Acórdão nº 2194/13.6TBPNF.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 21 de Novembro de 2016

Magistrado ResponsávelCURA MARIANO
Data da Resolução21 de Novembro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 2194/13.6TBPNF.P1 Processo n.º 2194/13.6TBPNF – Comarca do Porto Este – Penafiel – Instância Central – Secção Cível – J3 Relator: João Cura Mariano Adjuntos: Maria José Simões Augusto Carvalho Autora: B…, Limitada Ré: – C…, Limitada*A Autora instaurou a presente ação declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra a Ré, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 60.000,00, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais causados, acrescida dos respetivos juros de mora vincendos, desde a data da citação da presente ação até efetivo e integral pagamento.

Para tanto, e em síntese, alega que a Ré, ao peticionar o arresto de bens da Autora, alegou factos falsos e não agiu com a prudência normal, pois que, se o tivesse feito, não lhe seria difícil apurar que o património da Autora integra um activo financeiro de imóveis e móveis sujeitos a registo de valor muito superior ao crédito da Ré, o que afastava a necessidade de decretar o peticionado arresto, designadamente tornava inexistente o justo receio de perda da sua garantia patrimonial. Mais alegou os danos que dessa conduta da Ré resultaram para a Autora.

A Ré contestou, excecionando a ilegitimidade processual da Autora, em relação a algumas das indemnizações peticionadas e impugnando, de forma motivada, alguns dos factos. Mais alegou que a Autora nenhum entrave colocou ao arresto dos bens, pelo que, ao atuar como atua, encontra-se em manifesto abuso de direito.

Concluiu pela procedência daquela exceção processual e, para o caso de assim não se entender, defendeu a sua absolvição do pedido.

A Autora respondeu, pronunciando-se sobre a exceção arguida, defendendo a sua legitimidade para pedir as indemnizações questionadas.

Foi proferido despacho saneador, onde se julgou improcedente a exceção de ilegitimidade deduzida pela Ré.

Realizou-se audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença que julgando parcialmente procedente a ação, condenou a Ré a pagar à Autora, a quantia de € 8.000,00, acrescida dos juros de mora, à taxa legal de 4%, vincendos desde a data da prolação da presente sentença até integral e efetivo pagamento do capital em dívida.

Absolveu a Ré do demais peticionado pela Autora.

A Ré recorreu desta decisão, concluindo as suas alegações do seguinte modo: A decisão recorrida julgou contra o Direito e a realidade dos factos, ao arrepio das normas de direito substancial e adjetivo, o que justifica a apresentação do presente recurso de apelação, já que a Recorrente não se conforma com a decisão proferida que a condenou a pagar à Recorrida a quantia de € 8.000,00 (oito mil euros) a título de danos não patrimoniais por esta sofridos.

A prova produzida em audiência de julgamento jamais poderia ter levado o Tribunal a considerar PROVADOS os factos n.ºs 7.º e 9.º e NÃO PROVADO o facto n.º 11.

O facto provado sob n.º 7 "que à data do decretamento do arresto em causa, a autora não estava numa situação económica difícil nem era do conhecimento da ré nem do público em geral que a autora estivesse numa situação de pré-falência não liquidando os seus débitos" (sublinhado e negrito nosso); o facto provado sob o n.º 9, que a "ré era conhecedora desta situação, tendo alegado o contrário no procedimento cautelar de arresto em causa, por forma a viabilizar o mesmo"; e o facto não provado sob o n.º 11.º, que "os factos alegados pela ré no requerimento inicial do procedimento cautelar de arresto se tivessem alicerçado nos factos que lhe foram sendo reportados e conhecidos da ré, nomeadamente informações prestadas por funcionários da autora, fornecedores, clientes, cartas devolvidas, não receção de contactos por parte da autora, e informações prestadas por outros fornecedores".

Isto porque a prova destes factos não emergiu de qualquer documento junto aos autos, bem como da prova testemunhal que nestes autos prestou o seu depoimento.

Em boa verdade, todas as testemunhas, sem exceção, D…, E…, F…, G…, H…, I…, J… (todas indicadas pela Recorrida), bem como da testemunha indicada pela Recorrente, Dra. K…, Agente de Execução, jamais referiram quaisquer factos suceptiveis de terem levado o Tribunal a considerar tal matéria como provada.

Compulsada a totalidade dos seus depoimentos nas sessões de julgamento de 07.10.2015, 16.10.2015 e 19.11.2015 (cfr. audições dos seus depoimentos), resulta que nenhuma das testemunhas se pronunciou sobre a circunstância ou possibilidade da Ré ter tido ou não conhecimento da situação económico- financeiro da Autora.

Se nem sequer nenhuma das testemunhas foi inquirida quanto a esse facto (da Ré saber ou pelo menos desconhecer com culpa grave a situação económico-financeira da Autora), como foi capaz o Tribunal recorrido de considerar provado tais factos? A resposta está dada na sentença em crise: através do recurso às regras da experiência comum, pois, compulsada a motivação da resposta à matéria de facto resulta que o Tribunal recorrido apenas o considerou "de acordo com as regras da experiência comum, que seria impossível à ré desconhecer tal situação e supor ou ter elementos para supor que a situação fosse aquela que alegou no requerimento de arresto que apresentou no Tribunal (...) "de acordo, também, com as regras da experiência comum, o tribunal convenceu-se que a ré sabia muito bem que a situação financeira da autora era aquela que foi dada como provada e não aquela que alegou naquele procedimento cautelar de arresto, até porque, no meio comercial tornam-se rapidamente conhecidas quer as efetivas dificuldades financeiras quer a efetiva "saúde financeira das empresas" - cfr. Trans. Parcial de fl.

10 da Sentença (sublinhado nosso).

Ora, a Recorrente nos autos processo cautelar de arresto n.º 128103/125YIPRT, do 3º Juízo do Tribunal Judicial de Penafiel, deduziu factos que o Tribunal nestes autos considerou bastantes para decretar a providência cautelar (c/r. Factos provados 2 e 3), tendo o mesmo sido realizado de acordo com fls 219 a 242 dos autos (facto provado n.º 4).

A Recorrente não mentiu ao Tribunal, não tendo usado quaisquer factos falsos, relatando aquilo que lhe foi trazido ao seu conhecimento (algumas informações por um ex-trabalhador da Recorrida) de factos relacionados com a má situação financeira da Recorrida, que foi corroborado no Tribunal pelas testemunhas indicadas que também dos factos tinham conhecimento (cfr. Requerimento Inicial e decisão que decretou o arresto em fls dos autos).

Tais factos, apreciados em momento prévio à propositura do arresto demonstravam, perante o homem médio que exerce a sua atividade comercial, a existência de uma frágil situação económico-financeira da Autora, imputável à própria Recorrida e à situação económico financeira em que se encontrava e que era do conhecimento da Recorrente.

Face aos factos que conhecia, a Recorrente socorreu-se da tutela jurisdicional, lançando mão do procedimento cautelar de arresto, tipificado pelo legislador para este tipo de situações, sendo que perante tais factos o Tribunal pronunciou-se em sentido afirmativo (c/r. Facto provado 3), após ouvir a prova testemunhal e compulsada toda a prova documental junta autos.

Urge ainda referir que o Tribunal não requereu qualquer diligência de prova, o que poderia ter feito oficiosamente, sendo que o procedimento cautelar foi decretado não pela Recorrente, mas pelo Tribunal que considerou a existência do periculum in mora e que, apesar de julgada procedente a Oposição ao Arresto, pelos mesmos factos aqui alegados, jamais referiu o Tribunal que a Recorrente tenha enganado/ludibriado os autos pela prova carreada para os autos pela Recorrente.

Por um lado, se fosse tão manifesto quanto parece referir a sentença recorrida, de acordo com as "regras da experiência comum", deveria o Tribunal, quando tendo julgado procedente a Oposição ao Arresto, ter condenado a Recorrente como litigante de má-fé, não só no próprio procedimento cautelar, como na Oposição sendo que tal condenação é de conhecimento oficioso, o que não sucedeu, ao abrigo do anterior 456.º n.s 1 do CPC (atual 542.º, o que, objetiva e manifestamente, não sucedeu, Para além disso, conforme ensina o Conselheiro António Santos Abranges Geraldes, "(...) o simples facto de ter sido julgada improcedente a ação principal não determina necessariamente a responsabilização do requerente pelos prejuízos causados ao requerido" (Cfr.

António Santos Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, III Volume, 3.ª Edição, Procedimentos Cautelares, Almedina, janeiro de 2004, p. 321), o mesmo sucedendo para a Oposição ao procedimento cautelar 1.

Não é pelo simples facto da providência cautelar ter sido julgada improcedente, que automaticamente a Recorrente fica obrigada a indemnizar a Recorrida, não podendo o Tribunal recorrido ter olvidado que os presentes autos tinham por objeto a apreciação da responsabilidade civil do requerente de providência cautelar infundada, de acordo com o consignado no art. 374.º do Código de Processo Civil.

Dispõe tal normativo que se a providência cautelar for considerada injustificada ou vier a caducar por facto não imputável ao requerente, responde este pelos danos culposamente causados ao requerido, quando não tenha agido com a prudência normal, sendo que para que o Tribunal Recorrido se socorresse deste normativo, teria a Recorrida que provar que a Recorrente não agiu com a prudência normal conforme resulta da nossa abundante jurisprudência sobre esta matéria.

A este propósito, chama-se aqui à colação o já decidido por este Colendo Tribunal da Relação do Porto, "I - Para que sobre o requerente de providência cautelar considerada injustificada impenda o dever de indemnizar ao abrigo do art. 390, n° 1 do Cód. do Proc. Civil, é necessário que este, ao requerê-la, não tenha agido com a prudência normal, a qual corresponde à diligência do bom pai de família, ou seja da pessoa normalmente cuidadosa e prudente; II - A prova deste facto compete ao lesado, requerido na providência" (cfr.

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