Acórdão nº 177/15.0GAVLG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 26 de Outubro de 2017

Data da Resolução26 de Outubro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Recurso Penal 177/15.0GVLG.P1 Acordam na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto 1. Relatório 1.1.

B…, assistente devidamente identificado nos autos acima referenciados, deduziu acusação particular contra C…, requerendo julgamento em processo comum e perante Tribunal Singular, imputando-lhe a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de difamação, previsto e punido pelo artigo 180º, n.º 1 do Código Penal.

O Ministério Público não acompanhou a acusação particular, nos termos e com os argumentos aduzidos a fls. 86/87 dos autos.

Realizada a audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença com a seguinte decisão (transcrição): “Pelo exposto, decido: A)- Julgar o arguido B… autor material e na forma consumada de um crime de difamação, previsto e punido pelo artigo 180°, n.º 1 do Código Penal e, consequentemente, condenar o mesmo na pena de 70 (setenta) dias de multa à taxa diária de €7.00 (cinco euros), perfazendo o montante global de €490.00 (quatrocentos e noventa euros).

B)- Julgar parcialmente procedente o pedido cível deduzido pelo assistente/demandante quanto aos danos não patrimoniais sofridos, condenando-se o demandado a pagar ao demandante a quantia de €300.00 (trezentos euros), quantia a que acrescerão juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a notificação para contestar e vincendos até efectivo e integral pagamento.

C)- Condenar o arguido, no tocante à parte crime, nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC.

Não há lugar a custas cíveis- artigo 4°, n." 1, al. n) do Regulamento das Custas Processuais.

” 1.2. Inconformado com a condenação, o arguido recorreu para este Tribunal da Relação, terminando a motivação com as seguintes conclusões (transcrição): “I. O Tribunal a quo incorreu em erro no julgamento da matéria de facto, na medida em que, face à prova produzida nos autos, devia ter julgado não provados os factos vertidos nos pontos 2º e 5º da matéria de facto julgada provada.

  1. O Tribunal a quo fundamenta a sua decisão de facto, quanto ao facto vertido no ponto 2º da matéria julgada provada, no depoimento das testemunhas D… e E…, respectivamente esposa e filho do assistente, ambos coligidos com as declarações do assistente e do arguido.

  2. em momento algum dos respectivos depoimentos, qualquer destas testemunhas relatou a factualidade vertida no ponto 2º da matéria de facto julgada provada.

  3. Quanto à descrição dos factos em causa nos autos depôs a testemunha D…, em depoimento gravado, tendo a gravação início às 22.03.2017 – 14:39:56 e fim: 22.03.2017 – 14:47:27, ao minuto 01:47 a 02:52.

  4. A testemunha E…, depôs, quanto à descrição dos mesmos factos, em depoimento gravado, com início 22.03.2017 – 14:47:29 e fim 22.03.2017 – 14:52:10, aos minutos 01:18 a 02:21.

  5. Da prova produzida nos autos e quanto ao teor do ponto 2º da matéria de facto julgada provada, apenas se retira que «A esposa do assistente, declinou tal imputação de tais factos, ao que o arguido reiterou que tinha provas».

  6. Mas já não que o arguido tenha dito ter visto o assistente a perpetrar os factos e, ainda menos, que o arguido tenha concretizado os bens retirados e a hora e data em que os factos teriam ocorrido.

  7. Deve assim o ponto 2º da matéria de facto julgada provada ser reapreciado e reformulado, devendo passar a constar da matéria de facto julgada provada apenas que «A esposa do assistente, declinou tal imputação de tais factos, ao que o arguido reiterou que tinha provas», julgando-se não provado o restante teor do facto em causa.

  8. No que se refere ao ponto 5º da matéria de facto julgada provada, o Tribunal a quo fundamenta a sua decisão de facto, no depoimento das testemunhas D… e E…, respectivamente esposa e filho do assistente, ambos coligidos com as declarações do assistente e do arguido.

  9. A propósito, afirma ainda o Tribunal a quo que «coligidos os elementos de prova descritos e lidos os mesmos à luz das regras de experiência comum e da normalidade, é legítimo concluir que o arguido, ao actuar da forma descrita, representou como possível que a sua conduta fosse ofensiva da honra e consideração do assistente, conformando-se com tal realização». Até porque, ainda segundo o Tribunal a quo «na verdade, a expressão utilizada, recorrendo ao uso do verbo “roubar”, traz consigo uma carga ofensiva e estigmatizante, o que o arguido não pode desconhecer, pelo que a representação dessa ofensa é validade por tais regras, enquanto factos interno que se extrai dos factos objectivos provados».

  10. O simples facto de alguém afirmar, perante terceiro, que outrem roubou não é suficiente, de per se, para que se conclua estar preenchido o tipo de ilícito do crime de difamação, na sua vertente subjectiva, não obstante o possa ser para o preenchimento do mesmo tipo de ilícito na sua vertente objectiva.

  11. Do ponto de vista do homem médio, constitui difamação a divulgação de informação ofensiva referente a terceira pessoa, se essa informação não tiver qualquer adesão à realidade.

  12. O Arguido estava, à data dos factos, convicto de que o Assistente havia perpetrado os factos que lhe imputou. Desde logo porque assim lho haviam dito, garantindo-lhe existirem testemunhas dos mesmos.

  13. A leitura da sentença proferida no processo n.º 179/15.7GAVLG, da Instância Local Criminal de Valongo, Juiz 1 (cuja certidão se encontra junta a fls. 73/77), é, neste ponto, esclarecedora: existiam, afinal, as tais testemunhas referidas pelo arguido, seja o sucateiro a quem teriam sido vendidos os bens, seja a arrendatária (vulgo “caseira”) da casa vizinha do local onde ocorreu o furto.

  14. O certo é que os indícios recolhidos em sede de inquérito foram suficientes para que o Ministério Público deduzisse acusação pública.

  15. O certo é que até o Tribunal a quo teve de concluir «em face do contexto descrito e apurado, não se poder concluir que a conduta do arguido é conduzida pela intenção primeira ou necessária de produzir a aludida ofensa na honra e consideração do assistente».

  16. Pelo contrário, concluiu o Tribunal a quo que «de facto, pela imputação descrita veio a correr processo-crime, que deu lugar à acusação pública por crime, também ele, de natureza pública e o arguido sustenta a imputação em causa numa pretensa informação que lhe havia sido transmitida, pelo que é eivado de tal informação que dirige a expressão descrita, tendo o Tribunal ficado convicto que a intenção primeira do arguido era ver a situação descrita resolvida sem recurso a meios judiciais».

  17. Em momento algum, no desenvolvimento do seu processo decisório e volitivo interno, o arguido realizou que, com tal interpelação para resolução extrajudicial do litígio, poderia estar a ofender a honra e consideração do assistente, assim realizando um facto que preenche um crime.

  18. Inexiste, assim, prova...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT