Acórdão nº 72/17.9JACBR-E.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 11 de Outubro de 2017

Magistrado ResponsávelAIRISA CALDINHO
Data da Resolução11 de Outubro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 72/17.9JACBR-E.P1 2.ª Secção Criminal Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Águeda* Acordam, em conferência, na 2.ª Secção Criminal: *I. No processo de inquérito n.º 72/17.9JACBR do Tribunal da Comarca de Aveiro – Águeda – Juízo Inst. Criminal, o arguido B… recorre do despacho judicial que autorizou a recolha de saliva através de zaragatoa bucal, apresentando as seguintes conclusões: - “ ...

  1. O aqui recorrente vem acusado da prática de um crime de roubo agravado p. e p. pelo artigo 210.º n.° 1 e 2 alínea b), tendo por referência o artigo 204.º n.º 2 alínea f); um crime de sequestro p. e p. pelo artigo 158.º n.º 1; um crime de burla informática p. e p. pelo artigo 221° n.º1 todos do Código Penal.

  2. Encontrando-se desde o dia 24 de Fevereiro de 2017 sujeito à medida de coação de prisão preventiva, que vem cumprindo desde então no EP C….

    3 Por despacho datado de 12 de Julho de 2017, o Meritíssimo Juiz de Instrução autorizou a recolha de saliva ao aqui recorrente através de zaragatoa bucal para comparação com vestígios biológicos recolhidos no âmbito do processo de investigação.

  3. Para o qual o arguido não prestou qualquer tipo de consentimento, sendo o mesmo consumado no dia 21 de Julho de 2017.

  4. O aqui recorrente, vê ainda a ser lhe vedado o acesso aos autos, estando assim impedido objectivamente de contraditar tal promoção levada a cabo inicialmente pelo Ministério Público.

  5. Exame esse que vem agora a ser ordenado pelo Meritíssimo Juiz de Instrução através do despacho recorrido.

  6. Estamos perante um tipo de exame que necessita para a sua execução do consentimento do arguido, caso não se verifique, constituiu um meio de prova evasivo que colide com os seus direitos liberdades e garantias constitucionalmente protegidos.

    Pelo que, exames deste foro apenas podem ser levados a cabo quando não existam nos autos, ou caso não possam a vir a existir outros meios de prova instrumentais que possam ir ao encontro da descoberta da verdade material e a realização da justiça.

  7. Entende-se assim, que se pondere a necessidade da realização de tal exame, enquanto uma diligência útil, relevante e necessária para a descoberta da verdade, em função das demais provas recolhidas ou a recolher futuramente.

  8. Pois o exame de recolha de saliva configura uma violação da integridade física do arguido, quando é realizada contra a sua vontade e quando se recorre a meios coactivos para a efectivar.

  9. De tal modo, que o Meritíssimo Juiz de Instrução deveria ter apreciado em concreto no seu despacho tais fundamentos que ditem a necessidade de recolha de amostras de saliva através de zaragatoa bucal.

  10. Assim como deveria ter fundamentado, e concretamente que para provar ou não tais factos x ou y não existem, nem se vislumbre que venham a existir outros meios de prova que nos possam levar ao desiderato que é alvitrado com a realização da presente diligência.

  11. Não indicando ainda, se para provar tais factos a zaragatoa bucal é a única e exclusiva forma de obter prova, ou se existem outros meios e métodos capazes para a obtenção da prova pretendida que possam atingir o mesmo desiderato.

  12. O tribunal o quo limita-se apenas a dizer, grosso modo, que a diligência visa a descoberta da verdade material, ao indicar apenas que no âmbito da investigação foram recolhidos vestígios biológicos que podem contribuir para a identificação dos autores dos factos.

  13. Sendo omisso quanto ao facto de a identificação dos autores poder ser objecto de qualquer outra forma ou meio de prova.

  14. Ora, na nossa humilde opinião tal concretização factual deverá ser determinante para que, em bom rigor se possa ordenar que o arguido possa vir a ser submetido a zaragatoa bucal sem o seu consentimento claro e expresso.

  15. Pois tal método evasivo de obtenção de prova só poderá efectuar-se quando a realização da justiça, e, por conseguinte, a descoberta da verdade material não possa alcançar-se através de outras diligências.

  16. O que no caso em questão não se verifica, uma vez que existem uma panóplia de outras diligências capazes de apurar o pretendido com a recolha de saliva.

  17. E nesse sentido o Ac. Do Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 172/92 de 6 de Maio, disponível em www.tribunalconstitucional.pt entende que "O processo penal de um Estado de direito há-de cumprir dois objectivos fundamentais: assegurar ao Estado a possibilidade de realização do seu jus punendi e oferecer aos cidadãos as garantias necessárias para os proteger contra os abusos que possam cometer-se no exercício do poder punitivo (...)" 20. "Um tal processo há-de, por conseguinte, ser um processo equitativo (a due process, a fair process), que tenha por preocupação dominante a busca da verdade material, mas sempre com inteiro respeito pela pessoa do arguido, o que, entre o mais, exige que se assegurem o este todas as garantias de defesa e que se não admitam provas que não passem pelo crivo do contraditório (...)" (negrito e sublinhado nossos).

  18. Ora, o facto de ter sido imposto ao aqui recorrente a sua sujeição a tal exame, o juiz a quo apenas deslumbrou a descoberta da verdade material a todo o custo.

  19. Não tendo assim em conta na sua decisão o respeito pela pessoa do arguido, assim como, não lhe assegurou todas as suas garantias de defesa, esquivando-se assim ao contraditório.

  20. Pois, esta sujeição ao aqui recorrente a submeter-se a diligências de prova, só deverá ser coactivamente imposta, tal como se verifica quanto à aplicação da medida de coação de prisão preventiva, quando a realização da Justiça não se possa alcançar através de outras diligências.

  21. E nessa linha o Professor Figueiredo Dias entende que o exame consiste "um verdadeiro meio de coacção processual pelo que se o objecto for uma pessoa "(…) esta vê-se constrangido a sofrer ou a suportar uma actividade de investigação sobre si mesma (...),25. E por isso, "as normas que os permitem não poderão de deixar de ser...

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