Acórdão nº 216/16.8GBFLG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 11 de Abril de 2018

Magistrado ResponsávelMARIA DEOLINDA DION
Data da Resolução11 de Abril de 2018
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

RECURSO PENAL n.º 216/16.8GBFLG.P1 2ª Secção Criminal Conferência Relatora: Maria Deolinda Dionísio Adjunto: Jorge Langweg Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto: I - RELATÓRIO

  1. No âmbito do processo comum, com intervenção de Tribunal Colectivo, n.º 216/16.8GBFLG, do Juízo Central Criminal de Penafiel-J3, da Comarca do Porto Este, por acórdão proferido a 26 de Outubro de 2017, foram julgados e absolvidos os arguidos B...

    e C...

    , ambos com os demais sinais dos autos, da prática de 3 (três) crimes de furto simples, previstos e puníveis pelo art. 203º, n.º 1, do Cód. Penal, e de 2 (dois) crimes de furto qualificado, um deles na forma tentada [art. 22º, n.ºs 1 e 2, al. c)], previstos e puníveis pelos arts. 203º, n.º 1 e 204º, n.º 2, al. e), todos do Cód. Penal. O primeiro arguido foi ainda absolvido da prática do crime de condução sem habilitação legal, previsto e punível pelo art. 3º, n.º 2, do Dec. Lei n.º 2/98, de 3/01, que também lhe estava imputado.

    b) E foram condenados os arguidos: I) D...

    , com os demais sinais dos autos, na pena única de 3 (três) anos de prisão, suspensa na sua execução, por igual período, mediante regime de prova, em resultado do cúmulo jurídico que englobou as seguintes penas parcelares: > 6 (seis) meses de prisão pela prática de 1 (um) crime de furto simples, previsto e punível pelo art. 203º, n.º 1, do Cód. Penal; > 6 (seis) meses de prisão pela prática de 1 (um) crime de furto simples, previsto e punível pelo art. 203º, n.º 1, do Cód. Penal; > 6 (seis) meses de prisão pela prática de 1 (um) crime de furto simples, previsto e punível pelo art. 203º, n.º 1, do Cód. Penal; > 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão pela prática de 1 (um) crime de furto qualificado, previsto e punível pelo art. 204º, n.º 2, al. e), do Cód. Penal; > 8 (oito) meses de prisão pela prática de 1 (um) crime de furto qualificado, na forma tentada, previsto e punível pelos arts. 22º e 204º, n.º 2, al. e), do Cód. Penal.

    2) E...

    , com os demais sinais dos autos, na pena única de 13 (treze) meses de prisão, suspensa na sua execução, por igual período, mediante regime de prova, em resultado do cúmulo jurídico que englobou as seguintes penas parcelares: > 7 (sete) meses de prisão pela prática de 1 (um) crime de furto simples, previsto e punível pelo art. 203º, n.º 1, do Cód. Penal; > 9 (nove) meses de prisão pela prática de 1 (um) crime de furto qualificado, na forma tentada, previsto e punível pelos arts. 22º e 204º, n.º 2, al. e), do Cód. Penal.

    c) Inconformados, os arguidos D... e E... interpuseram recurso finalizando a motivação com as seguintes conclusões: (transcrição)Arguido D...

    I – DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

    1. No que concerne ao facto 2 dado como provado na decisão proferida pelo tribunal a quo, a verdade é que não se logrou provar que tenha sido o arguido D... que se tenha apoderado do veículo automóvel ligeiro de passageiros, porquanto o que apenas se logrou provar é que o mesmo foi indicar aos agentes da GNR o local onde se encontravam alguns sacos de roupa.

    2. Partir-se daqui e “presumir” que foi o arguido quem se apoderou do veículo com a matrícula ..-..-EV, é algo que o nosso direito penal não permite.

    3. Da apreciação dos depoimentos prestados quer pelos agentes da GNR F... e G..., quer pela proprietária do veículo com a matrícula ..-..-EV, H..., impunha-se que este facto dado como provado fosse decidido em sentido inverso e, portanto, como não provado, impondo-se a absolvição do arguido quanto a este crime.

    4. No que concerne ao ponto n.º 5 dos factos provados consta que não foi aplicado de forma inteiramente correta o princípio da presunção de inocência, que faz recair sobre o MP o ónus de provar o crime.

    5. A possibilidade dos vestígios de cristas palmares recolhidos por cima do fecho exterior da porta do condutor, não é por si só indício suficiente para concluir que foi o arguido D... que furtou o referido veículo, tanto mais que o mesmo nem sequer sabe conduzir e tais vestígios foram encontrados no exterior da viatura.

    6. O Tribunal cria justificações para dar os factos 2 e 5 supra identificados como provados, sempre onerando em demasia, dizemos nós, a posição processual do arguido com especiais deveres de cuidado e utilizando eventuais possibilidades que levaram à condenação do mesmo.

    7. A decisão recorrida padece de uma fundamentação de excessivo pendor conjetural quanto à imputação dos comportamentos delituosos ao arguido.

    8. No enquadramento jurídico-penal dos factos, o Tribunal "a quo" volta a incorrer na conjetura, optando por descrever a versão que lhe pareceu, sem sequer se ter averiguado se a mesma corresponde à verdade.

    9. O tribunal a quo para fundamentar a condenação do arguido relativamente aos factos supra identificados, recorreu à prova indireta, que consiste na existência de presunções naturais, ou seja, em ilações que, com base nas regras da experiência, se retiram de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido.

    10. A simples indicação por parte do arguido onde se encontravam os bens que estariam na bagageira do veículo com a matrícula ..-..-EV, bem como a mera existência vestígios de cristas palmares do arguido, no exterior do veículo automóvel com a matrícula ..-..-EN, é insuficiente para provar a sua participação nos furtos pelos quais foi condenado em seis meses de prisão para cada um deles, sendo certo que ninguém presenciado os furtos.

    11. De facto, atendendo aos elementos probatórios carreados para os autos impunha-se que os factos provados sob os números 2 e 5 não deveriam ter sido dados como provados, devendo a decisão proferida em 1ª Instância ser substituída por uma outra em que considere não provado que: NUIPC 341/16.5GAFLG – apenso D: 2. Igualmente a hora não concretamente apurada, mas entre os mesmos dias 27/05/2016 e 28/05/2016, já na Avenida ..., em frente ao Edifício ....-..., ..., Felgueiras, indivíduos não identificados abandonaram o Honda ... de cor cinzenta, tendo o arguido D... se apoderado do veículo automóvel ligeiro de passageiros, Honda ..., de cor vermelha, de matrícula ..-..-EV, ali estacionado, e de três sacos de roupa de Inverno que estavam na respectiva mala, tudo no valor de 1.400€, contra a vontade e sem autorização da sua proprietária H....

      NUIPC 362/16.8GAFLG – apenso A: 5. A hora não concretamente apurada, entre a noite do dia 06/06/2016, e as primeiras horas do dia 07/06/2016, na Rua ..., ....-..., ..., Felgueiras, o arguido D... apoderou-se do veículo Ford ..., de matrícula ..-..-EN, que ali se encontrava estacionado, contra a vontade e sem autorização da proprietária I..., Lda., veículo esse de valor concreto não apurado.

      II – DA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO L) Não há prova direta de que o arguido foi o autor dos furtos constantes dos factos 2 e 5 da matéria de facto provada, tendo o tribunal condenado o arguido com recurso à prova indiciária.

    12. Os únicos indícios que apontam para o arguido é a indicação do local onde foram encontrados sacos com roupas, para além doutros objetos e a existência de vestígios de cristas palmares no exterior do veículo ..-..-EN, pertencentes ao arguido, aqui Recorrente.

    13. Quando um facto não pode ser atribuído senão a uma causa - facto indiciante -, o indício diz-se necessário e o seu valor probatório aproxima-se do da prova direta. Quando o facto pode ser atribuído a várias causas, a prova de um facto que constitui uma destas causas prováveis é também somente um indício provável ou possível.

    14. No caso em apreço, apenas resultou provado que o arguido indicou um local onde se encontravam sacos de roupa e que foram recolhidos no exterior do veículo com a matrícula ..-..-EN, vestígios de cristas palmares pertencentes ao arguido. A indicação do local onde se encontravam os sacos apenas demonstram que o arguido sabia onde estavam os mesmos e os vestígios de cristas palmares no exterior do veículo, só demonstram que o arguido tocou no veículo pelo seu exterior, naturalmente acessível a qualquer pessoa que passasse junto do mesmo. Mas já não demonstram que foi o arguido que furtou os veículos referidos em 2 e 5 da matéria de facto dada como provada.

    15. Existem apenas indícios, os quais não são um “indício necessário”, sendo antes compatível com várias causas. Assim, não havendo outros elementos probatórios que vão no sentido de atribuir de forma indubitável a autoria dos furtos ao arguido, estes factos não podem ser dados como provados. Na ausência do juízo de certeza, vale o princípio de presunção de inocência do arguido [art. 32.º n.º 2 CRP], de que o princípio in dubio pro reo é corolário.

    16. De facto, no caso que nos ocupa, a começar pelas próprias imprecisões/contradições acima descritas, cedo se antolha, que o Tribunal "a quo" se defrontou com a falta, com a dúvida ou com a insuficiência de prova quanto à essência dos factos, essencialmente no que tange a quem efetivamente terá praticado esses mesmos factos, motivo pelo qual haveria de ter chamado à colação princípio do in dubio pro reo.

    17. A desconsideração ou lesão do princípio “in dubio pro reo” essência do inconformismo patente no recurso é lastro do vício de erro notório na apreciação da prova, previsto no art. 410º, n.º 2, al. c), do CPP.

    18. Erro notório na apreciação da prova é a falha grosseira e ostensiva na análise da prova, percetível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, ou seja, que foram provados factos incompatíveis entre si ou as conclusões são ilógicas ou inaceitáveis ou que se retirou de um facto dado como provado uma conclusão inaceitável.

    19. A leitura do texto da decisão, pela saliência que se deteta na postergação da aludida regra de apreciação da prova, mostra - [art. 410.º, n.º 2 do CPP] - a existência do dito vício de apreciação da prova, defeito que se nos afigura legitimador da procedência do presente recurso...

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