Acórdão nº 62/15.6Y7PRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 11 de Setembro de 2017

Magistrado ResponsávelPAULA LEAL DE CARVALHO
Data da Resolução11 de Setembro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Procº nº 62/15.6Y7PRT.P1 Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 1002) Adjuntos: Des. Rui Penha Des. Jerónimo Freitas Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:I. RelatórioFrustrada a tentativa de conciliação que teve lugar na fase conciliatória da presente ação declarativa de condenação, com processo especial de acidente de trabalho, B…, patrocinada pelo Ministério Público, apresentou petição inicial demandando Companhia de Seguros C…, S.A., pedindo que: seja a Ré condenada a pagar-lhe: a) Indemnização por incapacidade temporária, calculada com base na retribuição anual ilíquida €10.443,36, pelo período de 13 dias de ITA perfazendo o montante de €260,37; b) A quantia de €40,40 respeitante a despesas com deslocações ao INML e ao Tribunal; c) A quantia de €9,00 com despesas clínicas decorrentes ao acidente. d) Juros de mora à taxa legal sobre a referida importância, a contar do vencimento da obrigação, nos termos do art. 135º, do CPT.

Alega para tanto que: em 10-01-2015 sofreu um acidente de trabalho quando se encontrava ao serviço da sua entidade patronal, D…, S.A., entidade que havia transferido a sua responsabilidade infortunística relativa a acidentes laborais para a ré; desse acidente resultaram para a autora dores e contusão do ombro e do tórax, lesões que demandaram para cura um período de ITA desde 10/01/2015 até 22/01/2015, tendo ainda despendido €44,40 em deslocações obrigatórias ao INML e ao tribunal, e €9,00 pela aplicação de injetáveis prescritos e fornecidos pelos serviços clínicos da ré.

A Ré contestou, negando, em síntese, a caracterização do ocorrido como acidente de trabalho por falta de causa externa à autora, pedindo a sua absolvição do pedido formulado.

Proferido despacho saneador, selecionada a matéria de facto assente e controvertida, esta objeto de base instrutória, e realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, contendo a decisão da matéria de facto, que julgou a “ação parcialmente procedente e, em consequência, decide-se: a) Condenar a ré Companhia de Seguros C…, S.A. a pagar à sinistrada B… a quantia de €260,37 (duzentos e sessenta euros e trinta e sete cêntimos), a título de indemnização pelo período de ITA por si sofridos, e a quantia de €16,80 (dezasseis euros e oitenta cêntimos), quantias acrescidas de juros, desde a data do vencimento da respetiva obrigação, até integral pagamento, absolvendo-a do demais demandado.

Custas por todas as partes, nas proporções do respetivo decaimento, sem prejuízo da isenção de que goza a autora.”.

Inconformada, a Ré recorreu, tendo formulado, a final das suas alegações, as seguintes conclusões: “1. Ocorreu erro da decisão da matéria de facto, na medida em que o ponto 4º da BI deve passar a ser dado como NÃO PROVADO.

  1. Impõe tal decisão o depoimento da sinistrada, do qual resulta, nos excertos invocados no corpo destas alegações, que o evento danoso em que contraiu as lesões retratadas nos autos não ocorreu nem no tempo nem no local de trabalho.

  2. Alterando-se a matéria de facto nos moldes sugeridos, temos que a resposta ao quesito 4º da BI deve passar a ser de NÃO PROVADO ou, no máximo, PROVADO APENAS QUE O EVENTO EM APREÇO – QUEDA DA SINISTRADA – OCORREU NO TEMPO DE TRABALHO DA A. MAS NÃO NO SEU LOCAL DE TRABALHO.

  3. Ao decidir diferentemente, o Mmo Juiz a quo errou na apreciação da matéria de facto e violou o Art. 197º Cód. Trab. assim como a al. a) do nº 2 do Art. 8º e o Art. 9º da Lei 98/2009.

  4. Além disso, e salvo o devido respeito, o Mmo. Juiz a quo não considerou na decisão da matéria de facto matéria que, embora não alegada pelas partes, resultou da instrução da causa, com isso violando o nº 1 do Art. 72º CPT.

  5. Efectivamente, dos excertos transcritos em sede de alegações do depoimento da sinistrada resultou claro que estamos perante uma situação de predisposição patológica, a qual a mesma jamais deu a conhecer à sua entidade patronal nem à Apelante.

  6. De tais excertos do depoimento da Apelada resulta claro o seguinte: a mesma não efectuou qualquer esforço, não ocorreu qualquer evento, como ser sujeita a luzes que a incomodassem, uma discussão com um cliente ou colega, uma qualquer situação de stress ou agressividade para o seu organismo.

  7. Pura e simplesmente, não aconteceu rigorosamente NADA que afectasse o seu organismo, não houve qualquer evento lesivo do mesmo.

  8. Muito pelo contrário, ficou bem claro que o que ocorreu resultou de causa endógena da Apelada - padece há anos de tensão baixa, sendo frequente ter situações de mal estar como a dos autos sem que nada estranha ao seu organismo o despoletasse.

  9. Condição clínica que a Apelada jamais narrou à sua entidade patronal e, muito menos, à Apelante.

  10. mas que se trata de matéria que deveria ter sido considerada pelo Tribunal a quo, pois que padecendo a Apelada de tal maleita – tensão baixa - e tendo sido a crise de tonturas ou vertigens determinada apenas por tal predisposição patológica, tem inteira aplicabilidade ao caso dos autos o estatuído no nº 1 do Art. 11º da Lei 98/2009 que estatui o seguinte: “A predisposição patológica do sinistrado num acidente não exclui o direito à reparação integral, salvo quando tiver sido ocultada.“ 12. Ao não considerar tal matéria e não absolver a Apelante o Mmo. Juiz a quo violou os Arts. 72º nº 1 do CPT assim como o Art. 11º da Lei 98/2009.

  11. Mesmo que se entenda que não deve ser alterada a decisão da matéria de facto nem deve a mesma ser ampliada nos termos do nº 1 do Art. 72º CPT – ocorreu erro na decisão de Direito.

  12. É pacífico entre a Doutrina e a Jurisprudência dominantes que, para que de um acidente de trabalho se possa falar, tem que haver a ocorrência de um acidente, ou seja, um facto ou evento naturalístico cuja verificação é o ocasional, imprevista ou súbita, repentina, de duração curta e limitada no tempo o, o qual tem de ser de origem externa à constituição da vítima, o qual tem que ocorrer no tempo e no local de trabalho, tendo que se verificar um nexo entre tal trabalho ou a relação laboral e o evento.

  13. Nada disso ocorre no caso dos autos – o evento decorreu apenas de causa endógena, do próprio organismo da Apelada, e, de todo o modo, não se verifica o requisito consagrado no Acórdão do STJ de 16/09/2015, Proc.º 112/09.5TBVP.L2.S1 em que se declara o seguinte: “I. A verificação de um acidente de trabalho demanda a presença de um elemento espacial (em regra, o local de trabalho) e de um elemento temporal (que em regra se reconduz ao tempo de trabalho) que expressem uma adequada conexão com a prestação laboral.

  14. Ora, da factualidade apurada não resulta qualquer espécie de conexão, qualquer nexo, muito menos causal, entre o alegado acidente e a relação laboral da Apelada.

  15. A A. teve a má disposição que a afectou por razões puramente endógenas ao seu organismo, como teria caso estivesse de férias ou se estivesse na rua ou em casa ou em qualquer outro local em que se encontrasse, totalmente alheia ao seu trabalho.

    Nestes termos, nos mais de Direito e sempre com o mui Douto suprimento de V. Exas., deve a Douta Sentença ser substituída por outra que altere a decisão sobre a matéria de facto nos moldes propostos e absolva a Apelante ou, ainda que assim não se entenda, sempre deve tal absolvição ser declarada, na medida em que dos factos apurados não resulta matéria consubstanciadora do conceito de acidente de trabalho, (…).” A Recorrida contra-alegou, tendo formulado, a final das suas alegações, as seguintes conclusões: “1. A impugnação do ponto 4 da base instrutória (a que corresponde o ponto 17 da sentença) que considerou provado que o evento em apreço – queda da sinistrada – ocorreu no local e no tempo do trabalho, não merece relevância nem condiciona a decisão; 2. Em rigor, pela sua natureza conclusiva, poderia até ser omitido da fundamentação de facto.

  16. Todos os demais factos elencados na fundamentação da sentença demonstram, claramente, que o evento que afetou a sinistrada ocorreu no local e no tempo de trabalho.

  17. Provando-se que a sinistrada, quando se encontrava a desempenhar funções na área comercial da empresa, se sentiu indisposta e recolheu á área administrativa para se restabelecer, tendo caído da cadeira onde se sentou e embatido com o braço e as costelas no chão, temos por verificado um acidente de trabalho.

  18. Não descaracteriza o acidente de trabalho a circunstância de não se verificar nexo causal entre a prestação efetiva do trabalho e o acidente.

  19. É inequívoco que no momento e local do sinistro, a vítima se encontrava na empresa sujeita á autoridade da sua empregadora e por causa do seu desempenho laboral.

  20. Nem afasta a verificação do acidente de trabalho o facto de a sinistrada previamente é queda no solo ter sentido uma indisposição ou tontura.

  21. O conceito de acidente de trabalho encontra-se em permanente atualização, aceitando-se, atualmente, que nem o acontecimento exterior, direto e visível, nem a violência são critérios indispensáveis á caraterização do acidente.

  22. Por conseguinte, a decisão recorrida assenta numa criteriosa fundamentação de facto com suporte integral na prova produzida e traduz uma correta interpretação da lei, não merecendo qualquer reparo; Pelo que se entende que deve ser mantida nos seus precisos termos, negando-se provimento ao recurso.”.

    Foi determinada, pela ora relatora, a baixa dos autos à 1ª instância para fixação do valor da ação, na sequência do que veio o mesmo a ser fixado em €1.318,65.

    Deu-se cumprimento ao disposto no art. 657º, nº 2, 1ª parte do CPC/2013.

    ***II. Decisão da matéria de facto proferida pela 1ª instância A.

    Na 1ª instância foi dado como provado o seguinte: “Assentes em sede de saneamento dos autos 1 - A A., B…, trabalha sob as ordens, direção e fiscalização de “D…, SA”, no estabelecimento sito na Rua …, nesta cidade, com a categoria e as funções de operadora de supermercado.

    2 - À data de 10.01.2015, a entidade patronal tinha a sua responsabilidade infortunística sobre a autora transferida para a Ré, C… SA (Apólice...

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