Acórdão nº 628/14.1TDPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 31 de Maio de 2017

Magistrado ResponsávelNETO DE MOURA
Data da Resolução31 de Maio de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 628/14.1 TDPRT.P1Instância Central, 1.ª Secção de Instrução Criminal (J5), da Comarca de Aveiro Relator: Neto de Moura Acordam, em conferência, na 1.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação do Porto I – RelatórioNo âmbito do processo comum que, sob o n.º 628/14.1 TDPRT, corre termos pela Instância Central, 1.ª Secção de Instrução Criminal (J5), da Comarca de Aveiro, B…, devidamente identificado nos autos, que requereu e foi admitida a intervir como assistente (despacho de admissão a fls. 60), não se conformando com o despacho de arquivamento (despacho a fls. 110 e segs.) com que o Ministério Público encerrou a fase de inquérito, requereu a abertura de instrução (requerimento a fls. 130 e segs.), no termo da qual foi proferida decisão instrutória de não pronúncia (fls. 395 e segs.) dos arguidos C… e D….

Ainda irresignado, o assistente recorreu dessa decisão para este Tribunal da Relação, com os fundamentos explanados na respectiva motivação, que “condensou” nas seguintes conclusões (em transcrição integral): I – “O recorrido D… contactou o recorrente propondo-lhe a cessão da sua posição contratual num contrato promessa que tinha celebrado com a sociedade E…, L.da”, relativo à fracção autónoma designada pela letra «F» do prédio em regime de propriedade horizontal, sito na Rua …, …, Matosinhos.

II - Foi elaborado com data de 8-7-2012 e assinado pelos dois recorridos, mas nunca se concretizou.

III - Mais tarde os recorridos propuseram ao Recorrente a celebração de um contrato- promessa entre a sociedade E…, Lda, de que o C… era o único gerente, relativo não só à fracção autónoma designada pela letra "F", mas também à fracção autónoma do mesmo prédio, designada pela letra "J", livres de ónus ou encargos e já com data anterior a 8-7-2012.

IV - O recorrente aceitou prometer comprar tais fracções autónomas àquela sociedade, tendo-lhe sido apresentado o texto constante do doc. n° 1 junto com a participação inicial.

V - A formalização do acordo e a assinatura desse contrato foram concretizados no princípio do mês de Março de 2013.

VI - No entanto, no contrato-promessa totalmente elaborado pelos recorridos e apresentado ao recorrente foi aposta por aqueles, contra a verdade, a data de 5 de Abril de 2012.

VII - Tal inverdade resulta evidente do confronto do teor desse contrato-promessa com o teor dos documentos 3, 4 e 5, juntos com a participação inicial, onde o recorrido D… afirma que recebeu os cheques correspondentes ao sinal do contrato promessa no dia 10-03-2013.

VIII - Na altura foi dito pelos recorridos ao recorrente que aquelas fracções autónomas tinham sido previamente objecto de contrato-promessa entre eles, pelo que o sinal seria entregue ao D… e não à promitente-vendedora.

IX - Promitente vendedora que declarou na cláusula 3.ª do contrato-promessa ter recebido, a título de sinal, a quantia de 75.000,00 €, correspondente à soma dos três aludidos cheques dos documentos n°s 3,4 e 5, e que da mesma deu quitação.

X - A promitente vendedora mais declarou na cláusula 1a, sem reservas, que era dona e legitima possuidora das fracções autónomas que prometeu vender, livre de ónus e encargos - clausula 2a.

XI - Ora, nessa data de Março de 2013 a sociedade E…, Lda, já não era dona das fracções prometidas vender ao recorrente, facto que omitiu ao recorrente.

XII - E os recorridos C… e D… bem sabiam desse facto, tendo proposto a celebração de um contrato-promessa ao recorrente, sabendo "ab initio" que não seria passível de ser concretizado.

XIII - Tendo recebido do recorrente, pelo menos, a quantia de vinte e cinco mil euros em troca de um contrato-promessa que não iriam cumprir, conformando-se e pretendendo desse modo prejudicar e afectar o património do recorrente nessa mesma medida.

XIV - Objectivo que se estenderia a mais cinquenta mil euros, caso o recorrente não tivesse sabido a tempo daquela falsidade por eles declarada no contrato-promessa.

XV - Inquiridos nesse acto de outorga do contrato-promessa sobre a razão do desfasamento entre as datas da efectiva celebração do negócio e a constante do contrato-promessa destes autos, deram uma justificação ao recorrente, ou seja, que a mesma estaria relacionada com a data da celebração do contrato-promessa entre os recorridos.

XVI - Rematando de imediato que o recorrente até poderia beneficiar desse facto fazendo a escritura quase de imediato, face ao consignado na alínea c) da clausula 3a.

XVII - E porque esse era de facto o seu desejo, nada mais objectou, acreditando na afirmação dos recorridos.

XVIII - Quando ouvido nestes autos, objectou o recorrido C…, contra a verdade que celebrou o contrato-promessa em 05-04-2012 e, que, de qualquer maneira, não sabia da aquisição pelo Banco F…, S.A., das fracções autónomas, por nunca ter sido citado ou notificado dos actos de execução que conduziram à venda judicial daquelas ao "F…".

XIX - Da audição da senhora solicitadora de execução, no âmbito do processo, onde decorreu a venda, com o n° 3200/06.6TBPRD, resulta de forma inequívoca que aquela cumpriu todas as notificações que eram devidas, comunicando à sociedade E…, os diversos actos, desde a penhora até à venda, efectuada em Outubro de 2012.

XX - O gerente da sociedade E… e D… sabiam da venda e, por isso, tendo assinado o contrato promessa em 10-03-2013 apuseram a data de 5-4-2012, só para darem a entender que tal contrato tinha sido celebrado antes da venda.

XXI - E entregaram as chaves das referidas fracções ao recorrente.

XXII - O C… em representação da E…, Lda, não tinha intenção de vender fosse o que fosse ao recorrente e muito menos pelo preço global de cento e quinze mil euros aquelas duas fracções autónomas.

XXIII - Fracções autónomas que foram adjudicadas em hasta pública ao F… pelo preço global de 169.874,93 euros.

XXIV - Deste modo, ocultaram os recorridos ao recorrente o facto de o F… ser o proprietário ou, na sua versão o valor das hipotecas e das penhoras e, em consequência a indisponibilidade da E…, Lda, para vender, prometer vender e entregar as chaves ao recorrente das referidas fracções autónomas.

XXV - Os recorridos, ao proporem e concluírem o contrato-promessa com o recorrente estavam obrigados a informá-lo, pelo menos, dessas penhoras e hipotecas pendentes, se tivermos em conta a data de 05-04-2012, que excediam o valor de quinhentos mil euros.

XXVI - Já que bem sabiam que, se informassem o recorrente da adjudicação das fracções autónomas ou só do valor superior a 500.000,00 euros das hipotecas e das penhoras, no âmbito da execução, nem sequer contrato-promessa teria sido celebrado, por a tanto, se recusar obviamente o recorrente.

XXVII - Foi pois a astúcia, o engano dos recorridos ao afirmar contra a verdade que a sociedade E…, Lda era a proprietária das fracções autónomas, bem como a ausência de informação dos ónus ou encargos, que levou ao erro do recorrente e, por causa deste erro, a entregar aos recorridos vinte e cinco mil euros, tendo um prejuízo desse montante.

XXVIII - Não relevando o facto de o recorrente ter agido ingenuamente, pela circunstância de não ter ido saber à Conservatória quais os ónus ou encargos pendentes.

XXIX - Não ocorreu, no caso concreto, só um dolo subsequente, já que ele é precedente ou, pelo menos, contemporâneo da celebração do contrato promessa.

XXX - Indicia-se, assim, um crime de burla e não apenas um ilícito civil, pelo que os arguidos devem ser submetidos a julgamento nos termos da acusação formulada com o requerimento de instrução.

XXXI - A decisão recorrida violou, entre outros, o disposto nos artigos 217° e 218° do Código Penal”.

*Admitido o recurso (despacho a fls. 434) e notificados os sujeitos processuais por ele afectados, apenas, o Ministério Público apresentou resposta à respectiva motivação, concluindo que o despacho recorrido não violou qualquer norma legal, pelo que deve ser confirmado.

*Subiram os autos ao tribunal de recurso e, já nesta instância, na intervenção a que alude o n.º 1 do art.º 416.º do Cód. Proc. Penal, o Ex.

mo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer em que, divergindo da posição do Ministério Público na 1.ª instância, manifesta o entendimento de que a decisão recorrida está afectada de irregularidade, que é de conhecimento oficioso por afectar o valor do acto praticado (artigo 123.º, n.º 2, do CPP), pois que não enuncia quais os factos tidos por indiciados e não indiciados, pelo que “não é possível fazer incidir qualquer apreciação/juízo crítico sobre o mérito do despacho de não pronúncia proferido, afectando, por isso, a validade da própria decisão recorrida”.

*Foi cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, mas não foi apresentada qualquer resposta.

*Efectuado exame preliminar e colhidos...

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