Acórdão nº 630/15.6T8AVR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 16 de Janeiro de 2018

Magistrado ResponsávelFERNANDO SAM
Data da Resolução16 de Janeiro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Juízo Central Cível de Aveiro – Juiz 1*Processo n.º 630/15.6T8AVR.P1*Relator: Fernando Samões 1.º Adjunto: Dr. Vieira e Cunha 2.º Adjunto: Dr.ª Maria Eiró* Acordam no Tribunal da Relação do Porto – 2.ª Secção: I. RelatórioB…, residente na Avenida …, n.º …, …, …, Braga, instaurou contra Rede Ferroviária Nacional – REFER, E.P.E.

, (agora Infraestruturas de Portugal, S.A.), com sede na Estação de …, Lisboa, e CP – Comboios de Portugal, E.P.E.

, com sede na …, n.º .., Lisboa, a presente acção declarativa com processo comum pedindo a condenação destas, solidariamente, a: a) reconhecer que o atropelamento e consequente morte do Dr. C…, pelo comboio Intercidades n.º … que circulava na Linha 1, de sul para norte, e que não efectuava paragem em …, é-lhes imputável a título de responsabilidade extracontratual; b) pagar ao Autor a quantia de 150.000,00€ a título de indemnização por danos não patrimoniais pela privação do direito à vida do falecido Dr. C…, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento; c) pagar ao Autor a quantia de 150.000,00€ a título de indemnização por danos não patrimoniais pela perda do seu cônjuge e consequente desgosto e sofrimento por si sofrido, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento; d) pagar ao Autor a quantia de 2.615,00€ a título de indemnização pelos danos patrimoniais tidos com as despesas de funeral da vítima, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento; e) pagar ao Autor a quantia de 1.841.697,34€ a título de indemnização pelos danos patrimoniais tidos com a perda de rendimentos futuros derivados da morte do seu cônjuge.

Para tanto, alegou, em resumo, que, no dia 3/1/2014, pelas 18 horas e poucos minutos, na estação de …, C… foi atropelado pelo comboio Intercidades n.º …, que circulava na linha 1, no sentido sul – norte, onde não tinha paragem, conduzido pelo maquinista ao serviço da CP, por sua culpa, já que seguia a velocidade superior a 120 Km/hora, não fez atempadamente sinal acústico nem travou a composição, propriedade da Ré CP, sendo que, no local, não existe qualquer passagem desnivelada, resultando do embate a morte do seu marido, provocando-lhe os danos que pretende ver ressarcidos.

Ambas as rés contestaram, em separado, excepcionando a incompetência material do tribunal comum e impugnando os factos articulados pelo autor, alegando factos tendentes a imputar a culpa exclusiva na verificação do atropelamento ao Dr. C…, por ter iniciado a travessia sem se certificar de que o podia fazer em segurança e permanecer na linha, a olhar para um aparelho que levava nas mãos, com auriculares nos ouvidos, não obstante ter sido avisado da aproximação do comboio pelo maquinista, pelo Chefe da estação e por populares presentes, concluindo pela improcedência da acção.

A REFER requereu a intervenção acessória provocada da D… – Sucursal em Portugal, por ter celebrado com esta Seguradora um contrato de seguro, válido e em vigor à data do evento em causa, titulado pela apólice nº ………, nos termos do qual garante o pagamento das indemnizações pelos danos causados a terceiros pela “utilização … da rede de infra-estrutura ferroviária, estações de passageiros, seus edifícios e outras instalações…”.

A CP requereu a intervenção principal provocada da E… - Companhia de Seguros, S.A., alegando ter celebrado com ela um contrato de seguro obrigatório, em vigor à data do sinistro, titulado pela apólice nº .............., nos termos do qual havia transferido a sua responsabilidade pelos danos decorrentes da sua actividade de prestação de serviços de transportes ferroviários de passageiros e actividades complementares.

Admitidos os chamamentos requeridos, ambas as chamadas apresentaram, em separado, contestações.

A E… – Companhia de Seguros, S.A., deu como reproduzida a contestação da co-ré CP, concluindo pela sua absolvição.

A D… – Sucursal em Portugal, alegou, em síntese, que o atropelamento se ficou a dever, única e exclusivamente, à vítima, que ignorou todos os avisos, denotando clara intenção suicida, pelo que não é devida qualquer indemnização, a qual sempre seria exagerada, concluindo pela improcedência da acção.

As excepções da incompetência absoluta, em razão da matéria, foram apreciadas e decididas, tendo sido declarada a competência do Tribunal da Comarca de Aveiro.

Na audiência prévia, foi proferido despacho saneador, foi identificado o objecto do litígio, foram elencados os factos já provados e foram enunciados os temas da prova, sem reclamações.

Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida douta sentença, onde se decidiu pela improcedência da acção com a consequente absolvição das rés e da interveniente E… dos pedidos.

Inconformado com o assim decidido, o autor interpôs recurso de apelação e apresentou a correspondente alegação com as seguintes, extensas e complexas[1], conclusões: “1º A afirmação de não ficou provado o suicídio do Dr. C… e a afirmação de que “… diremos mesmo que, seguindo absorto como seguia, com auriculares nos ouvidos e com o olhar apenas fixo no aparelho eletrónico, o senhor Dr. C… não queria ouvir nem ver o que se passava à sua volta. Só por isso (em nosso entender) não viu as luzes da locomotiva nem ouviu o barulho estrondeante da composição nem as chamadas de atenção feitas pelo chefe da estação e outras pessoas presentes na estação apercebendo-se do perigo que ele corria.” (cfr. penúltima página da sentença), constituem contradição entre a decisão e os seus fundamentos e, nessa medida, ocorre nulidade da sentença, nos termos do disposto no art. 615º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil.

  1. Os depoimentos prestados no dia 24/11/2016 pelas testemunhas F… (Depoimento gravado de 10:00:58 a 10:47:50, com a duração de 00:46:52), G… (Depoimento gravado de 10:51:52 a 10:56:10, com a duração de 00:04:17), I… (Depoimento gravado de 14:40:28 a 15:25:52, com a duração de 00:45:24), J…, (Depoimento gravado de 15:27:40 a 15:49:24, com a duração de 00:21:44), K… (Depoimento gravado de 15:55:17 a 16:31:51, com a duração de 00:36:34), L…, (Depoimento gravado de 16:33:04 a 17:00:34, com a duração de 00:27:30) e M… (Depoimento gravado de 17:01:37 a 17:41:34, com a duração de 00:39:58), no dia 25/11/2016 por N… (Depoimento gravado de 09:58:39 a 10:47:38, com a duração de 00:48:59), X…, (Depoimento gravado de 10:49:25 a 11:38:41, com a duração de 00:49:16), W… (Depoimento gravado de 11:39:57 a 11:57:32, com a duração de 00:17:36), O…, (Depoimento gravado de 12:00:30 a 12:18:39, com a duração de 00:18:09) e P… (Depoimento gravado de 14:46:47 a 15:14:24, com a duração de 00:27:38), nas passagens devidamente identificadas nas alegações e que aqui se dão por reproduzidas, implicavam uma diferente resposta aos pontos 19, 23, 24, 28, 29 (na parte em que se diz repentinamente), 30, 33 e 34 da matéria de facto dada como provada e à alínea j) da matéria de facto dada como não provada na sentença.

  2. Com efeito, os identificados pontos dados como provados deveriam ter sido dados como não provados e a alínea dada por não provada deveria ter sido considerada provada, atendendo não apenas aos depoimentos acima identificados, mas também ao relatório da autópsia (doc. 6 da petição inicial) e ao resultado da inspeção ao local vertido na ata de 2211/2016 (parte da manhã).

  3. No modesto entendimento do Autor, ainda que o tribunal entenda manter inalteradas as respostas à matéria de facto – o que não se concede – sempre a decisão final teria de ser bem diversa da proferida pela primeira instância, designadamente pela conjugação dos pontos 9, 10, 16, 17, 18, 25, 27, 29 e 55 da matéria de facto dada como provada, devidamente integrada no direito aplicável.

  4. Resulta do depoimento da testemunha M… o seguinte: 1) Apenas viu o sinistrado com uma antecedência de cerca de 60/70 metros; 2) Apenas conseguiu imobilizar o comboio (a 120 Km/h) ao fim de 150/200 metros; 3) Era um comboio sem paragem em …, o que era suficiente para que o motorista tivesse um especial cuidado, uma especial atenção à via, até porque conhecia o local e sabia que a linha férrea era atravessada por uma passadeira sem barreiras, semáforos ou qualquer outra barreira física protetora dos peões; 4) Levava as luzes ligadas: médios em baixo e máximos em cima, o que terá encadeado a vítima, impedindo-a de se desviar quando se apercebeu da presença do comboio; Ora, é por demais óbvio, que o maquinista tem de ir a contar com um qualquer atravessamento e, embora não possa desviar-se porque vai sobre carris, pode evitar ou diminuir o impacto do embate se estiver atento à via, sobretudo atendendo a que tem uma reta de um quilómetro à sua frente até se deparar com o peão. Esta afirmação de que não vai a contar é uma confissão expressa do maquinista de que não ia atento à via com o cuidado e a diligência que lhe são exigíveis. É que o Dr. C… atravessou a via-férrea numa reta de dois quilómetros e na passadeira destinada a tal atravessamento, não atravessou a via numa curva escondida a que acedeu saltando uma qualquer vedação ou percorrendo a via-férrea à revelia; 5) O comboio aproxima-se silenciosamente, fazendo pouco barulho (ao contrário do que afirma o tribunal a quo e que é do conhecimento empírico de cada um pois que o barulho aparece apenas após a passagem do comboio); 6) A vítima é colhida quando já se encontra a meio da segunda linha, ou seja, a chegar próximo da plataforma, do lado oposto, o que demonstra a possibilidade do motorista a avistar muito antes do momento em que o faz, tanto mais que vinha caminhando lentamente; 7) Se o maquinista viesse atento à via férrea teria conseguido evitar o embate ou, pelo menos, reduzir substancialmente o seu impacto e as suas consequências.

  5. Todos os factos vindos de referir na conclusão anterior são de molde a concluir pela existência de culpa efetiva do maquinista na...

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