Acórdão nº 996/13.2JAPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 04 de Maio de 2016
Magistrado Responsável | MARIA DEOLINDA DION |
Data da Resolução | 04 de Maio de 2016 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
RECURSO PENAL n.º 996/13.2JAPRT.P1 2ª Secção Criminal 4ª Secção Judicial CONFERÊNCIA Relatora: Maria Deolinda Dionísio Adjunto: Jorge Langweg Acordam os Juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto: I – RELATÓRIO No processo comum, com intervenção de tribunal singular, n.º 996/13.2JAPRT, da Comarca do Porto Este, Lousada – Instância Local – Secção Criminal-J1, por sentença proferida a 9 de Julho de 2015[1], foi o arguido B…, com os demais sinais dos autos, absolvido da prática do crime de abuso sexual de crianças, previsto e punível pelo art. 171º, n.º 1, do Cód. Penal que lhe estava imputado.
*Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões: (transcrição)
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Nos presentes autos foi deduzida acusação contra o arguido B…, imputando-lhe a prática de um crime de abuso sexual de crianças p. e p. pelo art.º 171.º/1 do Código Penal.
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Por sentença de 09/07/2015 foi absolvido o arguido do crime de que vinha acusado.
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Todavia da leitura da sentença resulta a existência de erro notório na apreciação da prova, já que existe contradição entre factos dados como provados e factos dados como não provados, bem como violação clara das regras da experiência comum.
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Com efeito, a douta sentença considerou como provado, além do mais que: “o arguido era amigo de C… e de D… progenitores da menor E…; Em data indeterminada do mês de agosto de 2012 o arguido ofereceu à menor E… um telemóvel de marca “LG”; a menor recebeu mensagens enviadas pelo telemóvel do arguido com o seguinte teor: “anda lá aproveitar e assim já sabes o que é fazer amor...sai comigo dou-te o que queres, ninguém precisa de saber”; Já na posse do segundo telemóvel de marca “Huawei” oferecido pelo arguido a ofendida continuou a receber, além de outras, as seguintes mensagens enviadas do telemóvel do arguido: No dia 10 de maio de 2013, pelas 11h12m “esta comigo quando queres sair aproveita que tens sorte”; b) No mesmo da pelas 11.25 horas “marca amanhã ou segunda anda ninguém sabe. Bjs”; c) seguidamente pelas 11h31m “marca dou tudo que queiras ninguém Sabe muitos bj gosto de ti”; d) pelas 15h35m “esta bem sabemos os dois muitos bjs” e que o arguido carregou por diversas vezes o telemóvel da ofendida E…. Que o arguido é reformado auferindo cerca de € 380 a título de reforma.” e) Como não provado considerou a douta sentença, além do mais, os seguintes pontos: “As mensagens referidas foram enviadas pelo arguido. Agiu o arguido de forma deliberada, livre e consciente, com o propósito concretizado de molestar sexualmente a menor E… forçando-a, contra a sua vontade, à prática de ato sexual de relevo, bem sabendo que a sua conduta era de molde a impedir o livre desenvolvimento da personalidade e a autodeterminação da mesma o que representou. O arguido sabia que a sua conduta era prevista e punida por lei penal.” f) A M.ma Juiz ao dar como não provados os factos supra descritos baseou a sua convicção nas declarações do arguido prestadas em sede de audiência de julgamento uma vez que este “negou ter enviado as mensagens em causa, explicando que tinha vários homens e rapazes a trabalhar para si que tinham livre acesso ao telemóvel, deste modo explicando a possibilidade de as mensagens terem sidas enviadas do seu telemóvel mas por outra pessoa”.
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Ora, olvidou a M.ma Juiz que já havia dado como provado que o arguido é reformado auferindo cerca de €380 mensais a título de reforma.” h) Assim sendo, não é compatível o facto “de o arguido ser uma pessoa reformada”, com o facto de ter “vários homens e rapazes a trabalhar para si”.
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Na verdade estes factos além de configurarem uma contradição entre si, são também contrários às regras da experiência comum.
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Mas, ainda que se admitisse a hipótese, como o fez a M.ma Juiz, de ter sido outra pessoa a enviar mensagens do telemóvel do arguido, o que, sublinhe-se, não é compatível com as regras da experiência, impunha-se ao tribunal esclarecer quem poderia ter sido, o que não fez, indagando nomeadamente: - quantos eram os homens/rapazes a trabalhar para o arguido; - quais eram as suas identidades; - porque razão tinham livre acesso ao telemóvel do arguido; - se conheciam a menor e as circunstâncias em que se deu tal conhecimento.
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Ora, nada disso consta da douta sentença, quedando-se o tribunal na aplicação do confortável princípio ”In dubio pro reo”, e olvidando por completo a sua missão de carrear factos essenciais à descoberta da verdade material (se dúvidas existiam no seu espírito).
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Na verdade e dando a sentença como provado que, o arguido era amigo de C… e de D…, progenitores da menor E…; que em data indeterminada do mês de agosto de 2012 o arguido ofereceu à menor E… um telemóvel de marca “LG”; que a menor recebeu mensagens enviadas pelo telemóvel do arguido com o seguinte teor: “anda lá aproveitar e assim já sabes o que é fazer amor...sai comigo dou-te o que queres, ninguém precisa de saber”, que “Já na posse do segundo telemóvel de marca “Huawei” oferecido pelo arguido a ofendida continuou a receber, além de outras, as seguintes mensagens enviadas do telemóvel do arguido: a) No dia 10 de maio de 2013, pelas 11h12m “ esta comigo quando queres sair aproveita que tens sorte”; b) No mesmo da pelas 11.25 horas “marca amanhã ou segunda anda ninguém sabe. Bjs”; c) seguidamente pelas 11h31m “marca dou tudo que queiras ninguém Sabe muitos bj gosto de ti”; d)pelas 15h35m “esta bem sabemos os dois muitos bjs”, que o arguido carregou por diversas vezes o telemóvel da ofendida E…”, fácil é de concluir, à luz das regras da experiência comum, que foi o arguido a enviar tais mensagens, ainda mais em face das declarações vagas do próprio, não comprovadas por qualquer meio de prova e contraditórias com a restante factualidade – nomeadamente com o facto de se encontrar desempregado.
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Por outro lado, quanto às declarações da vítima para memória futura entendeu a M.ma Juiz que, estas “por si só e também face à parca circunstancialização dos alegados actos, não é suficiente para levar à condenação do arguido em tais termos, permanecendo a dúvida no espírito do julgador”.
n)Também aqui não se compreende o raciocínio do tribunal ao entender que a “circunstancialização” dos alegados factos foi parca e ao permanecer passivo não a chamando a menor/vitima a concretizá-los.
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Ou seja o raciocínio desenvolvido pelo julgador contraria as mais básicas regras da experiência comum já que fazendo apelo a estas, e depois de lida a factualidade dada como provada e não provada e tendo em conta o raciocínio que conduziu às mesmas, teríamos de chegar à conclusão absolutamente contrária.
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Assim, de harmonia com as regras da lógica e da experiência comum os factos dados como não provados nos pontos referidas em 3.2.5.; 3.2.9. e 3.2.10, estão julgados incorrectamente.
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Na verdade, os factos dados como provados e não provados na sentença recorrida e a fundamentação que os justifica não formam um todo logicamente coerente, denotando os mesmos erro na apreciação da prova.
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Em face de todo o exposto, deve o presente recurso ser julgado procedente e, por essa razão, ser a douta sentença revogada e substituída por outra que condene o arguido pela prática de um crime de abuso sexual de crianças p. e p. pelo art. 171.º/1 do Código Penal.
***Admitido o recurso, por despacho de fls. 321, não houve resposta.
Neste Tribunal da Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto e bem sustentado parecer, acompanhando os fundamentos do recurso interposto e sufragando ainda a existência de nulidade da decisão, por insuficiência de fundamentação, a impor a respectiva reformulação pelo julgador.
Cumpriu-se o disposto no art. 417º n.º 2, do Cód. Proc. Penal, não tendo havido qualquer resposta.
Realizado exame preliminar e colhidos os vistos legais, vieram os autos à conferência que decorreu com observância das formalidades legais, nada obstando à decisão.
***II – FUNDAMENTAÇÃO 1.
Para além das matérias de conhecimento oficioso [v.g. art. 410º n.º 2, do Cód. Proc. Penal], são apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar [v., Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Tomo III, 2ª ed., pág. 335 e Ac. do STJ de 20/12/2006, Processo n.º 06P3661, in dgsi.pt].
Assim, no caso sub judicio o recorrente suscita a existência de erro notório na apreciação da prova.
*2.
A fundamentação de facto realizada pelo tribunal a quo, na decisão recorrida e no que ao caso interessa, é a seguinte: (transcrição mantendo numeração original)
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Factos Provados 3.1.1.- O arguido era amigo de C… e de D…, progenitores da menor E…, nascida a 8 de dezembro de 1998.
3.1.2.- Em data não apurada do mês de outubro de 2012 o...
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