Acórdão nº 11695/15.0T8PRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 04 de Maio de 2017

Magistrado ResponsávelFILIPE CARO
Data da Resolução04 de Maio de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 11695/15.0T8PRT.P1 (apelação) Comarca do Porto – Instância Local - Secção Cível Relator: Filipe Caroço Adj. Desemb. Judite Pires Adj. Desemb. Aristides de Almeida Acordam no Tribunal da Relação do Porto I.

O MINISTÉRIO PÚBLICO, ao abrigo do disposto nos artigos 25º e 26º, nº 1, al. c), do Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais[1], instituído pelo Decreto-lei n.º 446/85, de 25 de outubro (com as alterações introduzidas pelos Decretos-leis nºs 220/95, de 31/8, 249/99, de 07/7 e 323/2001, de 17/12), instaurou ação inibitória, com processo declarativo comum, contra BANCO B…, S.A., com sede …, nº .., Porto, alegando essencialmente que o R. tem celebrado com a pluralidade dos seus clientes um determinado contrato de adesão, denominado “Depósito à Ordem – Pessoas Singulares” que contém cláusulas lesivas dos interesses daqueles aderentes e que não são aceitáveis, antes proibidas, face ao direito constituído.

Com efeito, invocando a sua legitimidade para a instauração da ação inibitória, deduziu o seguinte pedido: «1) Serem declaradas nulas as seguintes cláusulas do Contrato de “Depósito à Ordem – Pessoas Singulares”, cujas condições gerais constituem o doc. nº 2: a) Cláusula 14ª, nº 1 (sob a epígrafe “Tratamento das instruções do Cliente”, referente ao segmento A - Condições gerais de contas de depósitos à ordem); b) Cláusula 15ª (sob a epígrafe “Compensação de créditos”, referente ao segmento A - Condições gerais de contas de depósitos à ordem); c) Cláusula 4ª, nº 9 (sob a epígrafe “Tratamento das instruções do Cliente”, referente ao segmento D - Condições gerais de utilização dos meios de comunicação à distância); d) Cláusula 12ª (sob a epígrafe “Autorização de débito”, referente ao segmento E - Condições gerais de crédito).

2) Ser o Réu condenado a abster-se de utilizar tais cláusulas em contratos que venha a celebrar no futuro, com as especificações previstas no art.º 30º, nº 1, e com as consequências previstas no art.º 32º do RCCG.

3) Ser o Réu condenado a dar publicidade à decisão (art.º 30º, nº 2, do RCCG) e a comprovar nos autos essa publicidade, em prazo a determinar na sentença, sugerindo-se que a mesma seja efetuada em anúncio a publicar em dois dos jornais de maior tiragem editados em Lisboa e Porto, de tamanho não inferior a ¼ (um quarto) de página, durante dois dias consecutivos, bem como em anúncio a publicar na página da internet do réu.

4) Proceder-se à comunicação prevista no art.º 34º do RCCG.

» (sic).

Citado, o R. contestou a ação no sentido de que as quatro cláusulas postas em causa pelo Ministério Público são válidas, mesmo à luz do RJCCG. Ainda negou parcialmente os factos alegados na petição inicial, defendendo a total improcedência da ação.

Teve lugar a audiência prévia, com prolação de despacho saneador tabelar, indicação do objeto do litígio e especificação dos temas de prova.

Realizada a audiência final, foi proferida sentença como seguinte dispositivo, ipsis verbis: «Pelo exposto, julga-se a acção integralmente procedente e em consequência: 1) Declaro nulas as seguintes cláusulas do Contrato de «Depósitos à Ordem- Pessoas singulares, condições gerais, Doc.2): a) Cláusula 14ª, nº 1 (sob a epígrafe “Tratamento das instruções do Cliente”, referente ao segmento A - Condições gerais de contas de depósitos à ordem); b) Cláusula 15ª (sob a epígrafe “Compensação de créditos”, referente ao segmento A - Condições gerais de contas de depósitos à ordem); c) Cláusula 4ª, nº 9 (sob a epígrafe “Tratamento das instruções do Cliente”, referente ao segmento D - Condições gerais de utilização dos meios de comunicação à distância); d) Cláusula 12ª (sob a epígrafe “Autorização de débito”, referente ao segmento E - Condições gerais de crédito).

2) Condena-se o Réu a abster-se de utilizar tais cláusulas em contratos que venha a celebrar no futuro, e que sejam do mesmo tipo dos acima referidos, com as especificações previstas no art.º 30º, nº 1, ficando sujeito em caso de incumprimento da proibição à sanção pecuniária compulsória prevista no art.º 32º do RCCG.

3) Condena-se o réu a dar publicidade à decisão (art.º 30º, nº 2, do RCCG) e a comprovar nos autos essa publicidade, no prazo de dez dias, mediante anúncio a publicar em dois dos jornais de maior tiragem editados em Lisboa e Porto, de tamanho não inferior a ¼ (um quarto) de página, durante dois dias consecutivos, bem como em anúncio a publicar na página da internet do réu.

4) Após trânsito, cumpra o disposto no artigo º 34º do RCCG (DL 446/85 de 25-10) remetendo-se ao gabinete de Direito Europeu do Ministério da Justiça certidão da sentença para os efeitos previstos na Portaria nº 1093/95 de 6 de Setembro.

Sem custas.

».

*Inconformado com a decisão sentenciada, o R. interpôs recurso de apelação em cujas alegações formulou as seguintes CONCLUSÕES: «1ª) O presente recurso tem por objecto reapreciar a decisão proferida pelo Tribunal a quo que fulminou de nulidade as quatro cláusulas gerais insertas em diversos capítulos das denominadas Condições Gerais de Depósito à Ordem – Pessoas Singulares que integram os Contratos de Depósito à Ordem que o Banco celebra com pessoas singulares, suas clientes; 2ª) As cláusulas declaradas nulas na sentença recorrida podem ser agrupadas em dois grupos, sendo que duas relacionam-se com as denominadas “interferências, interrupções, desconexões ou outras anomalias designadamente em consequência de avarias, sobrecargas ou outras eventualidades em relação às quais o Banco é completamente alheio” e outras duas com a faculdade conferida ao Banco de “fazer extinguir por compensação, total ou parcialmente, o crédito que detenha sobre o titular da conta ou qualquer um dois seus contitulares, procedendo ao débito, sem necessidade de aviso prévio, das importâncias que lhe sejam devidas por qualquer um dos referidos titulares em qualquer conta em que qualquer deles seja titular único ou contitular”; 3ª) Mal andou o Tribunal a quo ao dar como provado o que consta nos pontos 9, 10, 17 e 18 da matéria de facto, devendo dele ser excluídos e integrados os factos alegados nos arts. 20, 21, 22 e 54 da contestação: é isto que resulta da prova produzida em audiência de julgamento realizada no dia 07.12.2016, a saber, do depoimento das testemunhas C… (Min. 02:09 a 03:58) e D… (Min. 02:38 a 06:28); 4ª) Entende o Recorrente que também os pontos 13 e 14 da matéria de facto foram incorrectamente julgados, devendo o ponto 14 ser excluído e o ponto 13 conter a seguinte redação “A compensação pré-estabelecida na referida condição geral permite ao Banco atingir o património presumido do devedor cotitular da conta solidária”: a fundamentar a proclamada alteração à matéria de facto temos os depoimentos prestados por aquelas mesmas testemunhas C… (Min. 05:08 a 07:09 e Min. 10:33 a 10:40) e D… (Min. 10:38 a 12:14); 5ª) O facto 54 alegado na contestação do Banco também deveria ter sido considerado provado, posto que foi comprovado pelo depoimento das testemunhas C… (Min. 07:09 a 08:00) e D… Min. 06:28 a 08:56; Sem prescindir, 6ª) As cláusulas 14º nº 1 segmento A e 4º nº 9 segmento D não são nulas: basta atentar no conteúdo literal das mesmas para concluir que são claras no sentido de que essa desresponsabilização se limita – e limita-se apenas – aos casos em que ocorrem interferências, interrupções, desconexões ou outras anomalias nos serviços de comunicação à distância disponibilizados pelo Banco aos seus clientes, na produção dos quais o Banco é “completamente alheio”, quer por acção de terceiro, quer por casos de força maior.

7ª) Porque o Banco não dispõe, nem pode dispor, de controlo sobre as actividades nelas previstas, não assumindo qualquer cabimento que lhe sejam assacadas responsabilidades neste âmbito e perante estas circunstâncias, caso esta cláusula não existisse, o Banco ficaria à mercê de responder por danos decorrentes de actividades que não controla, em clara violação de regras estruturantes do regime jurídico da responsabilidade civil; 8ª) Na hipótese (rara ou absolutamente improvável) de a produção destas anomalias serem imputáveis a acção ou omissão do Banco, este responde e responde nos termos gerais perante o seu cliente, responsabilidade esta que as cláusulas sobre escrutínio Cláusula anulanda não exclui e até inculca; 9ª) O entendimento vertido na sentença recorrida é tanto mais surpreendente se atentarmos que o acórdão em que se louva para fulminar de nulidade as cláusulas aqui em apreço sufraga do entendimento por nós acolhido de que “VI – Não desrespeita o regime das clausulas contratuais gerais a cláusula em que a instituição de crédito se exime da responsabilidade resultante de acções ou omissões de terceiros determinante da interrupção do funcionamento de serviços informáticos e de telecomunicações cuja detenção e controlo pertence a terceiros e que a instituição de crédito não controla nem pode controlar”. Por outro lado, 10ª) As cláusulas 15ª segmento A e 12ª segmento E e que respeitam à compensação entre contas de que o devedor seja titular solidário são válidas e não violam o disposto na al. d) do art. 19º do DL 446/85, nem tão pouco o disposto no art. 15 do mesmo Diploma Legal.

11ª) Os depositantes, aquando da abertura da conta de depósito à ordem com mais de um titular, são livres de escolher qualquer um dos regimes de movimentação e uma vez feita essa escolha, e caso ela corresponda ao regime da solidariedade, os depositantes têm de se sujeitar às vantagens e desvantagens que o mesmo comporta.

12ª) Como colossal vantagem decorrente deste regime temos que cada depositante tem a faculdade de movimentar sozinho o saldo e até esgotá-lo, independentemente de a propriedade dos fundos depositados serem seus, estando o banco obrigado a fazer essa entrega, sendo que a sujeição a este regime importa, pois, a assumpção por cada uma delas de um risco: o risco de qualquer delas, traindo porventura a confiança dos demais, proceder ao levantamento do que se mostrar depositado.

13ª) E tal como resultou da...

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