, sendo através de operações dedutivas que se encontram as respostas.

XXXIII - A diferença de culpa - entre o dolo (em qualquer das suas modalidades) e a negligência (também em qualquer das suas possíveis formulações) - tem sempre que resultar dos factos e não abstraída deles, como categoria autónoma.

XXXIV - Os tipos legais são tipos totais e, aliás, nem contêm, tipificada, a previsão positiva da culpa - quem ... é punido com ... -, subordinando-se a um preceito de natureza genérica que dispõe que só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência – artº 13° do Código Penal; no caso, o art° 8°...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT