Acórdão nº 356/16.3T8STS.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 21 de Abril de 2016

Magistrado ResponsávelFILIPE CARO
Data da Resolução21 de Abril de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 356/16.3T8STS.P1 (apelação) Comarca do Porto - Santo Tirso - Inst. Central - 1ª Sec. Comércio Relator: Filipe Caroço (por vencimento) Adj. Desemb. Pedro Lima Costa Adj. Desemb. Pedro Martins Acordam no Tribunal da Relação do Porto I.

No dia 29.1.2016, B… e mulher, C…, melhor identificados nos autos, instauraram processo especial de revitalização[1], tendo por objetivo a aprovação de um plano de recuperação da sua situação financeira.

Na comunicação inicial dirigida ao juiz, prevista na al. a) do nº 3 do art.º 17º-C do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas[2], os requerentes alegam, sumariamente, o seguinte: - Estão reformados e têm como único rendimento pensões no valor mensal de € 929,26 e € 811,61; - Para auxiliarem uma filha de ambos, os requerentes contraíram dois empréstimos, nos valores de € 56.453,52 e de € 68.580,32; - Iniciaram incumprimento na satisfação desses dois empréstimos e incorreram em situação económica difícil, encontrando-se atualmente na iminência da insolvência; - Porém, ainda têm possibilidade de recuperação financeira, desde que cheguem a acordo com os seus três credores; - Um dos credores aceitou, por escrito, iniciar negociações com os requerentes, a fim de se encontrar um plano de recuperação financeira.

A 4.2.2016 foi proferida decisão de indeferimento liminar do PER, invocando-se que “o processo de revitalização se dirige somente a devedores empresários” e que trata de “devedor em cujo património se integre uma empresa”.

*Inconformados com a decisão, dela apelaram os requerentes devedores, alegando com as seguintes CONCLUSÕES: - O douto despacho recorrido não admitiu o PER apresentado pelos recorrentes, porquanto considerou que este instituto não se aplica a pessoas singulares.

- Conclusão que retira do facto de entender que, quanto às pessoas singulares, já beneficiam da possibilidade de suspender a declaração de insolvência através da apresentação de um plano de pagamentos.

- Tal possibilidade em nada distingue as pessoas singulares das pessoas coletivas que beneficiam da mesma possibilidade de apresentar um plano de insolvência e dessa forma encerrar o processo de insolvência.

- Com o devido respeito, andou mal o despacho recorrido, porquanto nenhuma distinção é feita na lei que permita concluir que o PER não se aplica às pessoas singulares, pelo contrário.

- Acresce que até ao aparecimento do PER qualquer pessoa singular que se encontrasse em situação económica difícil, ou em situação de insolvência meramente iminente, acabava, na maioria dos casos, por ser declarada insolvente, sofrendo todos os efeitos negativos associados à declaração de insolvência, isto para não falar do estigma social que ainda hoje é associado à declaração de insolvência.

- A interposição de um PER permite, assim, às pessoas singulares fugir a esse estigma.

- Tem sido sufragado pelos credores tal entendimento, dado que, como se pode constatar, são inúmeros os casos em que os credores votam favoravelmente os muitos planos apresentados no âmbito do PER de pessoas singulares não titulares de empresas.

- O entendimento acolhido no douto despacho recorrido cria uma desigualdade inexplicável e legalmente injustificável entre as pessoas singulares não titulares de empresas e as pessoas singulares titulares de empresas.

- A acolher o entendimento do despacho recorrido, as pessoas singulares, ao contrário das coletivas e das pessoas singulares titulares de empresas, mesmo estando em situação económica difícil, devem aguardar até estarem insolventes para poderem recorrer a um eventual plano de pagamentos, visto que a sua recuperação através de um plano de pagamentos, em sede de PER, lhes estaria vedada.

- Essa desigualdade de tratamento na aplicação da lei é, além de ilegal, inconstitucional.

- O despacho recorrido que indeferiu liminarmente o PER interposto, socorrendo-se de uma exceção que, oficiosamente, conheceu, foi proferido mais de 10 dias após o dia da distribuição.

- Nesta medida, a petição foi à distribuição no dia 30 de janeiro de 2016.

- E o despacho de indeferimento é de 16 de fevereiro de 2016.

- O art.º 27º do CIRE determina que o despacho de indeferimento deve ser proferido no prazo máximo de 3 dias úteis após o dia da distribuição.

- Prazo que o tribunal não respeitou.

- Não pode, por ilegal, ser proferido despacho de indeferimento liminar do PER interposto, mais de 10 dias após o dia da distribuição.

- Tal indeferimento liminar já não se encontra na disponibilidade do tribunal, que não o proferiu em tempo, e nada foi alegado que justificasse tal atraso.

- A decisão recorrida viola o disposto nos art.ºs 17º-A e 27º do CIRE e o disposto no art.º 13 da Constituição da República Portuguesa (direitos fundamentais).

- Por outro lado, onde a lei não distingue não deve ser o seu aplicador a fazer tal distinção, assumindo tarefa que cabia ao legislador.

- Talvez por esse motivo, os novos art.ºs 17º-A a 17º-I do CIRE, que regulam o processo especial revitalização, em momento algum referem que a sua aplicação está limitada às pessoas coletivas ou entidades equiparáveis, antes anunciando, expressamente, que o processo de revitalização pode ser utilizado “por todo o devedor”.

- Assim, não deixa de ser aplicável às pessoas singulares, quando estas estejam na situação descrita e sejam financeiramente responsáveis – cfr. nº 2 do art.º 17º-A.

- Podem, assim, recorrer ao procedimento especial de revitalização todos os sujeitos previstos no art.º 2, prevalecendo o critério da autonomia patrimonial, tenham ou não personalidade judiciária.

- No caso, não foi dada aos recorrentes sequer a hipótese de provar que tal mecanismo pelo que procederam (PER), ou pelo menos tinham a intenção, era devido ao facto de terem sido fiadores numa dívida destinada ao exercício da atividade comercial e empresarial assumida para o auxílio da sua filha.

- Na verdade, os recorrentes não exerceram, por si, uma atividade empresarial, no entanto, com a fiança atrás e por si obrigada, a mesma é subsidiária das obrigações assumidas pelo exercício da atividade comercial da sua filha D….

- O PER não pode deixar de ser considerado uma inovação que o legislador quis introduzir no CIRE como procedimento mais flexível, com vista a solucionar situações problemáticas que conduziriam necessariamente à insolvência dos devedores se não fossem tomadas, de acordo com os credores, medidas suscetíveis da sua recuperação.

- Por isso, as pessoas singulares têm vindo a recorrer a tal mecanismo a fim de resolverem a sua situação económica difícil ou a situação de insolvência iminente, tendo os tribunais aceitado o uso do PER, ao que pensamos, sem porem reticências à sua aplicação às pessoas singulares.

- Do que se expôs, ao contrário do que defendeu o Julgador a quo na decisão impugnada, entendemos que aos requerentes é lícito fazerem uso do PER tendo em vista a sua recuperação económica e com vista ao cumprimento das suas obrigações.

- Nestes termos, merece procedência o recurso, sendo de revogar a decisão impugnada.

*Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

*II.

O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões da apelação, acima transcritas, sendo que se apreciam apenas as questões invocadas e relacionadas com o conteúdo do ato recorrido e não sobre matéria nova, exceção feita para o que for do conhecimento oficioso (cf. art.ºs 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º do Código de Processo Civil).

O Tribunal deve apreciar todas as questões decorrentes da lide, mas não necessariamente todos os argumentos ou raciocínios das partes, bastando o que for suficiente para resolver cada questão[3].

Atentas as conclusões das alegações dos recorrentes e seguindo uma ordem de coerência lógica, somos chamados a apreciar e decidir: 1. Da ilegalidade do indeferimento liminar do requerimento dos devedores por ter sido apresentado fora de prazo; 2. Se as pessoas singulares reformadas, cujos rendimentos provêm das...

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