Acórdão nº 10/15.3T8ETR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 16 de Dezembro de 2015

Magistrado ResponsávelCARLOS GIL
Data da Resolução16 de Dezembro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

10/15.3T8ETR.P1 Sumário do acórdão proferido no processo nº 10/15.3T8ETR.P1 elaborado pelo seu relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil: A dedução da remuneração da concessionária de autoestrada por efeito de acidente causado por um utente da via e gerador de uma indisponibilidade temporária da via constitui um lucro cessante ressarcível em sede de responsabilidade civil.

*** * ***Acordam os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto: 1. Relatório Em 08 de janeiro de 2015, na Secção de Competência Genérica da Instância Local de Estarreja, da Comarca de Aveiro, B…, S.A.

instaurou ação declarativa sob forma de processo comum[1] contra a Companhia de Seguros C…, S.A.

pedindo a condenação desta ao pagamento da quantia total de € 11.678,87, acrescida dos juros calculados à taxa legal desde a citação até integral pagamento.

Para fundamentar a sua pretensão a autora alegou[2], em síntese, que no dia 17 de janeiro de 2012, pelas 11.29 horas, na A29, autoestrada de que é concessionária, ocorreu um sinistro em que foi interveniente o veículo pesado de mercadorias de matrícula ..-HF-.., que obrigou à utilização de um camião grua da autora para a recolocação da carga, com um custo de € 45,00 (quarenta e cinco euros) e provocou o corte do ramal de acesso, o que, por força do contrato de concessão celebrado com o Estado Português, foi origem de um prejuízo de € 11.678,87 (onze mil seiscentos e setenta e oito euros e oitenta e sete cents)[3]; mais implicou o dispêndio de € 12,00 (doze euros) com a obtenção da participação do acidente de viação e € 110,00 (cento e dez euros) em custos processuais; o sinistro foi provocado pelo condutor do veículo de matrícula ..-HF-.. que acondicionou a carga de forma incorreta; a responsabilidade da ré Companhia de Seguros C…, S.A. advém de a proprietária do veículo de matrícula ..-HF-.., D…, S.A., ter celebrado com a ré um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel para cobertura dos danos causados pela circulação do daquele veículo.

Citada, a ré contestou suscitando a existência de erro na indicação do valor da ação e impugnou a generalidade da factualidade alegada pela autora para firmar as suas pretensões, especialmente, a relativa à indisponibilidade da via e concluiu pedindo que a ação seja julgada em conformidade com a prova a produzir em audiência de julgamento.

Realizou-se audiência prévia, frustrando-se a tentativa de conciliação das partes, mantendo ambas as posições assumidas nos articulados; fixou-se o valor da causa, proferiu-se despacho saneador tabelar, fixou-se o objeto do litígio e indicaram-se os temas de prova, admitindo-se as provas oferecidas pelas partes e designando-se dia para a audiência final.

Realizou-se a audiência final em três sessões, tendo a autora logo na primeira sessão reduzido o pedido para o montante global de € 6.078,61 e oferecido prova documental.

Em 09 de Julho de 2015 foi proferida sentença[4] que terminou com o seguinte dispositivo: “Destarte, julgo a presente ação procedente, por provada, e, em consequência condeno a Ré Companhia de Seguros C…, S.A. a pagar à autora B…, S.A. a quantia de €:6.078,61 (seis mil e setenta e oito euros e sessenta e um cêntimos), aditada de juros, à taxa legal, desde a data de citação até integral e efetivo pagamento.

” Inconformada com a sentença, a ré interpôs recurso de apelação que findou com as seguintes conclusões: “A – De acordo com o vertido na douta sentença em crise, quanto às quantias referidas em “Dos danos” I) a III), é “meridianamente claro, serem devidas”, não ocorrendo o mesmo quanto ao montante de €5.911,61, supostamente devido a título de indisponibilidade de via.

B – Quanto a este montante, apenas são transcritos dois artigos e um acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, não havendo qualquer subsunção das normas e jurisprudência ao caso concreto.

C – Razão pela qual a sentença deve ser considerada nula, por falta de fundamentação, conforme o legalmente estatuído no artigo 615.º n.º 1 al. b) do Código de Processo Civil. Sem prejuízo, sempre se dirá ainda que: D - A A. recebe uma remuneração anual pela disponibilidade de via que não tem em consideração apenas uma subtracção individualizada a uma remuneração pré estabelecida, sendo ao invés calculada, nos termos da base LXV-A n.º 1 do Decreto-lei, E – A remuneração anual de pagamento por disponibilidade é efectuada tendo em consideração os riscos assumidos pela Recorrida e a evolução global dos índices de sinistralidade, F – A A. não fez prova de um real dano por si sofrido, pois não foram apuradas todas as variáveis matemáticas que contribuem para o real cálculo do rendimento por disponibilidade de via G – Como tal, impõe-se a alteração da decisão proferida quanto à matéria constante do ponto 9 dos factos provados, que deverá ser julgado não provado, pela ausência de prova dos factos integradores do pedido formulado.

H – Acresce ainda que a transferência para terceiros da dedução da remuneração anual pela disponibilidade de via, decorrente de um evento infortunístico como é o caso de um acidente de viação, mais não consiste do que uma transferência ilegítima para terceiros de um dos riscos próprios da actividade comercial da A., circunstância esta que excede manifestamente os limites impostos pela boa fé.

I – Como é bom de ver, a componente pecuniária denominada “disponibilidade de via”, prevista no negócio celebrado entre Estado e A. na qualidade de concessionária, ou a dedução da taxa indexada à indisponibilidade da via, não poderá configurar uma componente do dano patrimonial da concessionária, na vertente de lucros cessantes, porquanto integra um dos riscos próprios do negócio em que está envolvida, não sendo devida pela R Acresce que, J –Na verdade, não conhecemos as variáveis em que assentou o cálculo da tarifa diária de disponibilidade e, muito menos, os números utilizados em cada uma das variáveis e o impacto da mesma no cálculo da remuneração por disponibilidade de via.

K - Visto ter sido implementado um novo modelo de gestão e financiamento do sector das infra-estruturas rodoviárias que implicou necessariamente riscos acrescidos às concessionárias, foram e continuam a ser desenvolvidos processos negociais, por forma a promover a sua integração e a sua adaptação ao novo modelo de gestão e de financiamento.

L – A Recorrida assumiu assim integralmente o risco de disponibilidade das vias, bem como, no âmbito da operação dos sistemas de cobrança de portagens, o risco de disponibilidade e o risco de tráfego, acrescidos, desde já ou a prazo, do risco de cobrança das respectivas taxas, sendo certo que a Recorrida é remunerada em função dos riscos assumidos; M – Razão pela qual não pode ser assacada à Recorrente ou ao seu segurado qualquer montante por um risco assumido integralmente pela Recorrida, sob pena de tal consistir numa dupla remuneração sobre o mesmo facto; N - A retribuição de disponibilidade de via é calculada tendo em consideração o risco acrescido da sinistralidade, podendo tal retribuição ser maior ou menor perante a eficiência da Recorrida, sendo a condenação da Recorrente ao pagamento à Recorrida do montante peticionado pela indisponibilidade de via, a título de lucro cessante, uma subversão ao intuito da supra referida cláusula contratual, de promover a eficiência e produtividade do concessionário geral.

O – Destarte, a douta sentença violou, designadamente, as normas previstas nos artigos 342.º, 346.º e 334º do Código Civil e ainda o preceituado no artigo 414.º do Código de Processo Civil.

” A autora contra-alegou pugnando pela total improcedência do recurso.

Proferiu-se despacho a indeferir a nulidade da sentença arguida pela recorrente.

Com o acordo dos Excelentíssimos Juízes-adjuntos dispensaram-se os vistos e nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

  1. Questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pela recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, na redação aplicável a estes autos), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil[5] 2.1 Da nulidade da sentença recorrida por falta de fundamentação; 2.2 Da reapreciação do ponto 9º dos factos provados; 2.3 Da não ressarcibilidade da indisponibilidade da via por se integrar nos riscos próprios do negócio da autora.

  2. Fundamentos 3.1 Da nulidade da sentença recorrida por falta de fundamentação A recorrente arguiu a nulidade da sentença recorrida, no que respeita o dano da indisponibilidade da via, nos seguintes termos: – “De acordo com o vertido na douta sentença em crise, quanto às quantias referidas em “Dos danos” I) a III), é “meridianamente claro, serem devidas”, não ocorrendo o mesmo quanto ao montante de €5.911,61, supostamente devido a título de indisponibilidade de via.

    – Quanto a este montante, apenas são transcritos dois artigos e um acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, não havendo qualquer subsunção das normas e jurisprudência ao caso concreto.

    ” (conclusões A e B) A recorrida contra-alegou pugnando pela inverificação deste vício imputado à sentença sob censura.

    Cumpre apreciar e...

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