Acórdão nº 8473/16.3T9PRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 26 de Abril de 2017
Magistrado Responsável | MANUEL SOARES |
Data da Resolução | 26 de Abril de 2017 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Processo nº 8473/16.3T9PRT Comarca do Porto 5ª Secção do Juízo de Instrução Criminal do Porto Acórdão deliberado em Conferência 1. Relatório 1.1 Decisão recorrida Por despacho proferido em 7 de Dezembro de 2016 o tribunal de instrução criminal rejeitou o requerimento de abertura de instrução, por nulidade da respectiva acusação, apresentado pela assistente B…, S.A. contra o arguido C…, por crime de burla previsto no artigo 217º nº 1 do Código Penal (CP).
1.2 Recurso A assistente recorreu pedindo a sua revogação e substituição por decisão que determine o prosseguimento do processo. Em suma, invocou os seguintes argumentos relevantes: (1) não houve, ao contrário do que se afirmou no despacho de arquivamento do Ministério Público, renúncia ao direito de queixa; (2) o requerimento de abertura de instrução obedece às exigências legais e contém todos os factos que integram os elementos objectivo e subjectivo do tipo legal do crime imputado; (3) se porventura houvesse nesse requerimento deficiente descrição dos factos relativos aos elementos subjectivos, a decisão de rejeição é contraditória com a possibilidade de em julgamento tal deficiência vir a ser suprida, que o tribunal recorrido admitiu como possível.
1.3 Respostas 1.3.1.
O Ministério Púbico respondeu defendendo que o recurso deve ser julgado improcedente. Começou por alegar as seguintes duas questões prejudiciais: (1) caducou o direito de queixa por apresentação fora do prazo e (2) houve renúncia ao direito de queixa; donde decorre que a instrução não é legalmente admissível e que a recorrente não deveria ter sido admitida como assistente. Para além disso, no que respeita à questão concretamente analisada e fundamento do despacho de rejeição ora recorrido, afirmou que o requerimento de abertura de instrução não contém a descrição dos elementos constitutivos do tipo de crime que a assistente pretende imputar ao arguido, tornando-a manifestamente infundada e por isso insusceptível de prosseguir para julgamento.
1.3.2.
O arguido também respondeu ao recurso invocando em resumo que houve renúncia ao direito de queixa, faltando à assistente legitimidade para exercer a acção penal.
1.4 Parecer do Ministério Público na Relação e resposta da recorrente Nesta Relação o Ministério Público acompanhou a argumentação da resposta do Ministério Público junto do tribunal recorrido, que deu por reproduzida, e pronunciou-se pela improcedência do recurso.
A assistente respondeu às duas questões prévias suscitadas na resposta do Ministério Público em primeira instância, que no referido parecer foi dada como reproduzida. Disse em síntese, quanto à primeira, que apesar dos factos terem ocorrido em AGO2015, só em 2JUN2016 teve conhecimento de que poderia ter sido vítima de um crime de burla, tendo apresentado a queixa dentro do prazo legal de 6 meses; quanto à segunda, reiterou o que já tinha afirmado no requerimento de abertura de instrução. No que respeita ao fundamento de rejeição da abertura de instrução, repetiu a parte fundamental das alegações de recurso.
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Questões a decidir no recurso Há duas questões sobre os limites dos poderes de cognição do tribunal de recurso que temos de começar por resolver.
A primeira tem a ver com a alegação feita pelo Ministério Público de que a queixosa foi admitida como assistente sem que cumprisse os respectivos requisitos legais. A ser verdade o que afirma o Ministério Público, terá ocorrido uma irregularidade processual, subsumível à disciplina do artigo 123º do CPP. Tinha pois de ser arguida perante o tribunal recorrido no prazo ali previsto. E não o tendo sido, a questão mostra-se sanada, pelo que não temos de a decidir.
A segunda tem a ver com o conhecimento de questões que o tribunal recorrido não apreciou por as ter considerado prejudicadas pela solução que acolheu.
O Ministério Público tinha arquivado o inquérito por falta de legitimidade da queixosa – ora assistente – por considerar que tinha havido renúncia ao direito de queixa. No requerimento de abertura de instrução a assistente alegou que não ocorreu tal renúncia e no pressuposto de que o processo haveria de prosseguir deduziu acusação contra o arguido. O tribunal de instrução criminal não se pronunciou sobre essa questão da legitimidade processual por eventual renúncia ao direito de queixa, que é um pressuposto processual formal condicionante do demais. O que fez foi apreciar outra questão, que considerou prévia, da admissibilidade legal da instrução, acabando por declarar a nulidade da acusação por falta dos factos integradores do elemento subjectivo do crime de burla.
Na motivação do recurso, a assistente impugnou a decisão do tribunal de instrução criminal de rejeitar a acusação por falta de requisitos legais, mas também se pronunciou sobre a outra que ficou prejudicada e que tinha motivado o arquivamento do inquérito e o requerimento de abertura de instrução – a da renúncia ao direito de queixa. Na resposta o Ministério Público, para além de abordar a matéria directamente tratada no despacho recorrido, voltou a pronunciar-se sobre a renúncia ao direito de queixa (já objecto do despacho de arquivamento) e suscitou ex novo também a questão da caducidade do direito de queixa.
Na medida em que no seu parecer a Sra. Procuradora-Geral Adjunta nesta Relação deu por reproduzida a resposta do Ministério Público em primeira instância, em que tais matérias tinham sido suscitadas, com a notificação do artigo 417º nº 2 do CPP tanto o arguido como a assistente tiveram oportunidade de se pronunciar sobre as questões prévias atinentes à legitimidade, da renúncia e caducidade do direito de queixa. A assistente fez uso desse direito mas o arguido não apresentou resposta.
A questão que se coloca agora é a de saber se tais matérias, que não foram objecto de decisão do tribunal de instrução criminal por terem ficado prejudicadas, devem ser agora também conhecidas pelo tribunal de recurso. A nossa resposta é afirmativa.
Por um lado, o artigo 410º nº 1 do CPP, ao permitir que no recurso se suscitem questões de que a decisão recorrida pudesse ter conhecido e não conheceu, mostra-nos que não há um obstáculo de princípio a que o tribunal de recurso se substitua ao tribunal recorrido e aprecie matérias que não foram objecto de decisão expressa em primeira instância. Por outro lado, não há norma que subtraia expressamente dos poderes de cognição do tribunal de recurso o conhecimento das questões que o tribunal recorrido não apreciou por terem ficado prejudicadas, mas que foram objecto de recurso e debatidas nas respectivas motivações. É pois lícito recorrer à aplicação subsidiária das regras previstas para o recurso em processo civil, prevista no artigo 4º do CPP.
No artigo 665º nº 2 do CPC, sob a epígrafe “regra da substituição ao tribunal recorrido” prevê-se que “se o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação [leia-se o recurso] procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos...
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