Acórdão nº 461/13.8TBPVZ.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 18 de Abril de 2017

Magistrado ResponsávelJORGE SEABRA
Data da Resolução18 de Abril de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 461/13.8TBPVZ-P1 - Apelação Origem: Póvoa do Varzim – Instância Central – 2ª Secção Cível – J1.

Relator: Jorge Seabra 1º Adjunto Des.

Sousa Lameira.

  1. Adjunto Des.

Oliveira Abreu* *Sumário: I. As indemnizações consequentes ao acidente de viação e ao sinistro laboral – assentes em critérios distintos e cada uma delas com a sua funcionalidade própria – não são cumuláveis, mas antes complementares até ao ressarcimento total do prejuízo causado, pelo que não deverá tal concurso de responsabilidades conduzir a que o lesado/sinistrado possa acumular no seu património um duplo ressarcimento pelo mesmo dano concreto.

  1. A responsabilidade primacial e definitiva pelo ressarcimento dos danos decorrentes de acidente de viação que igualmente se perspectiva como acidente de trabalho é a que incide sobre o responsável civil, quer com fundamento na culpa, quer com base no risco, podendo sempre a entidade patronal ou respectiva seguradora repercutir aquilo que, a título de responsável objectivo pelo acidente laboral, tenha pago ao sinistrado.

  2. O interesse protegido através da consagração da regra da proibição de duplicação ou acumulação material de indemnizações é, não o do lesante, responsável primacial pelos danos causados, mas o da entidade patronal (ou respectiva seguradora) que, em termos de responsabilidade meramente objectiva, garantem ao sinistrado o recebimento das prestações que lhe são reconhecidas pela legislação laboral – pelo que não assiste ao lesante o direito de, no seu próprio interesse, se desvincular unilateralmente de uma parcela da indemnização decorrente do facto ilícito com o argumento de que um outro responsável já assegurou ou irá assegurar, em termos transitórios, o ressarcimento de alguns dos danos causados ao lesado.

  3. Se existir - e na medida em que existir – duplicação ou acumulação material de indemnizações apenas incumbe à entidade patronal ou à sua seguradora a dedução perante o lesado, e em acção autónoma, do pedido de reembolso de tais indemnizações.

  4. A compensação dos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade mereçam a tutela do direito, não pode – por definição – ser feita através da fórmula da diferença, prevista no art. 566º, n.º 2 do Código Civil.

  5. Assim, o aludido montante compensatório, nos termos do art. 496º, n.º 3 do Cód. Civil, deverá ser fixado equitativamente pelo tribunal, ponderando o grau de culpa do lesante, a situação económica do lesado e do lesante e as demais circunstâncias concretas que se mostrem relevantes ao caso, nomeadamente, por assim o imporem os aludidos princípios da igualdade e da proporcionalidade, os critérios e valores usuais na jurisprudência em casos similares.

  6. Possuindo o lesado 51 anos de idade à data do acidente, tendo sido submetido a uma cirurgia, a internamentos e tratamentos vários que perduraram por quase três anos e de que carecerá para o resto da sua vida, ficando o mesmo a sofrer, em termos irreversíveis, de tetraparésia com compromisso motor e sensitivo (incapaz de andar, de se vestir, de se alimentar, de cuidar da sua própria higiene, de mudar sequer a posição do seu corpo), na estrita dependência de uma terceira pessoa para qualquer acto da sua vida diária e até ao fim da vida, tendo de usar fraldas de dia e de noite até ao fim da vida, tendo sofrido um quantum doloris de 6 (em 7), um prejuízo estético de 6 (em 7), um prejuízo de relacionamento sexual total (7 em 7), passando a sentir-se um inútil e um fardo para os familiares e os amigos, chorando com frequência, sentindo-se angustiado e triste e pondo em causa a sua própria existência e a vontade de viver, é de considerar como equitativa a indemnização de €200.000,00 (duzentos mil euros), a título de danos não patrimoniais.

    * * Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto: I - RELATÓRIO1.

    B…, casado, residente na Rua …, n.º …, …, Póvoa de Varzim, instaurou acção declarativa de condenação contra a C… (substituída por meio de habilitação decretada a 2.03.2015 por Companhia de Seguros D…, S.A.

    - apenso A), com sede na Avenida …, n.º …, Lisboa e E…, residente em …, .., ….., …, A Coruña, pedindo que:

    1. Os réus sejam condenados a pagar ao autor a quantia de €.444.000,00 pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos até à data e já liquidada.

    2. Os réus sejam ainda condenados a pagar as quantias que se liquidarão em execução de sentença relativamente ao pagamento do auxílio de terceiras pessoas, as despesas de deslocações às instituições hospitalares, clínicas e outros locais para tratamentos, as despesas médicas com assistência, cuidados de enfermagem e medicamentosas e as despesas com as deslocações e alimentação dos familiares.

    3. Tudo acrescido de juros de mora à taxa legal a contar da citação.

    Para tanto, e em síntese, o autor alegou ter sido vítima de acidente de viação ocorrido no dia 2.06.2010 (embate entre o motociclo por si tripulado e o veículo ligeiro de passageiros conduzido pelo ré E…), acidente este causado por culpa exclusiva deste último, segurado ré, tendo-lhe sobrevindo os vários danos patrimoniais e não patrimoniais que melhor descreve nos autos.

    *2.

    Regularmente citados, os réus vieram contestar a acção, impugnando parcialmente os danos invocados e, ainda, arguindo a ilegitimidade passiva do réu E…, uma vez que o pedido formulado se contém dentro dos limites do capital mínimo obrigatório do seguro obrigatório, ao que acresce que o contrato de seguro celebrado pelo 2.º réu, quanto à responsabilidade civil perante terceiros, é de montante ilimitado.

    Por outro lado, ainda, sustentaram que o acidente em causa foi simultaneamente acidente de viação e de trabalho e a responsabilidade civil por acidentes de trabalho do autor encontrava-se transferida para a Companhia de Seguros F…, S.A.

    , sendo que esta seguradora pagou indemnizações ao autor, que não se podem cumular com a indemnização peticionada nestes autos.

    Foi deduzido, ainda, incidente de intervenção provocada de Companhia de Seguros F…, S.A., que eventualmente terá direito de regresso sobre a 1.ª ré, nos termos do art. 17.º, n.º 4 da Lei n.º 98/2009.

    Os réus terminam pedindo pela absolvição da instância do 2.º réu, por ilegitimidade e no mais, que a acção seja julgada em função do que se provar.

    *3.

    O autor, notificado da contestação e incidente de intervenção deduzido, veio apresentar réplica (fls. 47 a 49), impugnando a factualidade alegada pelos réus contestantes e onde defendeu a legitimidade passiva do 2º réu E….

    *4.

    Foi dado cumprimento ao disposto nos arts. 1.º, n.º 2 e 3.º do Decreto-Lei n.º 59/89, de 22 de Fevereiro, com a citação da Segurança Social.

    *5.

    Nessa sequência, veio o Instituto de Segurança Social – Centro Distrital do Porto deduzir pedido de reembolso contra a ré C… da quantia de €.11.298,55, que pagou ao autor a título de subsídio de doença no período entre 03.06.2010 e 02.06.2013, acrescida essa quantia de juros de mora desde a citação e até integral pagamento.

    *6.

    A 1ª ré respondeu a este pedido de reembolso, defendendo que é do seu conhecimento que a F… pagou ao autor todas as despesas médicas e outras, bem como o subsídio mensal referente ao período de ITA no valor de €.7.499,76, pelo que impugna os valores alegadamente pagos pelo ISS ao autor a título de subsídio de doença. Acresce que a certidão junta padece de um lapso quanto ao valor, havendo uma divergência entre o valor numérico e o valor por extenso. Os pagamentos alegadamente realizados pelo ISS não deveriam ter sido pagos por manifesta falta de fundamento legal.

    Termina solicitando que o pedido de reembolso seja julgado improcedente, por não provado, e os réus absolvidos.

    *7.

    Foi admitida a intervenção da Companhia de Seguros F…, S.A., a qual, citada para contestar a acção, veio apresentar o articulado de fls. 81 a 85 dos autos.

    Alegou a interveniente que o autor sofreu um acidente de trabalho, sendo que a sua entidade patronal tinha transferido para a interveniente F… a responsabilidade civil por acidentes de trabalho. Em consequência de tal acidente a mesma tem vindo a liquidar ao autor todas as despesas resultantes da assistência médica, farmacêutica, cirúrgica, hospitalar e de ajudas técnicas de que o autor necessita, bem como todos os períodos de incapacidade temporária sofridos e respectiva pensão, o que até ao momento representa €.239.653,29 de despesas suportadas.

    A interveniente continuará a liquidar as pensões que forem atribuídas ao autor, bem como a suportar as despesas com os encargos vitalícios, assistência de terceira pessoa, despesas médicas e medicamentosas, e assistência vitalícia permanente, tendo cativado as respectivas provisões matemáticas no valor de €.241.160,23.

    Concluiu pedindo que a ré seja condenada ao reembolso da quantia de €.239.653,29 a título de despesas já suportadas com o sinistro e €.241.160,23 a título de provisão matemática constituída e ainda em todas as prestações vincendas que vierem a ser liquidadas em consequência do acidente.

    *8.

    A ré C… veio responder ao articulado da interveniente, impugnando a factualidade alegada pela mesma, arguindo da falta de fundamentação e prova dos pagamentos alegadamente efectuados, assim como da duplicação de alguns valores, sustentando que o pedido de liquidação é manifestamente infundado.

    Termina pedindo que o reembolso deduzido pela interveniente seja julgado em função do que se provar.

    *9.

    Realizou-se audiência prévia, com fixação do valor da causa, elaboração de despacho saneador (sendo o réu E… julgado parte ilegítima e absolvido da instância), fixação do objecto do litígio e definição dos temas de prova.

    *10.

    A fls. 717 a 719, o Fundo de Acidentes de Trabalho veio requerer a sua intervenção principal nos autos e deduzir pedido de reembolso contra a ré no valor de €.52.884,41, que alega ter pago ao autor a título de pensões, capital de remição parcial, subsídio de elevada incapacidade permanente e prestação suplementar para assistência de terceira pessoa, acrescida da provisão matemática referente à...

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