Acórdão nº 281/16.8T9VFR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 11 de Janeiro de 2017

Magistrado ResponsávelMARIA DOLORES SILVA E SOUSA
Data da Resolução11 de Janeiro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Rec. Penal n.º 281/16.8T9VFR.P1 Comarca de Aveiro Instância Central de Instrução Criminal, Santa Maria da Feira Acordam, em Conferência, na 2ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto.

I-Relatório.

Nos autos de instrução n.º 281/16.8T9VFR da Instância Central de Instrução Criminal de Santa Maria da Feira, 3ª secção, juiz 1, da comarca de Aveiro, foi com data de 15.06.2016, proferida decisão de não pronúncia relativamente ao arguido B…, nos seguintes termos: «… por todo o exposto, decido não pronunciar o arguido B… pela prática de dois crimes de fraude fiscal, previstos e punidos, à data dos factos, pelo artigo 23º, n.º 1, n.º 2, alínea a), n.º 3, alíneas e) e f) e n.º 4 do RGIFNA, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 394/93, de 24 de Novembro, e pelos artigos 103º, n.º 1, alíneas a) e b) e 104º, n.º 1, alínea d) e e) e n.º 2, alínea a) do Regime Geral das Infrações Tributárias, declarando extinto o procedimento criminal, por verificação da prescrição.»*Inconformado com esta decisão veio o Ministério Público interpor recurso, conforme motivação de fls. 2065 a 2084 dos autos, que terminou com as seguintes conclusões: «1-Nos presentes autos, o Tribunal decidiu não pronunciar o arguido B…, pela prática de dois crimes de fraude fiscal, previstos e punidos, à data dos factos, pelo artigo 23º, n.º 1, n.º 2, alínea a), n.º 3, alíneas e) e f) e n.º 4 do RGIFNA, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 394/93, de 24 de Novembro, e pelos artigos 103º, n.º 1, alíneas a) e b) e 104º, n.º 1, alínea d) e e) e n.º 2, alínea a) do Regime Geral das Infrações Tributárias, declarando extinto o procedimento criminal, por prescrição.

Com o maior respeito pela douta decisão, manifestamos, porém, a nossa total discordância.

2-A factualidade indiciada nos presentes autos e imputada ao arguido em sede de acusação consubstancia o crime de fraude fiscal pº e pº no artigo 23º, n.º 1, n.º 2, alínea a), n.º 3, alíneas e) e f) e n.º 4 do RJIFNA, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 394/93, de 24 de Novembro, e agora pelos artigos 103º, n.º 1, alíneas a) e b) e 104º, n.º 1, alínea d) e e) e n.º 2, alínea a) do Regime Geral das Infrações Tributárias, consubstanciando a prática de dois crimes de fraude fiscal.

3-No que tange à sucessão de leis penais no tempo, rege o disposto no artigo 2º, n.º 1 do Código Penal, as penas são determinadas pela lei vigente no momento do facto ou do preenchimento dos pressupostos de que dependem.

Todavia, por força do disposto no n.º 4 do artigo 2º do Código Penal, quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores, é sempre aplicado o regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente.

4-No caso dos autos, afigura-se-nos ser mais favorável ao arguido a aplicação do regime em vigor aquando da prática dos factos, isto é, do RJIFNA, uma vez que, no âmbito do RGIT o crime é punível com uma moldura penal superior e o prazo de prescrição do crime é alargado de cinco para dez anos, sendo o crime punível com a mesma pena.

Encontrado o regime legal aplicável, que será à luz do RJIFNA, vejamos a questão da prescrição: 5-Os factos que integram o crime imputado tal como se mostram descritos na acusação são referentes à matéria tributária apurada para efeitos de tributação em sede de IVA, concretamente ao IVA deduzido em Junho e em Julho de 2000.

O prazo de prescrição do procedimento criminal corre desde o dia em que o facto se tiver consumado – artigo 119º, n.º 1 do Código Penal -, sendo certo que o facto se considera praticado no momento em que o agente atuou ou deixou de atuar – artigo 3º do Código Penal.

6-O objeto do presente processo criminal reconduz-se a factos que se reportam ao apuramento da matéria tributária apurada para efeitos de tributação em sede de IVA, concretamente ao IVA deduzido em Junho e Julho de 2000, que se subsumem a dois crimes de fraude fiscal, previstos e punidos pelo disposto nos artigos 23º, n.º 1, n.º 2, alínea a), n.º 3, alíneas e) e f) e n.º 4 do RGIFNA, e pelos artigos 103º, n.º 1, alíneas a) e b) e 104º, n.º 1, alínea d) e e) e n.º 2, alínea a) do Regime Geral das Infrações Tributárias.

Estava o sujeito passivo, a referida sociedade, através do aqui arguido, enquanto gerente, obrigado a apresentar declaração periódica de IVA, que tinha uma periodicidade mensal, até ao dia 10 do mês de Agosto de 2000, para o IVA de Junho de 2000, e até ao dia 10 de Setembro de 2000, para o IVA de Julho de 2000, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 29º, 35º e 41º, n.º 1, alínea a) do Código do Imposto Sobre o Valor Acrescentado.

Assim, o momento da prática dos factos ainda objeto do processo situa-se nos dias 10 de Agosto de 2000 e 10 de Setembro de 2000.

7-O artigo 15º do RJIFNA previa, sob a epígrafe “Prescrição e suspensão do procedimento criminal”, que: “1- O procedimento criminal por crime fiscal extingue-se, por efeito da prescrição, logo que sobre a prática do mesmo sejam decorridos cinco anos.

2 - O prazo de prescrição do procedimento por crime fiscal suspende-se também por efeito da suspensão do processo, nos termos do n.º 4 do artigo 43.º e do artigo 50.º”.

Assim, à luz do RJIFNA, o prazo prescricional a considerar é o geral, de 5 anos, ressalvadas as interrupções e as suspensões ocorridas, conforme prevê o artigo 15º, nº 1 do RJIFNA.

8-Como causas interruptivas da prescrição temos, segundo a regra geral do artigo 121º do Código Penal: a constituição de arguido; a notificação da acusação, ou não tendo esta sido deduzida, com a notificação da decisão instrutória que pronunciar o arguido ou com a notificação do requerimento para aplicação da sanção em processo sumaríssimo; a declaração de contumácia; a notificação do despacho que designa dia para audiência de julgamento na ausência do arguido; Estabelece ainda o respetivo nº 3 que “(…) A prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal da prescrição acrescido de metade, (…)”.

9-No concernente à suspensão do prazo de prescrição, rege o artigo 120º do Código Penal: «1. A prescrição do procedimento criminal suspende-se, para além, dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que: o procedimento criminal não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal ou de sentença a proferir por tribunal não penal, ou por efeito da devolução de uma questão prejudicial a juízo não penal; o procedimento criminal estiver pendente a partir da notificação da acusação, ou, não tendo esta sido deduzida, a partir da notificação da decisão instrutória que pronunciar o arguido ou do requerimento para aplicação da sanção em processo sumaríssimo; vigorar a declaração de contumácia; a sentença não puder ser notificada ao arguido julgado na ausência; o delinquente cumprir no estrangeiro pena ou medida de segurança privativas da liberdade; 10-No caso dos autos, temos, também, que considerar a causa de suspensão, especificamente prevista no artigo 15º, n.º 2 do RJFNA, que nos remete para as situações em que não está ainda definida a situação tributária, por estar pendente processo tributário instaurado com essa finalidade, definição da qual dependa a qualificação jurídica dos factos – artigos 42º, n.º 2 e 47º do RGIT, antigos artigos 43º/4 e 50º do RJIFNA.

Sempre que se verifica uma das enunciadas causas interruptivas, começa a correr novo prazo de prescrição - artigo 121º, n.º 2 do Código Penal.

Já quando se verifica alguma das causas suspensivas, o prazo prescricional não corre enquanto durar a mesma, voltando a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão - artigo 120º, n.º 3 do Código Penal.

11-Vejamos as datas relevantes no acaso em apreço: - datas da prática dos factos ainda objeto do processo situam-se nos dias 10 de Agosto de 2000 e 10 de Setembro de 2000; assim, o prazo de prescrição do procedimento criminal inicia-se em relação aos factos objeto dos autos no dia 11 de Agosto de 2000, em relação ao IVA de Junho, e no dia 11 de Setembro de 2000, em relação ao IVA de Julho - subsequentes ao último dia em que devia ser entregue a declaração periódica mensal de IVA relativa aos meses de Junho e Julho de 2000.

Em 22/04/2005, a sociedade arguida impugnou as liquidações de IVA do ano de 2000, cfr fls. 57, o que originou os autos de Impugnação Judicial n.º 799/05.8BEVIS.

A 16/01/2007, foi o requerente da instrução constituído arguido, no âmbito dos autos de Inquérito n.º 47/03.5IDAVR, que deram origem aos presentes autos – cfr. fls. 75 a 78; Em 28/10/2015, transitou em julgado o acórdão datado de 17/09/2015, proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte, em recurso, nos autos de Impugnação Judicial n.º 799/05.8BEVIS, como resulta da certidão de fls 1811.

Em 03/03/2016, foi o arguido notificado da acusação – cfr. fls. 1973.

12-Temos, assim, que se verificam nos autos causas de suspensão e interrupção da prescrição; - a impugnação judicial das liquidações, nos termos do artº 15º do RJIFNA; - a constituição de arguido; - e a notificação da acusação.

13-No momento em que o arguido impugnou judicialmente as liquidações, a 22/04/2005, ainda só tinham decorrido 4 anos, 8 meses e 12 dias (dos factos praticados a 10/08/2000) e 4 anos 7 meses e 12 dias (dos factos praticados a 10/09/2000).

14-A propósito da suspensão do procedimento criminal por via da impugnação judicial das liquidações, o Tribunal a quo, não obstante ter optado pela aplicação do RJIFNA como o regime jurídico mais favorável, desrespeita a jurisprudência uniformizada fixada pelo Acórdão n.º 3/2007, que decidiu que “Na vigência do artigo 50.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 20-A/90, de 15 de Janeiro, na redacção do Decreto-Lei n.º 394/93, de 24 de Novembro, a impugnação judicial tributária determinava, independentemente de despacho, a suspensão do processo penal fiscal e, enquanto esta suspensão se mantivesse, a suspensão da prescrição do procedimento...

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