Acórdão nº 4441/10.7TXPRT-J.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 25 de Maio de 2016

Data25 Maio 2016
ÓrgãoCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 4441/10.7TXPRT-J.P12º Juízo do Tribunal de Execução das Penas do Porto Acordam, em Conferência, os Juízes desta 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: I – RELATÓRIO No processo gracioso para concessão de liberdade condicional nº 4441/10.7TXPRT, do 2º Juízo, do Tribunal de Execução de Penas do Porto, por decisão judicial de 03 de fevereiro de 2016, não foi concedida a liberdade condicional ao condenado B…, que em 02.11.2015 cumpriu 2/3 da pena.

Inconformado com a decisão, veio o condenado interpor recurso, consoante motivação de fls. 7 a 38 deste apenso, que remata com as seguintes conclusões: A. O presente recurso tem por objecto a decisão proferida pelo Tribunal de Execução de Penas do Porto, em 03-02-2016, que não concedeu a liberdade condicional ao Recorrente.

  1. É entendimento do Recorrente que mal andou o Tribunal a quo ao não conceder-lhe liberdade condicional, em suma, por se encontrem in casu verificados os respectivos pressupostos legais.

  2. A decisão recorrida funda-se na “acentuada gravidade” do ilícito praticado, na não assunção pelo Recluso da prática do crime pelo qual cumpre pena e a inexistência de qualquer medida de flexibilização da pena.

  3. Entendeu o Tribunal a quo que os “aspectos positivos” [o comportamento prisional adequado e isento de qualquer medida disciplinar (nada consta do seu registo disciplinar), o investimento escolar (na primeira fase do cumprimento da pena, frequentou o ensino, concluindo o 9º ano de escolaridade), a ocupação laboral (trabalhou como faxina da desportiva da ala 2 e desde 03/10/2014 que está colocado como faxina do bar da ala 2, com empenho e assiduidade), o apoio familiar (pretende integrar o agregado familiar da companheira, formado pela própria e um descendente, adulto, cuja disponibilidade para o apoiar é total) e o enquadramento laboral (encontra-se em situação de pré-reforma, mas pretende trabalhar como motorista de longo curso, na empresa do filho] não são suficientes, por si só, para permitir ao Tribunal fazer um prognóstico favorável à reinserção do condenado” (sic, in decisão recorrida).

  4. O Recorrente encontra-se, no estabelecimento prisional de C…, a cumprir uma pena de 7 anos e 6 meses de prisão, em consequência da condenação pela prática de um crime de abuso sexual de menores agravado.

  5. Conforme liquidação da pena, atingiu o meio da pena em 02 de Agosto de 2014, completando os dois terços da mesma em 02 de Novembro de 2015 e os 5/6 estão previstos para 02 de Fevereiro de 2017 – vide ponto 2.º da factualidade relevante considerada pelo tribunal a quo.

  6. Em crise está, pois, a concessão da liberdade condicional a dois terços da pena.

  7. Veio ora a Mma. Juiz a quo decidir, não obstante se verificarem os pressupostos formais da liberdade condicional, para além do consentimento do condenado, não colocar o aqui Recorrente em liberdade condicional por entender não resultar preenchido o circunstancialismo previsto no art. 61.º n.ºs 2, al. a) e 3 do Código Penal; I. Funda-se a decisão a quo na falta de juízo de prognose favorável, o desvalor objectivo dos factos e necessidade de prevenção especial, derivada da acentuada gravidade do crime e da não assunção da prática do crime (e subsequente não arrependimento).

  8. Primeiramente, é nosso entendimento que a decisão recorrida peca por defeito no que tange à fixação da factualidade relevante para a decisão.

  9. Eis o primeiro ponto sobre o qual incide o presente recurso: insuficiência e imprecisão da matéria factual a que o Tribunal a quo se ateve para a decisão em crise.

    L. Pois, se por um lado, a Mma. Juiz a quo não deixa de dar, indevidamente, especial ênfase à descrição factual dos abusos pelos quais o recluso foi condenado e asseverar a acentuada gravidade do crime, bem assim os supostos problemas de consumo abusivo de álcool que o Recluso, por outro, deixa no olvido circunstâncias relevantes, essas sim, como sendo que tais problemas de consumo de álcool a terem existido foram há 20 anos atrás, além de ignorar o adequado comportamento do Recluso, consentâneo com as ordens dadas e o respeito que manifesta pela autoridade, o que resulta documentado nos autos.

  10. Desta feita, não cuidou a Mma. Juiz a quo de relevar que o Recluso mantém um comportamento adequado às normas, acata as ordens dadas e manifesta respeito pela autoridade.

  11. Isso mesmo resulta do relatório da DGRS (pág.4, ponto 4.2) a fls. 123 dos autos: “(…) há a salientar (…) o facto de manter um comportamento adequado às normas e regras institucionais”, “tem mantido uma conduta consentânea com o normativo vigente” (pág. 5, ponto 6); bem assim do relatório da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais datado de 03-08-2015 a fls.115 (4.2 Comportamento e disciplina. De forma geral mantém um comportamento adequado às normas, sem registo de qualquer sanção disciplinar neste estabelecimento, acata as ordens dadas e manifesta respeito pela autoridade” – sic).

  12. De resto, vide ponto 6.º da decisão de não concessão de liberdade condicional a metade da pena proferida em 01-12-2014: “De forma geral mantém um comportamento adequado às normas, acata as ordens dadas e manifesta respeito pela autoridade.” P. Tal factualidade porquanto atinente ao comportamento do arguido no período de execução de pena e demonstrada documentalmente nos autos, não poderia deixar de ser levada à factualidade a relevar pelo Tribunal a quo para a decisão proferir – cfr. art. 61.º n.º 2 a) do Código Penal.

  13. Concluindo, deverá ser aditado à factualidade relevante para a decisão que o Recluso mantém um comportamento adequado às normas, acata as ordens dadas e manifesta respeito pela autoridade.

  14. De outra banda, no que concerne à alusão aos problemas de consumo de álcool que o tribunal parece ter relevado, transpondo para a factualidade determinante (vide ponto 9 da factualidade com relevo para a decisão), atentasse o tribunal em todos os dados factuais, e concluiria que a terem existido, foi há 20 anos, o que não é de todo indiferente.

  15. Veja-se o relatório da Direcção-Geral de Reinserção Social a fls. 122 (página 3, ponto 3.º) em que é feita tal menção; Bem como ponto 9.º da decisão de não concessão de liberdade condicional a metade da pena proferida em 01-12-2014, de onde resulta que “Teve problemas de consumo abusivo de álcool, encontrando-se abstinente há mais de 20 anos, altura em que terá realizado tratamento” (sic, in decisão de 01-12-2014, proferida nos autos a fls. 77).

  16. Assim sendo, pois que ao Tribunal não interessam meias verdades ou parte dos factos, deverá ser especificado e aditado ao ponto 9.º que o Recluso regista historial de consumo abusivo de álcool encontrando-se abstinente há mais de 20 anos, altura em que terá realizado tratamento.

  17. Em conclusão, no nosso modesto entendimento, não podia, o Tribunal recorrido deixar de transpor para a factualidade demonstrada nos autos relevante para a decisão a proferir: - o Recluso mantém um comportamento adequado às normas, acata as ordens dadas e manifesta respeito pela autoridade; - teve problemas de consumo abusivo de álcool, encontrando-se abstinente há mais de 20 anos, altura em que terá realizado tratamento.

    V. Em suma, por se tratar de factualidade atinente à personalidade e passado do agente e ao comportamento do Recluso no período de execução de pena, a factualidade a que se alude não podia deixar de ser atendida e valorada favoravelmente ao Recluso pelo Tribunal a quo.

  18. Por outro lado, e ainda que se conclua não ser de alterar a matéria factual relevante (provada) para a decisão a proferir, contra o acima expendido, sempre se dirá o que segue, X. No que respeita ao primeiro fundamento em que o Tribunal a quo se baseou para decidir pela não concessão da liberdade condicional ao Recorrente, a gravidade do crime pelo qual o Recluso foi condenado, ter-se-á de concluir, com o devido respeito, que a Mma. Juiz a quo, ao valorá-lo nos termos em que o fez, incorreu em manifesto erro.

  19. Muito se estranha e até não se compreende (porquanto em crise está a liberdade condicional a dois terços da pena e não metade, não relevando as exigências de prevenção geral) que o tribunal a quo dê especial ênfase à gravidade do crime, per si, chegando ao ponto de, aliás, transcrever, por mais de uma vez na decisão recorrida, parte do acórdão condenatório, mormente a descrição dos abusos sexuais pelos quais o Recorrente foi condenado.

  20. Desta feita, o tribunal a quo reporta-se à gravidade do crime para concluir pelo elevado desvalor objectivo dos factos subjacentes ao crime, manifestado na forma de cometimento do mesmo.

    AA. Sucede que tal valoração contende, quando muito, com a defesa da ordem e paz social (exigências de prevenção geral) cuja compatibilidade com a libertação não constitui requisito para a concessão da liberdade condicional em crise (a dois terços) – cfr. art. 61.º n.ºs 2 e 3.º do CP.

    BB. Em concreto, a gravidade do crime e a forma de cometimento do mesmo, nada diz quanto ao arguido viver no futuro sem praticar crimes que é o que ora releva; CC. Nem tão pouco o Tribunal cuida de dilucidar em que termos a gravidade do crime permite concluir pelo juízo de prognose desfavorável quanto ao futuro do Arguido.

    DD. Como é sabido, a concessão da liberdade condicional, quando se encontrar cumprida dois terços da pena, depende da possibilidade de se formular um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do condenado uma vez restituído à liberdade.

    EE. Acresce que quanto ao desvalor objectivo dos factos descritos no acórdão condenatório, já foi considerado no momento da aplicação da medida da pena e a sua consideração para apreciação da liberdade condicional importa uma violação do principio do “ne bis in idem”.

    FF. A gravidade do tipo de crime cometido pelo arguido não releva enquanto tal nesta sede – o regime da liberdade condicional não está excluído quanto a alguma categoria de crimes –; GG. E não relevam nesta fase do cumprimento da pena (cumpridos que são dois terços desta) as exigências...

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