Acórdão nº 3299/14.1TAMTS.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 30 de Setembro de 2015
Data | 30 Setembro 2015 |
Órgão | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
PROCESSO Nº 3299/14.1TAMTS Nos presentes autos de recurso acordam, em conferência, os juízes que integram a 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto.
I – RELATÓRIO O Ministério Público acusou, para julgamento em Processo Comum, com intervenção do Tribunal Singular: B…, divorciado, operador gráfico, nascido em 14/06/1968, em …, filho de C… e de D…, titular do Bilhete de Identidade n.º ……. e residente na …, n.º .., em ….
Imputando-lhe a prática de um crime de violência doméstica, p. e p. nos termos do artigo 152.°, n.° 1, alínea b), do Código Penal.
… II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Factos Provados: … 1) O arguido e a ofendida E… mantiveram uma relação análoga aos dos cônjuges, com coabitação, entre Setembro de 2010 e Março de 2011, posto o que e até 3 de Julho de 2014 mantiveram uma relação de namoro “intermitente”.
2) O arguido começou a maltratar fisicamente e psicologicamente a ofendida, desde Março de 2011, tendo sido condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples na pessoa daquela, na pena de prisão de 10 meses, cuja execução ficou suspensa pelo período de um ano, com sujeição do arguido a regime de prova, tendo a sentença transitado em julgado em 29/11/2013.
3) Não obstante esta condenação, o arguido, no dia 16/06/2014, entre as 15h00 e as 16h00, dirigiu-se à residência da ofendida, na Rua …, n.º .., casa ., em …, Matosinhos, tocou à campainha da porta e como a ofendida não a abriu, o arguido nela adentrou pela janela da cozinha.
4) No interior da habitação, o arguido dirigiu-se à ofendida e apodou-a de “puta, filha da puta”.
5) Em resposta a ofendida ordenou-lhe que abandonasse aquele local e se não o fizesse chamaria a GNR, o arguido, insatisfeito com esta atitude da ofendida, disse-lhe: “já chamaste a Guarda, sua filha da puta? Eu posso ir preso, mas tu hoje morres, sua puta”.
6) De imediato, o arguido agarrou a ofendida pelos cabelos, arrastou-a até ao quarto de dormir, atirou-a para cima da cama e desferiu-lhe vários murros e pontapés por todo o corpo, apertou-lhe o pescoço com as duas mãos e tentou com ela manter relações sexuais.
7) O arguido só fugiu daquele local porque, entretanto, uma vizinha da ofendida, ao ouvir os gritos desta, apercebeu-se da presença do arguido naquele local e solicitou a presença da GNR que ali se deslocou.
8) Com tal conduta, o arguido causou a E… cefaleias generalizadas, cervicalgia e dorsalgia em relação com os movimentos e dor na face anterior do pescoço, necessitando de medicação analgésica para a deglutição, sendo que, quando examinada no IML em 17/06/2014 apresentava as seguintes lesões: Tórax: quatro escoriações lineares eritematosas com 5, 4, 4 e 2 cm de comprimento, dispersas na face anterior do tórax; Membro superior direito: duas equimoses arroxeadas com 0,5 cm de diâmetro cada uma, localizadas no terço médio da face externa do braço; duas equimoses localizadas no terço médio da face interna do braço, uma amarelada com 0,5 cm de diâmetro e outra arroxeada com 1 cm de diâmetro; duas escoriações lineares eritematosas localizadas no terço inferior da face interna do braço, uma com 4 cm e outra com 3 cm de comprimento; duas escoriações milimétricas na face dorsal do 3º dedo; Membro superior esquerdo: conjunto de cinco equimoses arroxeadas, uma linear com 4 cm de comprimento, outra com 3 por 0,5 cm, duas com 5 por 0,5 cm e outra com 3 por 0,5 cm de maiores dimensões, todas dispostas horizontalmente e paralelas entre si, localizadas no terço superior da face posterior do braço e face posterior do ombro; escoriação linear eritematosa com 5 cm de comprimento localizada inferiormente às equimoses atrás descritas; equimose arroxeada com 2 cm de diâmetro no dorso da mão e três escoriações milimétricas na face dorsal do 4º dedo; Membro inferior esquerdo: três escoriações lineares eritematosas, uma com 6 cm, outra com 4 cm e outra com 2 cm de comprimento, localizadas no terço superior da face ântero-externa da perna.
9) As lesões a que vem de aludir-se determinam, em condições normais, 8 dias para a cura sem afectação da capacidade de trabalho geral.
10) No dia 3 de Julho de 2014, o arguido ligou à ofendida e pediu-lhe para se encontrar com ela pois queria reatar a relação.
11) Para evitar mais uma cena em frente à sua casa, a ofendida aceitou encontrar-se com o arguido em local público, que ambos acordaram ser no “F…”.
12) Ali, o arguido convidou a ofendida a entrar no seu automóvel com a desculpa de que “ninguém precisava de ouvir a conversa”, ao que esta acedeu.
13) Logo que a ofendida entrou no veículo, o arguido pô-lo em marcha e rumou para o …, junto ao parque temático G…, atualmente desativado, onde o parou e, de imediato, pôs-se sobre a ofendida, pedindo-lhe perdão e para reatar a relação íntima que entre eles existiu.
14) Como a ofendida não acedeu a tal, o arguido apodou-a de “galdéria, vaca, puta, cabra, filha da puta” e disse-lhe que “se não aceitares reatar o namoro comigo, vou-te fazer a tua vida num inferno, se não és minha não és de mais ninguém, eu mato-te” e só se acalmou com a intervenção da GNR, que fora ao local em patrulhamento de rotina e se aproximou do carro do arguido, atraída pelos gritos da ofendida.
15) O ambiente causado pela atuação do arguido é de permanente terror, provocando na ofendida receio de novas ameaças e violências físicas e psíquicas; perturbação e ansiedade, agravadas pelo modo arbitrário do arguido decidir insultá-la, ameaçá-la e ofendê-la física e psiquicamente em qualquer local público e pela consequente imprevisibilidade do momento em que tais comportamentos surgiam, num quadro de violência permanente praticada pelo arguido na pessoa da ofendida.
16) Ao agir da forma descrita, o arguido fê-lo, sempre movido por sentimentos de menosprezo e egoísmo, deliberada, consciente e livremente, sendo sua intenção vexar, humilhar, perturbar o bem estar físico e psíquico da ofendida e de criar nesta a convicção de que, quando bem entendesse, a molestaria física e psicologicamente, o que sempre conseguiu, e de que atentaria contra a sua vida e integridade física, quando muito bem entendesse; bem sabendo que tal conduta é proibida e punida por lei.
Quanto às condições pessoais e antecedentes criminais do arguido provou-se ainda que: 17) O arguido cresceu no agregado familiar de origem, constituído pelos progenitores e por três irmãos mais velhos, em casa térrea arrendada situada na morada descrita nos autos.
18) O pai do arguido trabalhava como taxista e a mãe como empregada de limpeza num estabelecimento escolar próximo da residência do agregado, sendo a situação económica descrita como modesta.
19) Apesar do arguido ter uma relação de proximidade afectiva com a mãe, descreve uma dinâmica familiar pautada pela conflitualidade, descrevendo episódios de violência conjugal do pai sobre a mãe, comportamento que associa aos consumos alcoólicos excessivos do progenitor.
20) O arguido ingressou no sistema formal de ensino na idade regulamentar e concluiu o 6º, registando duas retenções no segundo ciclo do ensino básico.
21) Com 13 anos o arguido iniciou a sua trajetória profissional como gráfico, atividade que manteve de forma regular.
22) Com 18 anos o arguido iniciou a primeira relação afetiva de namoro que evoluiu para casamento quando o arguido tinha 24 anos de idade, tendo nascido no seio desse casamento uma descendente, atualmente com 18 anos de idade.
23) A dinâmica conjugal era instável, instabilidade que acabaria por levar à rutura conjugal em 2003 e que tinha origem nos consumos excessivos de bebidas alcoólicas por parte do arguido.
24) Desde o divórcio que o arguido se manteve afastado da filha, só muito recentemente tendo reatado o convívio, o que faz ocasionalmente.
25) Em 2010 iniciou relação afetiva com a ofendida que, apesar de terminado, o arguido ainda referencia como significativo em termos afetivos.
26) Durante o relacionamento com a ofendida, o arguido manteve os consumos excessivos de álcool.
27) À data dos factos, o arguido estava profissionalmente ativo, e trabalhava na empresa “H…, Lda.”, onde auferia o vencimento de € 580,00 mensais, dos quais entregava à progenitora, com quem vive, € 150,00 para ajudar nas despesas do agregado.
28) Para debelar a sua dependência do álcool, o arguido procurou apoio clínico, retomando acompanhamento junto da consulta de psiquiatria do Centro Hospitalar do Porto (Pólo do Porto) e mostrando-se disponível para continuar o tratamento.
29) Atualmente o arguido está desempregado, após processo de rescisão por mútuo acordo com a “H…, Lda.”, auferindo, a título de subsídio de desemprego, a quantia de € 439,00, da qual contribui com € 200,00 para as despesas mensais.
30) O arguido perspetiva iniciar em breve trabalho, como gráfico, numa empresa da Maia.
31) O arguido mantém a crença na possível reconciliação com a ofendida, razão pela qual vem tentando o contacto telefónico e pessoal com aquela.
32) Nos seus tempos livres, o arguido verbaliza interesse em assistir televisão.
33) No meio social em que se insere e apesar de não lhe serem conhecidas condutas transgressivas, o arguido é conhecido pelo seu temperamento nervoso e pelos seus consumos alcoólicos excessivos.
34) O arguido evidencia espírito crítico e de autocensura dos comportamentos que lhe são imputados, afirmando-se consciente de que os mesmos são exponenciados pelo consumo alcoólico excessivo.
35) A mãe do arguido mostra-se disponibilidade para o apoiar e motivar no que respeita à adesão terapêutica ao problema aditivo.
36) Já foi condenado: - Por sentença transitada em julgado em 12/06/2012, no âmbito do Processo n.º 269/10.2PBMAI, que correu termos no extinto 2.º Juízo de Competência Criminal da Maia, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, na pena...
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