Acórdão nº 341/15.2T9AMT-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 09 de Dezembro de 2015

Magistrado ResponsávelNETO DE MOURA
Data da Resolução09 de Dezembro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 341/15.2T9AMT-A.P1 Recurso penal Relator: Neto de Moura Acordam, em conferência, na 1.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação do Porto I – Relatório No âmbito do processo comum, em fase de inquérito, que, sob o n.º 341/15.2 T9AMT, corre termos pelo Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Paredes, o Ministério Público, por despacho de 21.09.2015 (fls. 161-162 do processo principal, fls. 74-75 destes autos), determinou que “as investigações e os ulteriores termos dos presentes autos sejam tramitados sob o regime de segredo de justiça, durante a fase de Inquérito e pelo período de tempo máximo legalmente permitido” e, do mesmo passo, ordenou a remessa dos autos ao Sr. Juiz de instrução criminal “para validação, nos legais termos do disposto no artigo 86.º n.º 3 in fine do Código de Processo Penal”.

Porém, o Sr. Juiz de instrução, por despacho de 25.09.2015 (de que está uma reprodução a fls. 77-78 destes autos) decidiu não validar aquela decisão.

Contra este despacho se insurgiu o Ministério Público, dele interpondo recurso para esta Relação, com os fundamentos que explanou na respectiva motivação e que “condensou” nas seguintes “conclusões” (em transcrição integral): A) «O M.P. invocou factos concretos para determinar a aplicação aos presentes autos do segredo de justiça, nomeadamente: 1.

Investigam-se factos susceptíveis de consubstanciar a prática de um crime de insolvência dolosa p. e. p. pelo art. 227º nº 1 do C.P.P.

  1. É suspeito da prática de crime de insolvência dolosa B…; 3. Há indícios de que o mesmo tenha alienado bens do activo tangível da sociedade insolvente em data anterior à insolvência com intuito de prejudicar credores.

  2. Tais alienações foram efectuadas para as sociedades C… e D…; 5. O bom êxito da investigação do ilícito típico que se investiga e 6. A salvaguarda dos direitos fundamentais dos suspeitos e nomeadamente o bom nome do arguido e reputação dos suspeitos poderiam ficar comprometidos com a publicidade do processo, 7. O Despacho da P.G.D. do Porto nº 2/08 de 9-1-2008, mediante o qual o M.P., no início do inquérito, nomeadamente estando em causa o crime de insolvência dolosa, determina a aplicação aos autos do segredo de justiça.

Foi com base nestes fundamentos que o M.P. determinou a aplicação aos presentes autos do Segredo de Justiça, orientando tal decisão com base na sua estratégia e táctica de investigação à qual o Mmº Juiz de Instrução Criminal é completamente alheio.

  1. O art. 20º nº 3 da CRP, estabelece que “a lei define e assegura a adequada protecção do segredo de justiça”.

    O legislador constitucional ao inserir esta protecção no art. 20º da CRP pretendeu não só proteger no processo penal a honra do arguido, a eficácia da investigação, mas ainda tutelar a reserva da intimidade da vida privada e familiar. Ou seja o seu alcance é bastante amplo. (cf. Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Jorge Miranda e Rui Medeiros, pág. 204) C) A determinação do segredo de justiça nas fases preliminares do processo penal é plurissignificativa (Frederico de Lacerda da Costa Pinto “segredo de justiça e acesso ao processo” Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais”) na medida em que:

    1. Por um lado trata-se de um mecanismo destinado a garantir a efectividade social do princípio da presunção da inocência do arguido durante fases processuais que ainda estão cronologicamente distantes do julgamento, julgamento esse que pode inclusivamente, nem vir a ter lugar por força de um arquivamento do processo ou duma não pronúncia; b) Por outro é uma forma de garantir condições de eficiência da investigação e preservação de possíveis meios de prova, quer a prova obtida quer a eventual prova a obter… (mesma obra p. 71) Estão assim em causa interesses públicos- a eficácia da investigação e interesses privados – a protecção dos interesses particulares, nomeadamente a presunção de inocência do arguido que poderá até mesmo nem sequer chegar a ser constituído como arguido.

  2. O inquérito é da competência do M.P. a quem cabe exclusivamente (sublinhado nosso) a sua direcção.

    “Competindo a direcção do inquérito ao Ministério Público, não é curial que o Juiz possa intrometer-se na actividade de investigação e recolha de provas, salvo se se tratar de actos necessários à salvaguarda dos direitos fundamentais. A direcção do inquérito pertence ao Ministério Público e só a ele compete decidir quais os actos que entende dever levar a cabo para realizar as finalidades do inquérito. Ora se a lei confia ao Ministério Público a direcção da investigação, permitindo-lhe dispor quais os actos que entenda necessários à realização da finalidade do inquérito, não se compreenderia que depois submetesse a actividade desenvolvida a fiscalização judicial. O que fica sujeito a fiscalização judicial é a decisão do Ministério Público no termo do inquérito” (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal Tomo III, pág. 79).

  3. Cabe então questionar com que fundamento o Ex.mo Sr. Dr. Juiz de Instrução Criminal não validou a determinação do M.P. de aplicar aos autos o segredo de Justiça? Quais os direitos como “ juiz das liberdades” quis o Mmº Juiz proteger? Quis, por mera hipótese académica, o Mmº Juiz de Instrução Criminal, determinar a estratégia de investigação? Pretende o Ex.mo Sr. Dr. Juiz dirigir a investigação e desde logo traçar a sua táctica de investigação dando a conhecer ao(s) suspeito(s) que contra ele corre um inquérito pelo crime de insolvência dolosa? o qual poderá mesmo numa fase preliminar ser arquivado e nem sequer o suspeito ser constituído arguido? Ou ainda, pretende o Mmº Juiz de Instrução Criminal deitar por terra toda a estratégia de investigação minando desde o início um processo que, desta feita, estará destinado ao insucesso? F) O Mmº Juiz de Instrução Criminal fundamentou a sua decisão alicerçando-se em entendimentos pessoais “não se descortina facilmente- num caso eventual de insolvência dolosa- e à falta da invocação de facto, a necessidade dessa salvaguarda, por via do segredo de justiça (interno e externo)” desprezando por completo os argumentos do M.P. para determinar o afastamento da publicidade.

    E mais, baseou o Mmº Juiz de Instrução Criminal num argumento inverídico quando declarou “…quando o decurso do próprio processo de insolvência decorreu de forma pública e onde a própria qualificação da insolvência foi ou está a ser discutida! Tal não é verdade! Nos autos de insolvência ainda não corre o incidente de qualificação! (cf. Fls. 160).

    Decidiu assim, como dominus, do inquérito que o mesmo seguisse os seus termos publicamente, indiferente ao bom nome e reputação do suspeito bem como à estratégia e táctica de investigação.

  4. O nº 3 do art. 86º do C.P.P. criou um mecanismo em que o titular do inquérito decide.

    Não é o Ex.mo Sr. Juiz que decide.

    Tal decisão é da competência do Ministério Público, cabendo ao Ex.mo Sr. Dr. Juiz de instrução a sua validação ou não. A decisão é apenas do M.P.

    Ao não validar tal decisão, o Ex.mo Sr. Dr. Juiz desconsiderou a função constitucional do Ministério Público de exercício da Acção Penal imiscuindo-se em função alheia e ajuizando sobre a mesma sem fundamento legal.

    Note-se que a determinação ou não da aplicação aos autos do segredo de justiça ocorre, naturalmente, numa fase embrionária da investigação, pelo que, na maioria das vezes o M.P. decide com base no tipo legal de crime e dos inerentes constrangimentos que poderão surgir numa investigação pública, bem como nos inconvenientes que isso poderá eventualmente acarretar para o bom nome e reputação dos suspeitos. Corolário desta constatação é o Despacho 2/08 da Procuradoria Geral Distrital do Porto de 9-1, mediante a qual “O Ministério Público determinará, no início do inquérito (sublinhado nosso) a sujeição deste a segredo de justiça, sempre que esteja em causa nomeadamente o crime de insolvência dolosa.

  5. Os interesses que estão na base da determinação pelo M.P., no início do inquérito do segredo de justiça, não mais poderão ser recuperados, caso o mesmo seja declarado público. Depois de um inquérito se ter tornado público, o feito de tal publicidade torna-se irreversível, na medida em que, o(s) suspeito(s) já viu o seu nome envolvido na prática de um facto ilícito e a estratégia da investigação, designadamente de recolha de prova foi posta em crise.

    Ademais, pergunta-se que direitos o Ex.mo Sr. Dr. Juiz está a garantir se tal segredo de justiça pode, nos termos do disposto nos nºs 4 e 5 do art. 86º do C.P.P. ser levantado? Na verdade, está na disponibilidade do M.P., oficiosamente, levantar o segredo de justiça ou mesmo na disponibilidade do Mmº Juiz de Instrução, designadamente a requerimento do arguido.

    E mais, há várias possibilidades de se quebrar o segredo interno e manter o segredo externo, nomeadamente a requerimento do arguido, conforme dispõe o art. 89º do C.P.P.

  6. A autonomia do Ministério Público caracteriza-se pela sua vinculação a critérios de legalidade e objectividade (art. 2º nº 2 do E.M.P.), a ele lhe competindo exercer a acção penal orientada pelo princípio da legalidade.

    “No sistema orientado pela legalidade o procurador ao proferir a decisão sobre o exercício da acção penal deve conhecer os casos decidendos à luz de princípios metodológicos judiciários, daí que se diga que os Magistrados do Ministério Público individualmente considerados encontram-se investidos de forma autónoma de todos os poderes inerentes ao exercício da acção penal e aí reside a mais alta expressão dos valores de legalidade e imparcialidade coessenciais à sua função” in “Direcção do inquérito Penal e Garantia Judiciária”, Paulo Dá Mesquita, p. 322, Coimbra Editora.

    Conforme escreve a Ex.ma Desembargadora Drª Isabel Pais Martins, no seu voto de vencido no Ac. da Relação do Porto de 26-11-2008 disponível in itij.pt “a decisão do M.P. de sujeitar a segredo de justiça, ab initio, um inquérito numa avaliação dos interesses de investigação que são dados pela natureza do...

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