Acórdão nº 105/13.8GBPRD.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 09 de Setembro de 2015

Magistrado ResponsávelNETO DE MOURA
Data da Resolução09 de Setembro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 105/13.8 GBPRD.P1 Recurso penal Relator: Neto de Moura Acordam, em conferência, na 1.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação do Porto I – Relatório No âmbito do processo comum que, sob o n.º 105/13.8 GBPRD, corre, agora, termos pela Secção Criminal (J1) da Instância Local de Paredes, Comarca de Porto Este), B…, devidamente identificado nos autos, foi submetido a julgamento, por tribunal singular, acusado que estava pelo Ministério Público da prática, em autoria material e em concurso real, de três crimes de ameaça agravada.

Realizada a audiência, com documentação da prova nela oralmente produzida, foi proferida sentença, datada de 09.03.2015 (fls. 192 e segs.) e depositada na mesma data, com o seguinte dispositivo: “Nestes termos e face ao exposto, decido:

  1. Absolver o arguido da prática de dois crimes de ameaça agravados, previsto e punível pelo artigo 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal.

  2. Condenar o arguido na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de €7,00 (sete euros), pela prática de um crime de ameaça agravada previsto e punível pelo artigo 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, alínea c) do Código Penal.

  3. Condenar o arguido nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC”.

    Inconformado, almejando a sua absolvição, o arguido interpôs recurso da sentença condenatória para este Tribunal da Relação, com os fundamentos explanados na respectiva motivação, que condensou nas seguintes “conclusões” (em transcrição integral): 1. “As desistências por parte da ofendida demonstram que esta não levou a sério as palavras do Arguido no calor da discussão de casal, continuando posteriormente a viver com este.

    1. O relacionamento entre o casal estava normal e do casal com o seu filho normal quando o tribunal avançou para a condenação não levando em conta o interesse superior da criança que os seus pais vivam em paz a condenação pode abrir uma nova guerra que pode afectar a vida do menor.

    2. Nas discussões entre casais no calor dos nervos são ditas palavras que nada querem dizer, pois passado algum tempo estão aos beijos e tudo bem, o que casal que não passou por esta situação que lance a primeira pedra”.

      *Admitido o recurso (despacho a fls. 211) e notificados os sujeitos processuais por ele afectados, veio o Ministério Público apresentar resposta à respectiva motivação, concluindo pela sua improcedência e consequente confirmação da sentença recorrida.

      *Ordenada a subida dos autos a esta Relação, e já nesta instância, na intervenção a que alude o art.º 416.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, além de acompanhar a resposta do Ministério Público na 1.ª instância, transcreve um trecho da fundamentação do acórdão da Relação de Guimarães de 09.05.2011, no qual é apreciada e decidida a questão da natureza (pública ou semi-pública) do crime de ameaça agravado.

      *Efectuado exame preliminar e colhidos os vistos, vieram os autos à conferência, cumprindo apreciar e decidir.

      II – Fundamentação São as conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões do pedido, que recortam o thema decidendum (cfr. artigos 412.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal e, entre outros, o acórdão do STJ de 27.05.2010, www.dgsi.pt/jstj)[1] e, portanto, delimitam o objecto do recurso, assim se fixando os limites do horizonte cognitivo do tribunal de recurso[2]. Naturalmente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

      Se bem entendemos a singela motivação do recurso, o recorrente limita-se a impugnar a decisão em matéria de direito, pois considera que, faltando, como falta, seriedade na ameaça, não estariam verificados todos os elementos constitutivos do crime que lhe foi imputado.

      Embora referindo “as desistências por parte da ofendida” (querendo aludir às desistências da queixa e do pedido de indemnização civil), o recorrente não suscita a questão da natureza (pública ou semi-pública) do crime de ameaça agravado por que foi condenado.

      No entanto, sendo uma questão de direito, e sabendo-se que uma desistência de queixa válida e relevante faz extinguir o procedimento criminal, por ilegitimidade superveniente do Ministério Publico para o seu exercício (artigos 116.º, n.º 2, do Código Penal e 48.º, 49.º, n.º 1, e 51.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal), dela podemos conhecer oficiosamente.

      São, pois, essas as questões a apreciar e decidir.

      *Delimitado o objecto do recurso, importa conhecer a factualidade em que assenta a condenação proferida.

      Factos Provados:

      1. No dia 29/01/2013, em hora e por motivos não concretamente determinados quando ambos se encontram na Rua …, em frente ao n.º 3, em …, Paredes, junto ao local de trabalho da ofendida, designado C…, o arguido lhe disse, em tom grave e sério, “…vou-te cortar a cabeça, vou-te cortar pescoço…”. Apesar de ter dito à ofendida “…vou-te cortar a cabeça, vou-te cortar pescoço…” o arguido quis transmitir-lhe a ideia, o que conseguiu, que tencionava praticar tais anunciados atos no futuro, e não naquele momento.

      2. Após tais factos, e decorrido tempo não concretamente determinado, mas nesse mesmo dia, o arguido telefonou para a mãe da ofendida e disse-lhe em tom grave e sério, referindo-se à ofendida, e para que ela lhe transmitisse tal anúncio “…um dia ela ainda há de aparecer morta num canto…”.

      3. Em todas as referidas ocasiões o arguido agiu deliberadamente, com intenção de assustar e atemorizar a ofendida, tendo-lhe anunciado a intenção de lhe cortar o pescoço e de a matar, para melhor assegurar o êxito dessas intenções.

      4. Atuou igualmente com o propósito conseguido de lhe tolher a liberdade, o sossego e capacidade de se autodeterminar, causando nela angústia, inquietação e medo.

      5. Agiu ainda livre e lucidamente, com a perfeita consciência de que as suas condutas eram proibidas e puníveis por lei.

      6. O arguido é gerente de um restaurante. Tem três empregados ao seu serviço. Tem um filho de quatro anos. A companheira é agente de seguros. Pagam de renda de casa €300,00.

      7. ...

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