Acórdão nº 159312/15.4YIPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 23 de Fevereiro de 2017

Magistrado ResponsávelARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA
Data da Resolução23 de Fevereiro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Recurso de Apelação Processo n.º 159312/15.4YIPRT.P1 [Comarca de Aveiro/Juízo Local Cível/Oliveira de Azeméis.

Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório: Em 26 de Novembro de 2015, B… Unipessoal, Lda., pessoa colectiva n.º ………, com sede em …, Santa Maria da Feira, apresentou no Balcão Nacional de Injunções instaurou procedimento de injunção contra C…, sociedade comercial com sede em …, na Holanda, reclamando o pagamento da quantia de €23.180,61.

Como fundamento da sua pretensão, no requerimento de injunção assinalou “contrato de fornecimento de bens e serviços” e alegou que tem como objecto social o fabrico de calçado, a requerida encomendou-lhe “um valor elevado de sapatos”, a encomenda foi entregue à requerida e emitidas as facturas, mas a requerida não pagou.

A requerida deduziu oposição impugnando a existência da dívida mediante a alegação de que devolveu à requerente 402 pares de sapatos que apresentavam defeitos de fabrico e não lhe ficou a dever qualquer montante.

Após a distribuição da injunção como acção, o Mmo. Juiz a quo instou a requerente a esclarecer onde entregou os bens à requerida e aquela informou que os entregou, através de uma transportadora, na sede da requerida.

Depois as partes foram convidadas para se pronunciarem sobre a competência do tribunal em razão da nacionalidade, tendo a requerente defendido a competência do tribunal onde a acção foi instaurada e a requerida a sua incompetência.

A seguir o Mmo. Juiz a quo proferiu a seguinte decisão: «[…] Antes de mais, não se poderá deixar de salientar a atitude da autora que, dando o dito por não dito, vem agora, quando confrontada com a possível incompetência em razão da nacionalidade do tribunal, alegar o contrário do que alegou no requerimento de injunção e que, aliás, reiterou, quando convidada a esclarecer o local da entrega dos bens. Com efeito, estaríamos agora perante um contrato de prestação de serviços, apesar de inicialmente invocar a existência de um contrato de fornecimento de bens para justificar a sua pretensão. De todo o modo, sempre se dirá que é de acordo com a petição inicial - o requerimento de injunção – que cabe aferir da competência do tribunal, sendo, por isso, a alegação da autora agora produzida totalmente inconsequente para o que cumpre decidir.

A competência do Tribunal constitui um pressuposto processual, que na sua vertente absoluta, em razão da nacionalidade, é de conhecimento oficioso, salvo no caso decorrente da violação de pacto privativo de jurisdição (artigo 578.º, do Código de Processo Civil). Como qualquer outro pressuposto processual, a competência é aferida em relação ao objecto apresentado pelo autor (cfr. Miguel Teixeira de Sousa, in “A Competência e a Incompetência dos Tribunais Comuns”, 3.º Edição, pág. 139).

Conforme sustentava o Prof. Manuel de Andrade (in “Noções Elementares de Processo Civil, págs. 90 e 91), para decidir qual das normas corresponde a cada um dos “índices” de competência, deve olhar-se aos termos em que foi posta a acção – seja quanto aos seus elementos objectivos (natureza da providência solicitada ou do direito para o qual se pretende a tutela judiciária, facto ou acto donde teria resultado esse direito, bens pleiteados, etc.), seja quanto aos seus elementos subjectivos (identidade das partes). A competência do tribunal não depende, pois, da legitimidade das partes nem da procedência da acção.

As normas de competência internacional atribuem a um conjunto de tribunais de um Estado o complexo de poderes para o exercício da função jurisdicional em questões que envolvem mais do que um Estado entre os vários factores constitutivos de uma determinada ordem jurídica.

No caso sub judice a ré é uma sociedade estrangeira, com domicílio no estrangeiro, o que, desde logo, obriga a procurar saber se os tribunais portugueses detêm competência internacional para conhecer da causa. Estamos, por conseguinte, perante um litígio emergente de uma relação transnacional.

Além das normas dos artigos 62.º e 63.º, do Código de Processo Civil, vigoram directamente na ordem jurídica portuguesa e enquanto fonte comunitária com relevo para a decisão da excepção suscitada nos autos, as normas previstas no Regulamento (UE) n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e Conselho, de 12/12/20121, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, posto que a presente acção foi intentada em 26/11/2015.

Este Regulamento é directamente aplicável a todos os Estados Membros – em conformidade com o disposto no actual artigo 249.º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia e do artigo 8.º, da Constituição da República Portuguesa -, prevalece sobre as normas reguladoras da competência internacional previstas nos artigos 62.º e 63.º, do Código de Processo Civil.

Por conseguinte, estando as partes domiciliadas em Estados - Membros da União Europeia – Portugal e Holanda - há que atentar obrigatoriamente aos ditames do Regulamento (UE) n.º 1215/2012.

De acordo como o citado Regulamento, a regra geral é a competência do tribunal do Estado em que o demandado tem o seu domicílio (artigo 4.º, n.º 1). Nos termos do artigo 63.º, n.º 1, daquele Regulamento, as sociedades comerciais têm o domicílio no lugar que tiverem a sua sede social, a sua administração central ou o seu estabelecimento principal.

Acresce que, as pessoas domiciliadas no território de um Estado - Membro só podem ser demandadas perante os tribunais de um outro Estado - Membro quando se verifique um critério especial de competência previsto no Regulamento (regras enunciadas nas secções 2 a 7 do capítulo II) – artigo 5.º, n.º 1).

Por outro lado, conforme nos dá conta Lima Pinheiro, in “Direito Internacional Privado”, Vol. III, p. 75, “A competência do domicílio do réu não pode ser afastada com base numa avaliação das circunstâncias do caso concreto, que leve a concluir que existe outra jurisdição competente mais bem colocada para decidir a causa”.

Com relevo para a decisão do pressuposto processual suscitado, dispõe o artigo 7.º que as acções que incidam sobre matéria contratual, devem ser instauradas perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão, sabendo-se que, salvo convenção em contrário, o lugar do cumprimento da obrigação será, no caso da venda de bens, o lugar num Estado Membro onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues (n.º 1, alíneas a) e b) do artigo 7.º).

Neste contexto, refere Lima Pinheiro, Ob. Cit., p. 83 e 84, quer relativamente ao contrato de compra e venda, quer ao de prestação de serviços, que constituem os tipos contratuais de maior importância, o Regulamento veio introduzir uma dita “definição autónoma” do lugar de cumprimento das obrigações contratuais. Não se trata de uma verdadeira definição autónoma do lugar de cumprimento, mas de estabelecer que só releva, na venda de bens, o lugar de cumprimento da obrigação de entrega e, na prestação de serviços, o lugar de cumprimento da obrigação do prestador de serviços. Assim, é irrelevante o lugar de cumprimento da obrigação de pagamento do preço dos bens ou dos serviços, mesmo que o pedido se fundamente nessa obrigação.

Vale isto por dizer que, quer da aplicação do regime geral (artigo 4.º), quer do critério especial do artigo 7.º, do Regulamento, resulta que, tendo os bens em causa sido vendidos e entregues na sede da ré na Holanda (conforme decorre do alegado pela autora no requerimento de injunção e no requerimento de 14/07/2016), é competente para o conhecimento do objecto em litígio os tribunais do local onde a ré tem a sua sede, ou seja, na Holanda.

Assim sendo, por aplicação das normas referidas, o tribunal...

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