Acórdão nº 494/14.7T8GDM.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 24 de Outubro de 2016

Magistrado ResponsávelJORGE SEABRA
Data da Resolução24 de Outubro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 494/14.7T8GDM.P1 - Apelação Origem: Comarca do Porto – Gondomar – Instância Local – Secção Cível (J2).

Relator: Jorge Seabra 1º Adjunto Des.

Sousa Lameira.

  1. Adjunto Des.

Oliveira Abreu* Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto: I - RELATÓRIO 1.

B… e C…, intentaram a presente ação declarativa de condenação contra Santa Casa da Misericórdia de D…, na pessoa do seu provedor, pedindo a condenação desta a realizar as obras constantes do auto de vistoria realizada pela Câmara Municipal de E…, a fim de dotar o locado das condições normais e condignas de habitabilidade e ainda a pagar-lhe a quantia nunca inferior a € 2 000,00, a título de indemnização por danos morais.

Alegaram, para tal e em suma, que é a Autora arrendatária de um prédio sito na Travessa …, n.º.., …, o qual carece de obras, porquanto o telhado já não detém a necessária estanquicidade, penetrando no interior do locado humidades e águas da chuva, não apresentando as condições normais de salubridade e habitabilidade que qualquer habitação deve ter, tendo sido alvo de vistoria por parte da Camara Municipal que emitiu parecer sobre as obras necessárias. Mais alegaram que o facto de viverem em condições péssimas de habitabilidade lhes tem causado prejuízos a nível de saúde.

2.

A ré contestou impugnando parcialmente a factualidade alegada, sustentando, ainda, que o objeto do arrendamento constituía um anexo que os proprietários construíram para habitação, que nunca foi licenciado, nem objeto de alvará de licença de ocupação.

Por outro lado, invocou que será desproporcional a exigência das obras reclamadas em razão do valor arrendado e porque dessa desproporção é de tal modo insustentável e irreal que só resta a resolução do contrato de arrendamento, o que peticionou em sede de reconvenção.

3.

Os AA. responderam à reconvenção, mantendo a sua pretensão inicial, impugnando parcialmente a factualidade alegada e sustentando, no essencial, que o pedido de resolução do contrato de arrendamento é ilegal e não assenta em qualquer fundamento válido.

4.

Foi dispensada a convocação de audiência prévia, proferido despacho de saneamento do processo e enunciação do objeto do litígio e temas de prova.

5.

Procedeu-se a julgamento, vindo a ser proferida sentença que julgou improcedente a acção, absolvendo a Ré dos pedidos contra si formulados, e prejudicada a apreciação da reconvenção deduzida pela Ré/Reconvinte.

*6.

Não se conformando com o assim decidido, vieram os AA. interpor recurso de apelação, concluindo as suas alegações nos seguintes termos: A. Exactamente por o imóvel ser vetusto é que nele se impõe fazer obras; B. Obras estas impostas pela Ex.ª Câmara Municipal de E…; C. Ou seja, por uma Entidade Oficial que tem nas suas obrigações zelar pelas boas condições do parque habitacional do seu Concelho; 4. As obras a efectuar podiam reduzir-se a um montante de 4.870€; 5. Montante este que a Ré bem poderia suportar face ao seu património e que primordialmente estava a manter e valorizar o seu parque habitacional (composto por inúmeras habitações); 6. Alegar que a reda vigente é diminuta e por essa razão é inviável obrigar o senhorio a executar obras urgentes em tal fogo é tentar “tapar o sol com uma peneira”, já que, a renda está actualizada igualmente como uma renda de um fogo que fosse arrendado actualmente; 7. A Ré pediu a resolução do contrato de arrendamento numa tentativa desesperada de conseguir o fogo devoluto e assim poder vender o terreno onde o prédio está implantado por altíssimo preço!!!; 8. Em conclusão, a Sentença peca por má interpretação da matéria de facto e má aplicação da Lei.

9. Que levaria a uma Decisão totalmente diferente.

Assim, (…) deverá ser julgada procedente e provada a Apelação, revogando-se a Sentença em crise por outra que condene a R. na execução de obras constantes no Auto de Vistoria ou aquelas que a V.ª Ex.ªs no Vosso prudente arbítrio alcançarem.

*6.

A Ré apresentou contra-alegações pugnando pela improcedência da apelação.

*7.

Foram cumpridos os vistos legais.

* II- FUNDAMENTOSO objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso -cfr. cfr. arts. 635º, nº 3, e 639º, nsº 1 e 2, do Código de Processo Civil [doravante designado apenas por CPC].

*No seguimento desta orientação, é apenas uma a questão essencial a decidir no presente recurso, qual seja, saber-se se deveria o tribunal recorrido ter condenado a Ré, na sua indiscutida qualidade de proprietária/senhoria do locado em apreço, na execução das obras descritas no auto de vistoria da Câmara Municipal de E….

* A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO O tribunal recorrido julgou como provada a seguinte factualidade: 1-Em data não concretamente apurada, mas anterior a 16 de Julho de 1982, F… cedeu o uso e fruição da habitação situada na Travessa …, n.º.., …, …, a G….

2- Em 16 de Julho de 1982 G…, com a aceitação da senhoria, cedeu a sua posição contratual no contrato referido em 1) à autora, conforme documento de folhas 5 e 6, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, com efeitos a partir de 1 de Agosto de 1982.

3- Pela contrapartida do uso e fruição da habitação referida em 1) a autora paga atualmente à ré a quantia de €56,33 (cinquenta e seis euros e trinta e três cêntimos), já atualizada nos termos do NRAU.

4- O telhado da habitação referida em 1) permite que as humidades e águas das chuvas penetrem no interior do locado, enchendo de fungos e bolores as paredes e tectos do arrendado.

5- Os autores interpelaram a ré para proceder à realização das obras no locado.

6- Em 26 de Novembro de 2013 foi realizada Vistoria de Obras e Salubridade pela Câmara Municipal de E…, na qual esteve presente o senhor Provedor da Santa Casa da Misericórdia de D…, no âmbito da qual foi emitido o seguinte parecer: verificou-se que as patologias estão relacionadas com a fraca qualidade de construção, nomeadamente a ausência de isolamento térmico. É parecer desta Comissão que seja recomendado ao proprietário a melhoria de toda a envolvente, através da colocação de isolamento térmico, que poderá ser pelo exterior, bem como proceder à reparação da cobertura igualmente atendendo ao necessário isolamento térmico», conforme de folhas 11 e 17, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

7- As empenas estão cheias de porosidades por onde entram as humidades.

8- As humidades sentidas originam que as paredes interiores e tetos do locado se enegreçam com bolores com fungos, causando perigo para a saúde de quem aí habita, o que tem causado «stress» aos autores.

9- As humidades e enegrecimentos das partes interiores são causados pelas deficiências no exterior.

10- O autor apresenta incapacidade superior a 60% e está reformado por invalidez.

11- A habitação não foi licenciada nem objeto de alvará de licença de ocupação, mas sendo construções anteriores a 1951, são consideradas regularizadas, quer em termos de licenciamento, quer em termos de licença de habitabilidade.

12- Em Janeiro de 2012 a renda passou de €18,70 para €19,30 e posteriormente foi actualizada para €56,33.

13- Em 13 de Novembro de 2014 a Camara Municipal de E… informou os autores ter notificado a ré para no prazo de 60 dias executar as obras no locado.

14- O Departamento de Urbanismo da Camara Municipal de E… elaborou orçamento das obras necessárias a realizar no prédio no valor global de €8 597,50, nos termos que constam de folhas 119 a 121, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

* III- O DIREITOA.

Considerando o objecto da presente apelação, a primeira questão que importa dirimir reporta-se à obrigação do senhorio de levar a cabo as obras de reparação do locado, constantes do auto de vistoria da CM de E….

Vejamos.

Não se suscitam dúvidas de que estamos na presença de um contrato de locação, na modalidade de arrendamento para habitação.

O contrato de locação consiste, nos termos legais, no vínculo jurídico pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário da coisa, mediante retribuição – cfr. art. 1022º do Cód. Civil.

Nessa decorrência, e em termos essenciais, o dito contrato gera para o locador a obrigação de entrega da coisa locada ao locatário e, ainda, na obrigação de lhe assegurar o gozo da mesma para os fins a que a coisa se destina, ao passo que ao locatário incumbe, de modo essencial, o pagamento da respectiva contrapartida, isto é a renda.

Trata-se, portanto, nos termos gerais, além do mais, de um contrato bilateral, oneroso [pois...

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