Acórdão nº 10355/17.2T9PRT-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 14 de Dezembro de 2017

Magistrado ResponsávelERNESTO NASCIMENTO
Data da Resolução14 de Dezembro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo 10355/17.2T9PRT do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo de Instrução Criminal do Porto - J4 Relator – Ernesto Nascimento Adjunto – José Piedade Acordam, em conferência, na 2ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto I. Relatório I. 1. O B..., SA., invocando a qualidade de assistente, apresentou queixa-crime - e na mesma ocasião requereu a sua constituição como assistente – contra os denunciados C... e D..., ex-funcionários do seu escritório de representação no Brasil, imputando-lhes a prática de factos susceptíveis de integrar a previsão do tipo legal de crime de violação de segredo, p. e p. pelo artigo 195.° C Penal, porque, em resumo, no âmbito de processos judiciais que correm termos no Brasil (sujeitos a regime de publicidade), terem divulgado, sem autorização, documentos internos do banco e documentos relativos à situação bancária de diversos seus clientes, tendo assim, sido, publicamente, divulgados elementos cobertos e protegidos por segredo bancário, por dizerem respeito a clientes e, bem assim, à vida da própria instituição.

Sobre tal pretensão veio a recair o seguinte despacho: “os factos denunciados circunscrevem-se ao crime de violação de segredo, art.º 195º do C P, isto é, “quem, sem consentimento, revelar segredo alheio de que tenha tomado conhecimento em razão do seu estado, ofício, emprego, profissão ou arte”.

“O bem jurídico típico protegido do artigo 195.º é, assim, a privacidade em sentido material, em termos sensivelmente sobreponíveis aos da privacidade tutelada pelo artigo 192.º”, Comentário Conimbricense do Código Penal, T. I, § 13, pág. 777. Isto é, “… trata-se de um bem jurídico pessoal e autónomo, que reserva ao seu portador concreto o domínio exclusivo …”, ob. cit., pág. 731, in fine.

Nos termos do artigo 68.º/1 alínea a) C P Penal, podem constituir-se assistentes no processo penal os ofendidos, ou seja, os titulares dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação.

Nos termos expostos não é o queixoso, B..., S.A., face aos factos denunciados o titular desses interesses especialmente protegidos pela norma legal, mas dos clientes que aí refere.

Termos em que se rejeita o seu pedido de constituição como assistente nos autos.

Notifique e devolva.” I. 2. Inconformado com o assim decidido, interpôs o denunciante recurso - pugnando pela revogação de tal despacho - apresentando as conclusões que se passam a transcrever: 1. o presente recurso tem por objecto exclusivo o despacho proferido pelo Mm.° JIC que indeferiu o pedido de constituição de assistente apresentado pelo aqui Recorrente, por considerar que este não seria titular dos interesses especialmente protegidos pelo crime denunciado, violação de segredo, p. e p. pelo artigo 195.° C Penal; 2. o ora recorrente, que é uma instituição bancária, apresentou queixa-crime nos presentes autos contra C... e D..., aí denunciados, por estes terem junto a processos judiciais que cortem termos no Brasil diversa documentação relativa à vida da instituição e a informação bancária de clientes, incluindo extractos e movimentações, sem qualquer consentimento ou autorização do recorrente ou dos clientes afectados; 3. as condutas denunciadas consubstanciam a violação do dever de segredo bancário e, concomitantemente, a prática de tantos crimes de violação de segredo, p. e p. pelo artigo 195.° C Penal, quantos os clientes afectados e lesados pela revelação indevida e ilegal da respectiva informação bancária, conforme alegado na queixa-crime; 4. o regime substantivo do segredo bancário, previsto nos artigos 78.° e ss. do RGICSF, abrange quer os factos ou elementos relativos à vida da instituição, quer os factos ou elementos relativos à relação das instituições com os seus clientes, assumindo a violação desse segredo relevância criminal, em toda a sua extensão substantiva, no quadro da incriminação prevista no artigo 195.° C Penal, para a qual remete o artigo 84.° do RGICSF; 5. ainda que o tipo legal de crime de violação de segredo proteja a privacidade, em sentido material, dos titulares da informação coberta por segredo profissional, nomeadamente o sigilo bancário, a aludida incriminação, atendendo à relevante dimensão comunitária e de interesse público de alguns segredos profissionais (como é o caso do segredo bancário), protege igualmente o prestígio, a confiança e a credibilidade das profissões e actividades que se encontram vinculadas a um dever de segredo; 6. assim, o crime de violação de segredo, quando analisado sob a específica perspectiva do segredo bancário e do respectivo regime substantivo (tal como interpretado, entre o mais, pelo acórdão de uniformização de jurisprudência 2/2008, do Supremo Tribunal de Justiça), visa proteger não apenas a privacidade e reserva da informação que se encontra sob segredo, mas também interesses da própria instituição bancária, na sua qualidade de primeiro responsável pela manutenção rigorosa do segredo bancário e seu verdadeiro garante, atenta a dimensão comunitária e de interesse público deste segredo; 7. o recorrente, enquanto instituição bancária, é, assim, interessado directo no cumprimento escrupuloso do dever de segredo bancário e na repressão das suas eventuais violações, quer em vista da apontada dimensão comunitária e de interesse público do próprio segredo, quer numa óptica de preservação da respectiva imagem de credibilidade e da confiança que os clientes depositam na instituição bancária — interesses esses protegidos através da incriminação prevista no artigo 195.° C Penal; 8. no caso presente, pois, e em suma, o aqui recorrente assume a qualidade de titular dos “interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação p. e p. pelo artigo 195.° C Penal, depondo nesse sentido a correcta interpretação e aplicação dos artigos 68.°/1 alínea a) C P Penal e 113.º/1 e 195.° C Penal (que foram indevidamente interpretados e aplicados no despacho recorrido).

  1. 3. Na resposta a Magistrada do MP defende o provimento do recurso.

  2. 4. Antes de se ordenar a subida dos autos, não consta que haja sido proferido o despacho a que alude o artigo 414º/4 C P Penal.

  3. Subidos os autos a este Tribunal o Exmo. Sr. Procurador Geral Adjunto emitiu parecer, no sentido do provimento do recurso.

    No exame preliminar o relator deixou exarado o entendimento de que nada obstava ao conhecimento do respectivo mérito.

    Seguiram-se os vistos legais.

    Foram os autos submetidos à conferência e dos correspondentes trabalhos resultou o presente acórdão.

  4. Fundamentação.

  5. 1. Como é sabido, o objecto dos recursos é balizado pelas conclusões da motivação apresentada pelo recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas - a não ser que sejam de conhecimento oficioso - e, que nos recursos se apreciam questões e não razões, bem como, não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.

    Assim, de forma clara, expressa e inequívoca, o âmbito do recurso respeita à questão de saber se o denunciante tem legitimidade para se constituir assistente nos autos.

  6. 2. O teor da queixa.

    Na queixa apresentada pelo ora recorrente, denunciam-se factos, que, pretensamente, traduzem a violação de segredo bancário, por parte de C... e D..., ambos ex-trabalhadores do escritório de representação do denunciante, no Brasil, denominado B1..., Lda.

    A Denunciada C... ingressou no referido B1..., no Brasil, em 1 de Dezembro de 2004, onde exerceu a sua actividade como Assistente Administrativa na unidade de ..., Rio de Janeiro.

    O Denunciado D... ingressou no mesmo B1..., então ainda designado B2..., LTDA., em 5 de Janeiro de 1998, tendo aí exercido a sua actividade na qualidade de “analista de crédito”.

    Em 2016, os vínculos laborais entre os denunciados e o denunciante cessaram, após aviso prévio: ela cessou o seu contrato de trabalho em 22 de Novembro de 2016 e, ele cessou a sua relação laboral com o B... em 1 de Julho de 2016.

    No seguimento da cessação dos respectivos contratos, os denunciados intentaram, no Brasil, acções judiciais contra o mencionado B1....

    No contexto das acções judiciais intentadas, os denunciados pedem ambos a declaração judicial da sua putativa “condição de bancário’.

    Em particular, a Denunciada C... pede a condenação do B1... no Brasil, aí réu, “ao pagamento...

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