Acórdão nº 1830/12.6JAPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 11 de Janeiro de 2017

Magistrado ResponsávelRENATO BARROSO
Data da Resolução11 de Janeiro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. 1830/12.6JAPRT.P1 1ª Secção ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO 1. RELATÓRIO A – Decisão Recorrida No processo comum colectivo nº 1830/12.6JAPRT, da Comarca do Porto, Instância Central, 1ª Secção Criminal, Unidade de processos nº4, foi condenado o arguido B…, pela prática de dois crimes de burla simples, p.p., pelo Artº 217 nº1 do C. Penal, na pena, por cada um, de 1 (um) ano de prisão e em cúmulo jurídico das mesmas, na pena única de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão suspensa na sua execução por igual período e subordinada ao pagamento da indemnização ao ofendido C… no valor de €3.250,00 (três mil duzentos e cinquenta euros).

Mais foi condenado, em sede civil, no pagamento a C… da referida importância de €3.250,00, acrescida de juros moratórios desde a notificação do PIC.

B – Recurso Inconformado com o assim decidido, recorreu o arguido, concluindo as respectivas motivações da seguinte forma (transcrição): 1.NULIDADES PROCESSUAIS INSANÁVEIS A- ALTERAÇÃO OFICIOSA DE MANDATÁRIO, À REVELIA DO ARGUIDO 1. O arguido viu, sem qualquer justificação para tal, o advogado que escolheu ser substituído por defensor oficioso aleatório, por determinação do MP. Talvez por distracção, o MP e todos os demais intervenientes do processo até ao momento não se aperceberam que em todos os actos do inquérito o arguido foi assistido pelo Dr. D…, advogado da sua escolha neste processo.

  1. O mandatário do arguido já se encontrava constituído desde 2012, estando documentadas as suas intervenções a fls, 93, no TIR, a fls. 99, a fls. 100, a fls. 140, a fls, 145 e a fls. 167.

  2. Por causa do referido na Conclusão lª, a defesa do arguido neste processo só existiu formalmente, sem que com isto se esteja a criticar a actuação da defensora, pois a verdade é que esta fez o que podia, atendendo às circunstancias - não conhece o processo e não conhece o arguido.

  3. A actuação do MP, ao nomear defensor ao arguido, sem disso dar conhecimento quer a este, quer ao mandatário constituído, e contra a vontade de qualquer destes intervenientes, viola todas as convenções sobre direitos humanos que vigoram no ordenamento jurídico português, desde o art. 14° nº3 al. b) do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas, ao art. 6° nº3 al. c) da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, inconstitucionalidade que desde já se arguiu expressamente.

  4. Em termos de direito interno, são violados os arts. 32° nº3 da Constituição da Republica Portuguesa, inconstitucionalidade que desde já se arguiu expressamente, assim como os arts. 61° nº1 al. e) e 62° nº1, ambos do CPP.

  5. A violação destas disposições legais configura nulidade insanável, nos termos do art. 119° al. c) do CPP, porquanto, por facto imputável ao Ministério Público, quem compareceu às audiências de julgamento e foi notificado do despacho de acusação não foi o "seu" defensor, tendo antes sido um defensor aleatoriamente escolhido, em substituição operada pelo MP à revelia de todos - arguido e advogado.

    B - REALIZAÇÃO DE JULGAMENTO NA AUSENCIA DO ARGUIDO 7. Como refere o Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão que será abundantemente citado (Proc. 07P3486, de 24/ 10/2007), "o arguido é sujeito processual de direitos e de deveres, e é na audiência, mediante o exercício pleno do contraditório, que o arguido pode - e deve - defender-se, confrontado com as provas, já que a discussão da causa vai posteriormente implicar uma decisão, de harmonia com elas e com referência ao objecto do processo, decisão essa em que emite um juízo decisório sobre a conduta juridico-penal imputada ao arguido, com reflexos notórios na sua vida pessoal e comunitária, pois que, sendo este absolvido, fica desvinculado da imputação havida, e restaurado à normalidade anterior ao juízo incriminatório, mas se for condenado, fica sujeito às consequências jurídicas do crime. " 8. Sendo verdade que o arguido não deu cumprimento ao disposto no art. 196° nº3 al. c) do CPP, importa ter presente que esta negligência do arguido não teria qualquer implicação se os actos processuais sido notificados à defensora oficiosa.

  6. O advogado constituído, conhecendo o arguido e tendo os seus contactos actualizados, sempre diligenciaria, no cumprimento dos seus deveres deontológicos, pela preparação da audiência de julgamento e da contestação à acusação e PIC's. Ou seja, a negligencia do arguido seria contrabalançada pela diligência do seu mandatário constituído.

  7. Todavia, a negligência do arguido no cumprimento do 196° nº3 al. c) do CPP apenas teve impacto na qualidade da sua defesa porquanto, sem qualquer justificação legal, o MP substituiu o mandatário constituído por uma defensora oficiosa que, naturalmente, não tem qualquer forma de comunicar com o arguido, salvo tentando contactá-lo na morada onde ele já não morava.

  8. Assim, a realização de julgamento na ausência resulta de factos imputáveis não só ao arguido, mas também ao Ministério Público, quando este órgão decide (??) ignorar o mandatário constituído e nomear uma terceira pessoa, sem que disso o arguido e o seu mandatário pudessem tomar conhecimento.

  9. Analisando as actas da audiência, verificamos ainda que o Tribunal não realizou qualquer diligência necessária e legalmente admissível para obter a comparência do arguido, em flagrante violação do disposto no art. 333° nº1 do CPP.

  10. A isto acresce o facto de o tribunal não ter que realizar qualquer diligência especial para localizar o arguido, pois bastaria contactá-lo na morada constante do ultimo auto de interrogatório.

  11. O Direito em discussão nesta questão não requer particular especialização. Tudo o que bastava é que qualquer um dos participantes, acusadores, defensores ou julgadores, prestassem atenção à anotação do art. 333° nº1 do CPP constante do excelente site da Procuradoria Distrital de Lisboa, para descobrirem citações como: • "Na reunião de trabalho realizada no dia 18-03-2010 na PGD Lisboa, analisada a questão decorrente da falta e julgamento sem a presença do arguido, regularmente notificado na morada constante do TIR e omissão de diligências tendentes a obter a sua comparência, assentou-se na defesa da tese propugnada no Ac.

    do BTJ, de 2-05-2007 segundo o qual: É nula a audiência de julgamento - e a subsequente decisão realizada na ausência da arguida que para esse acto fora notificada e, faltou, sem que fossem tomadas as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a sua comparência.

    Em idêntico sentido: «decisão sumária» de 13/11/2008, proferida no processo n° 8558/08, relatada por Moraes Rocha [A realização de audiência de julgamento sem a presença do arguido, regularmente notificado na morada constante do Termo de Identidade e Residência (TIR) que prestou, sendo legalmente admissível, não dispensa o tribunal de tomar medidas adequadas com vista a procurar assegurar a sua comparência, tudo nos termos do n°1 do art° 333° do CPP];Ac.

    do TRL de 2/7/08, processo n05384/08 relatado por Rui Gonçalves; Ac. TRL de 24/6/2009, processo n 01007/06.0SILSB.L1, relatado por Maria José Machado; Ac. TRL de 3/3/2009, relatado por Nuno Gomes da Silva, CJ, 2009, II, 135 e Ac. STJ de 24/10/2007, CJSTJ, 2007, III, 224" • Ainda no mesmo sentido, Ac. STJ de 24-10-2007, sumário retirado da CJ (STJ), 2007, T3, pág.224: A realização de audiência de julgamento sem a presença do arguido, devidamente notificado para tanto embora sem que o juiz tenha tomado as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a sua comparência consubstancia uma nulidade insanável 15. Assim, devem ser anulados todos os actos processuais praticados durante e após a primeira audiência de julgamento, em face da clamorosa falha do tribunal, geradora de nulidade insanável, por violação grosseira do art. 333° nº1 do CPP.

    C - DA INDISPENSABILIDADE DA PRESENÇA DO ARGUIDO 16. Em nenhuma das audiências de julgamento o tribunal ponderou fez qualquer ponderação sobre a indispensabilidade ou dispensabilidade da presença do arguido.

  12. Inexistindo decisão que considere dispensável a presença do arguido, todas as audiências deste processo estão feridas com a nulidade insanável a que alude o art. 119° al. c) do CPP, por sem tratarem de actos para os quais a lei exige a comparência do arguido, apenas podendo ser realizados se e quando o tribunal decidir que a presença do arguido é dispensável.

    2 - RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO 18. O facto nº1 é conclusivo, porquanto o conceito de proprietário é um conceito jurídico, pelo que deve ser removida, pela menos a parte final.

  13. O facto nº2 é conclusivo e está redigido num português pouco rigoroso, pois desconhece-se o que seja "inventar um esquema", ou "engano a provocar no vendedor". Por outro lado, "natureza onerosa", "contrato de compra e venda" e "declaração negocial" ou "enriquecimento ilegítimo" são conceitos de direito, e não factos. São conclusões que se podem retirar de factos, e não factos em si.

  14. O facto nº3 também tem que ser dado como não escrito, por se encontrar cravejado de conclusões como "convencimento erróneo", "inventou uma aparência de credibilidade do negocio e de confiança a ter na sua pessoa".

  15. O facto nº4 é igualmente conclusivo, pois afirma existir um plano, sem quaisquer factos que sustentem tal conclusão.

  16. O facto nº6 é conclusivo, na medida em que refere que o arguido encetou negociação com o ofendido, nas circunstancias referidas, de modo a criar no ofendido o convencimento erróneo que pretendia celebrar e cumprir o contrato de compra e venda.

  17. O facto nº7 contradiz em absoluto os factos nº2 e nº6, porquanto decorre das regras da experiencia comum que ninguém que pretenda adquirir de forma fraudulenta o direito de propriedade de um veiculo, faz questão que o vendedor fique com os documentos do veiculo enquanto não receber o preço.

  18. O facto nº11 é conclusivo, sendo certo que a questão da provisão apenas se coloca quando o cheque é apresentado a pagamento, e não no momento da emissão.

  19. O facto nº13 não é um...

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