Acórdão nº 351/15.0GAFLG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 12 de Julho de 2017

Magistrado ResponsávelJORGE LANGWEG
Data da Resolução12 de Julho de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 351/15.0GAFLG.P1 Data do acórdão:12 de Julho de 2017 Relator: Jorge M. Langweg Adjunta: Maria Dolores da Silva e Sousa Origem: Comarca do Porto Este Juízo Criminal Local de Felgueiras Sumário: 1. Não é exigível qualquer comunicação de alteração não substancial de factos descritos na acusação que se compreendam, somente, numa lógica de absolvição de arguidos, por tal informação consubstanciar um ato processual que se destina a assegurar os direitos de defesa dos arguidos e não "os interesses da acusação".

2. Não constitui consequência jurídica necessária da presunção de inocência que a versão declarada pelos arguidos corresponda inteiramente à verdade mas, apenas e tão-só, que a versão da acusação seja considerada não provada, a não ser que haja prova(s) produzida(s) em julgamento que a demonstrem de forma segura.

Acordam, em conferência, os juízes acima identificados do Tribunal da Relação do Porto Nos presentes autos em que figura como recorrente o Ministério Público; I - RELATÓRIO1. No dia 26 de Janeiro de 2017 foi proferida a sentença recorrida no âmbito dos presentes autos, que terminou com a absolvição dos arguidos nos seguintes termos: "Atento tudo o exposto e devidamente ponderado decide-se: 1) ABSOLVER ambos os arguidos B... e C...

da prática, como autores materiais, e cada um deles, de um crime de falsas declarações, p. e p. pelo art. 348°-A, n°1 do Código Penal.

2) ABSOLVER o arguido C..., da prática como autor material, e na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 292° e 69° do Código Penal.

(...)" 2. Inconformado com a decisão absolutória, o Ministério Público interpôs recurso da mesma, concluindo a respetiva motivação nos seguintes termos: "Nem na acusação, nem nas contestações, são alegados factos que correspondam àquele dado como provado sob o n.° 8, que não foi aditado pelo Tribunal a quo nos moldes permitidos pelos arts. 358.° e 359.° do Código de Proc. Penal, pelo que se trata de aditamento verdadeiramente surpreendente, e nos determina a invocar para todos os efeitos a nulidade da sentença recorrida por condenação de factos diversos, nos termos do disposto pelo art. 379.°, n." 1, aL b) do mesmo Código.

Sem embargo, o Ministério Público entende que a decisão recorrida enferma de erro notório na apreciação da prova, nos termos do disposto pelo art 410.", n." 2, al. c) do Código de Proc. Penal, vício que se verifica quando o próprio texto da decisão evidencia a um cidadão medianamente experiente, de média formação e características, que ocorreu uma flagrante, de fácil demonstração, violação da lógica, das regras da experiência e da normalidade.

Descendo ao caso da decisão recorrida concreta, o Tribunal, na motivação, contrapondo a versão das testemunhas de defesa com as de acusação, mormente os dois militares da G.N.R. D... e E..., afirmou que o seu depoimento "não foi muito ou nada coincidente com o teor da restante da prova efectuada em sede de julgamento, e dos restantes elementos constantes dos autos.", deixando firmar a aparência para quem ler o texto - e o que não se aceita, e com certeza não seria essa a intenção, mas assim ficou plasmada - que se tratou de uma decisão aritmética, de adesão à tese da maioria.

Ademais, depois de trilhar um caminho argumentativo em que deixa abundantemente exposta a dúvida - ainda que não possamos secundar o Tribunal, como se verá, porque a dúvida só existe porque os factos foram incorrectamente julgados -, afirmando até "em jeito de conclusão" que ficaram dúvidas quanto aos crimes imputados aos arguidos vem a dar provada a matéria de facto sob os n.°s 1 a 8, a qual não permite concluir pela existência de dúvida alguma (pois que a condução é sim atribuída a outro arguido, firmando assim uma versão dos factos) sem que tivesse explicado então porque é que deu como provados tais factos (e visto que na fundamentação o Tribunal nunca ultrapassou a dúvida originária).

Mais foi imprecisa, e indutora de confusão ao leitor, e ilustrativa do vício alegado, a seguinte conclusão da decisão recorrida: "pese embora o afirmado pelos Srs. Agentes de Autoridade, quer em sede de julgamento, quer em sede de auto de noticia, o que é certo é que, o depoimento dos mesmos, não foi muito ou nada coincidente com o teor da restante da prova efectuada em sede de julgamento, e dos restantes elementos constantes dos autos. "Com efeito (...) os GNR 's não foram também eles totalmente credíveis quanto às pessoas que estavam no local, o que é normal, dado que, é normal e após um acidente, se junte um aglomerado de pessoas, e dentre essas nem sempre é possível ver quem é que está ou não está ou eventualmente chega depois".

Parecendo considerar o Tribunal que, para contrariar a testemunha D... (nada coincidente, afirma o Tribunal, com a restante prova testemunhal...), seria suficiente citar as demais testemunhas que, aparentemente, contra a versão deste, referiram a existência no local do arguido B..., mas a verdade é que concluiu depois sobre a testemunha D...: "Mais afirmou ser sua convicção de que o arguido B... lá teria chegado uns minutos depois e que lhes teria começado a dizer que era ele o condutor da viatura A conclusão do Tribuna] neste tocante é assim imprecisa, e induz em confusão o leitor, pois que a questão não é que mais testemunhas tivessem visto o arguido B... no local (também o D... o viu!); com todo o respeito, a questão é saber se ele lá estava quando o acidente se deu, nos momentos imediatamente seguintes, quando está a ser atendido pelos Bombeiros, e se foi ou não o condutor da viatura.

Depois, ainda, sobre o vidro da viatura acidentada, alongou-se o Tribunal a quo numa explanação que faz uso de mera especulação, nada convincente em especial após ter vertido por escrito a existência de dúvidas, para concluir: "talvez devido à violência do embate que fez com que o capot do carro encarquilhasse e atingisse o vidro; o que de certa forma é corroborado pelas fotos que depois foram juntas aos autos a fls. 177 e 192 a 195 e relativas à viatura acidentada, onde tal é mais visivel.

Finalmente, o erro notório na apreciação da prova reside ainda na completa desconsideração na motivação dos antecedentes criminais do arguido C... (facto sob o n.° 10, al. e), e que se resumem, para além do mais, a 2 crimes de condução sem habilitação legal, 1 deles concomitante com um crime de ofensa negligente (em acidente de viação), e 4 crimes de condução sob o efeito do álcool, condenado aquele em prisão suspensa, e a última condenação transitada em julgado a 03/11/2014, condenando-o em 5 meses de prisão por dias livres, que terá cumprido no final daquele ano, e no início de 2015 (os factos aqui em causa são de 04/04/2015!).

Ora, para incluir aquele trecho na motivação, teria certamente o Tribunal a quo em mente alguma anotação nuclear a fazer, demonstrativa do seu raciocínio, não tendo no entanto fornecido qualquer explicação para a irrelevância de tais antecedentes, o que espanta quem leia este segmento do recurso, pois que se conclui que assim sendo o Tribunal bebeu de inequívoca desatenção às regras da experiência e da normalidade.

Os arguidos são irmãos, o arguido B... sendo o mais velho, tendo resultado notório que imperam laços de solidariedade entre ambos, de resto normais entre irmãos, podendo antecipar-se que os antecedentes criminais do arguido C... consubstanciarão um motivo de intensa preocupação para a família e, in extremis, da tomada da decisão por parte do arguido B... em falsear a verdade dos factos que nos conduziu ao libelo acusatório, pelo que não convence a completa irrelevância dos antecedentes como o julgou o Tribunal...

Caso assim se não entenda, e em todo o caso porque o Ministério Público considera que mesmo em caso de deferimento do alegado vício pode a causa ser julgada na segunda instância, sem reenvio do processo, conforme o possibilita o art. 426.°, n.° 1 do Código de Proc. Penal, o Ministério Público recorre da sentença absolutória, impugnando a matéria de facto, por entender que a prova produzida, pelo contrário, obriga à condenação dos arguidos.

Entendemos que andou mal o Tribunal a quo, ao arrepio das mais flagrantes considerações lógicas, das regras da experiência e da normalidade, e de um modo assaz viciado (como se tentou demonstrar, com desatenção às regras da experiência e da normalidade), desistindo de alcançar a verdade material, resguardando-se num pouco convincente "in dúbio pro reo".

Os factos não provados sob os n.'s 1) a 7) foram incorrectamente julgados como não provados, como melhor será explanado, devendo antes ter sido julgados como provados, o facto provado sob o n.° 8), em conformidade, não podia conter o trecho "seguia na viatura ali melhor identificada, mas no lugar do passageiro os factos provados sob os n."s 1) a 3), não podiam ter sido provados como o foram, e devem ser alterados para reflectir a inversão supra mencionada, não podendo ser fixados como provados nesse sentido.

Sem prejuízo do já alegado, tal é imposto pela prova documental junta aos autos, designadamente o auto de notícia com o NUIPC 351/15. OGAFLG, junto a fls. 3-6, sendo autuante o GUARDA PRINCIPAL D..., acompanhado do GUARDA PRINCIPAL E..., auto esse redigido no dia 18/04/2015, pelas 14h26m, ficando vertido a versão que os dois militares vieram a reproduzir em audiência de julgamento, de um modo consistente, e impressivo, logo demonstrando como foi percebido o logro entretanto montado pelos arguidos para proteger o arguido C... de prováveis penosas consequências penais.  Do mesmo modo, na participação do acidente de viação com o NPAV 0189/2015, elaborada a 16/04/2015, pelas llh04m, antes do auto de notícia supra indicado, portanto, junta a fls. 7-9, na reportagem fotográfica a fls. 11, tirada no dia da ocorrência, a qual permite verificar uma fragmentação mais evidente do lado do condutor, mas que é totalmente contraditória com aquela junta a requerimento...

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