Acórdão nº 5726/14.9TDPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 14 de Junho de 2017

Magistrado ResponsávelEDUARDA LOBO
Data da Resolução14 de Junho de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 5726/14.9TDPRT.P1 1ª secção Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal da Relação do PortoI – RELATÓRIONo termo do inquérito que, com o nº 5726/14.9TDPRT, correu termos na 5ª Secção do DIAP do Porto, Comarca do Porto, o Ministério Público determinou o arquivamento dos autos nos termos do artº 277º nº 2 do C.P.P.

Notificada da decisão, a denunciante B… requereu a sua constituição como assistente e, simultaneamente a abertura de instrução, pugnando pela pronúncia da arguida C… pela prática de um crime de abuso de confiança p. e p. no artº 205º nºs 1 e 4 al. a) do Cód. Penal e de um crime de burla qualificada p. e p. nos artºs. 217º nº 1 e 218º nº 1, com referência ao artº 202º al. a) do mesmo diploma.

Declarada aberta a instrução e efectuadas as diligências requeridas, a Srª. Juíza de Instrução Criminal proferiu decisão instrutória de não pronúncia, por entender “não estarem demonstrados os requisitos típicos, objetivos e subjetivos dos crimes referidos no requerimento de instrução”.

Inconformada com a decisão instrutória, dela interpôs recurso a assistente, pedindo que seja revogada tal decisão e substituída por outra que pronuncie a arguida pela prática do crime de abuso de confiança qualificado, formulando as seguintes conclusões: 1. A recorrente está em total desacordo com a douta decisão instrutória.

  1. Nos termos do artigo 308º nº 2 do CPP, é aplicável ao despacho (de pronúncia ou não pronúncia) o referido no nº 1 desta norma e ainda o constante dos nºs. 2 a 4 do artigo 283º do mesmo diploma.

  2. Determinam as disposições supra que o julgador está vinculado à obrigatoriedade de narração dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança, ainda que de forma sintética.

  3. Para que um Tribunal Superior possa aferir da bondade da decisão recorrida, valorando os indícios como suficientes ou insuficientes para pronunciar ou não um arguido, é necessário que saiba quais são os indícios dados como assentes pelo Tribunal a quo, confrontando-os com toda a prova carreada aos autos de Instrução.

  4. Na decisão recorrida, apenas constam referências à prova realizada em sede de inquérito.

  5. Os factos narrados no despacho de não pronúncia são claramente insuficientes para ajuizar da eventual pronúncia ou não pronúncia da arguida.

  6. A ausência de descrição dos factos indiciados ou não indiciados determina, nos termos dos artºs. 308º nº 2, conjugado com o artº 283º nº 3 b) do CPP, a nulidade do despacho de não pronúncia de que ora se recorre, devendo este vício ser apreciado pelo Tribunal da Relação.

  7. Sem prejuízo, na decisão recorrida não foi feita uma apreciação criteriosa dos elementos de prova constantes do inquérito, do RAI e da instrução.

  8. Muito embora possa existir duas versões contraditórias, não se descortina qualquer razão para a existência de dúvidas quanto à propriedade do dinheiro das contas bancárias referidas no RAI.

  9. Não seria de estranhar que a arguida alegasse que teve autorização da sua mãe para proceder a levantamentos, mas não foi valorado que a mãe da arguida já sofre de demência desde 2009 e que existe uma tutora nomeada, a Assistente, que desconhecia e nunca autorizou os movimentos bancários realizados pela arguida na conta da sua mãe.

  10. A apreciação e ponderação dos elementos de prova existentes nos autos foi totalmente parcial e arbitrária, com manifesto desrespeito dos elementos de prova indiciários e suficientes para suportar a acusação e pronúncia da arguida, aqui requerida.

  11. A arguida apropriou-se de diversas importâncias em dinheiro, no total de €27.500,00 (coisa móvel) ilegitimamente, que lhe tinha sido entregue por título não translativo da propriedade, conforme decorre das transferências comprovadas nos presentes autos.

  12. Dessa apropriação, a arguida enriqueceu ilegitimamente.

  13. A arguida agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era ilícita e criminalmente punida, não se tendo, no entanto, coibido de as praticar.

  14. Com a atuação descrita nos autos, incorreu a arguida em autoria material de um crime de abuso de confiança agravada, p. e p. pelo artigo 205º nºs 1 e 2 do Código Penal.

  15. Deve ser revogada a decisão instrutória e deduzido despacho de pronúncia da arguida, nos termos expostos.

*Na 1ª instância, apenas o Ministério Público respondeu às motivações de recurso, concluindo que lhe deve ser negado provimento.

*Neste Tribunal da Relação do Porto o Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer em que, depois de indicar as teses em confronto quanto às consequências jurídico-processuais da preterição da obrigação de fundamentação do despacho de não pronúncia, conclui que deve “ser julgada verificada a aludida irregularidade e, consequentemente, declarado inválido o despacho impugnado, nos termos do nº 2 do artigo 123º do C. P. Penal, bem como os atos subsequentes, e ordenada a devolução do processo à 1ª instância para que, suprindo tal vício, profira nova decisão instrutória que analise a prova indiciária produzida no inquérito e na instrução, mencione os factos suficientemente indiciados e não suficientemente indiciados e, à sua luz, conheça do eventual preenchimento do tipo de crime em causa”.

*Cumprido o disposto no artº 417º nº 2 do C.P.P., não foi apresentada qualquer resposta.

*Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.

* * II – FUNDAMENTAÇÃO A decisão recorrida é do seguinte teor: transcrição «(...) Procedeu-se a debate instrutório com a observância do legal formalismo.

Cumpre decidir: O tipo legal “burla” exige, para a sua verificação, a intenção de obter um enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou engano sobre outra pessoa. Exige um elemento específico que é a “astúcia”.

Conforme é referido no Acórdão da R.E. de 15/1/91, in C.J., T.1, pag.310, aquele crime “traduz-se numa atuação pela qual o agente, mediante artifícios enganosos e sem o propósito de proceder a uma restituição ou de cumprir uma adequada contraprestação, consegue que outrem lhe entregue bens ou valores, pelo que tal crime tem como elementos o conduto enganoso do agente, o propósito de obtenção de um proveito ilegítimo, a produção, no ofendido, de um falso convencimento da obtenção de futuras vantagens e a entrega dos bens ou valores”.

Pressupõe todo um processo enganatório e fraudulento no sentido de enganar o ofendido.

Conforme se refere no ACSTJ 22-05-2002, Proc. nº 576/02 – 3ª Secção, a burla constitui um crime de dano, traduzido num prejuízo patrimonial efetivo em que a consumação passa por um duplo nexo de imputação objectiva. Diz-se igualmente nesse Aresto que o Supremo Tribunal já se pronunciou no sentido da aceitação da prática do crime de burla por omissão, uma vez verificados os requisitos gerais do artigo 10º do CP.

Quanto ao crime de abuso de confiança, preceitua o artº 205º, nº 1 do Código Penal que, “quem ilegitimamente se apropriar de coisa móvel que lhe tenha sido entregue por título não translativo da propriedade é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa”.

Como se refere no despacho sindicado, o crime de abuso de confiança consuma-se quando o agente, que recebeu a coisa móvel por título não translativo de propriedade para lhe dar determinado destino, dela se apropria, passando a agir como seu dono “e que a inversão do título da posse carece de ser demonstrada por atos objetivos, reveladores de que o agente já está a dispor da coisa como se sua fosse, veja-se M. Maia Gonçalves, Código Penal Português, Anotado e Comentado, 10ª Edição, Almedina, p. 633 e, entre outros, Ac. do S.T.J. de 10.01.2002, CJ., Tomo I, p. 161 e segs., Ac. Relação de Lisboa de 21.04.198, CJ, Tom III, p. 235 e Ac. Relação de Évora de 21.03.2000, CJ, Tomo II, p. 281”.

Quanto aos factos: Os autos iniciaram-se com a queixa apresentada por B…, contra C…, a quem imputa a prática dos factos relatados no auto de denúncia de fls. 2 a 7 e que aqui se dá na íntegra por reproduzido, dando-se igualmente por reproduzido o teor do despacho de arquivamento, quanto à matéria de facto ali condensada, por razões de economia processual.

Apurado está que a arguida e D…, sua Mãe, eram titulares da conta bancária nº .-……./…/… em conjunto.

No processo 608/13.4TJPRT que correu termos no então denominado 2º Juízo Cível do Porto, por decisão proferida no dia 12.12.2013, foi decretada a...

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