Acórdão nº 420/14.3T9STS.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 28 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelMARIA ERMELINDA CARNEIRO
Data da Resolução28 de Fevereiro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 420/14.3T9STS.P1 Acordam em conferência na Primeira Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: I – Relatório:No âmbito do Processo Comum com intervenção do Tribunal Singular que corre termos no Juízo Local Criminal de Santo Tirso – Juiz 2 da Comarca do Porto com o nº 420/14.3T9STS, foram submetidos a julgamento os arguidos B…, C… e D…, Lda.

, tendo a final sido proferida sentença, depositada em 08 der março de 2017, que condenou os arguidos: 1- B…, pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social p. e p. no artigo 107º nºs 1 e 2 do RGIT, com referência ao artigo 105º nº 1 do mesmo diploma, na pena de sete meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano; - C…, pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social p. e p. no artigo 107º nºs 1 e 2 do RGIT, com referência ao artigo 105º nº 1 do mesmo diploma, na pena de sete meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano; - D…, Lda. pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social p. e p. no artigo 107º nºs 1 e 2 do RGIT, com referência ao artigo 105º nº 1 do mesmo diploma, na pena de 480 dias de multa à taxa diária de €5,00.

- Mais foram os arguidos condenados, solidariamente, a pagarem ao demandante Instituto da Segurança Social, IP. a quantia de €6.157, 92, correspondente ao montante global das cotizações em dívida, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos até efetivo pagamento.

Inconformados, os arguidos B… e C… interpuseram o presente recurso, extraindo das respetivas motivações as seguintes conclusões: (transcrição) 1. O presente recurso tem como objeto a matéria penal, pretendendo-se com o mesmo a impugnação de determinados pontos da matéria de facto provada, visando-se colocar em crise a sentença proferida pelo tribunal a quo que entendeu condenar os arguidos pela prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social.

  1. Resultou claro e evidente da prova produzida em audiência de discussão e julgamento que os recorrentes não exercem a gerência de facto da sociedade arguida, D…, Lda., motivo pelo qual temos para nós que mal andou tribunal recorrido ao condenar os arguidos pelo crime de que foram acusados.

  2. Pela análise da motivação do tribunal, constatamos que o tribunal teve em consideração o depoimento parcial de testemunhas mas também – e essencialmente – a condenação anterior dos arguidos pela prática do mesmo crime.

  3. De facto, considerou o tribunal a quo que, ponderado este facto e conjugado com a restante prova produzida não resulta que tivesse ocorrido, desde então, qualquer alteração de facto ou de direito, na forma de gestão da sociedade arguida que seja de molde a afastar a responsabilidade dos arguidos, tudo o que, salvo o devido respeito por opinião diversa, não se entende nem concede.

  4. Ora, por um lado, o tribunal recorrido não devia nem podia, salvo melhor entendimento, fundamentar a sua convicção com o facto dos arguidos já terem confessado num processo anterior, a gerência de facto da sociedade arguida e a responsabilidade na falta de pagamento das cotizações à segurança social.

  5. Por outro lado, afigura-se-nos que o tribunal não apreciou nem valorou no seu todo a prova testemunhal produzida, tendo feito uma errónea interpretação dos depoimentos produzidos em sede de audiência de discussão e julgamento.

  6. A questão essencial nos presentes autos acabou por ser a de indagar se os arguidos indagados eram ou não gerentes na realidade da sociedade arguida e, consequentemente, se a responsabilidade decorrente da omissão da entrega daqueles pagamentos impendia ou não sobre aqueles, a fim de se apurar a sua responsabilização criminal.

  7. Não se compreende nem aceita que a condenação anterior dos arguidos tivesse servido como elemento essencial para a fundamentação da sentença condenatória em crise, uma vez que o processo anterior transitou em julgado, fez caso julgado formal e material, tendo os arguidos cumprido a pena aplicada naqueles autos, a qual, aliás, foi já extinta.

  8. Na verdade, muito embora se compreenda e admita que, quando muito, possa ter causado alguma estranheza ao tribunal que os arguidos tenham confessado os factos em processo anterior e agora venham afinal referir que nunca exerceram a gerência da sociedade arguida, tal não implica que de tal premissa se possa partir para que os arguidos sejam culpados e condenados também no processo em análise.

  9. Fundamentar a presente decisão com a condenação anterior afigura-se-nos roçar os limites da violação do princípio ne bis in idem plasmado no artº 29º nº 5 dda Constituição da República Portuguesa que consagra que: “Ninguém pode ser julgado mais que uma vez pela prática do mesmo crime”.

  10. Aliás, praticamente no final da audiência de julgamento, o arguido recorrente fez questão de elucidar o tribunal a quo do motivo pelo qual terá confessado os factos no processo anterior, referindo que apenas o fez a pedido do seu pai que lhes garantiu que não iriam ter problema algum ao fazê-lo, dando assim a perceber ao tribunal que apenas o terão feito para proteger o pai.

  11. O tribunal a quo formou ainda a sua convicção no depoimento parcial de algumas testemunhas, desconsiderando injustificadamente e de outras que entendeu por bem não valorar, para nós de forma injustificada.

  12. O tribunal não interpretou corretamente o depoimento prestado pela testemunha E…, não havendo correspondência entre os considerandos feitos pelo tribunal acerca do depoimento desta testemunha na sentença e o depoimento que a mesma prestou na audiência.

  13. Na verdade, atendeu o tribunal que a testemunha trabalhou na empresa a partir de 2003, quando a própria testemunha referiu que começou a trabalhar em 1983, salientando ainda que a testemunha terá referido que os arguidos é que mandavam quando a testemunha disse que era o pai dos arguidos quem mandava e sempre geriu a empresa.

  14. Quanto à testemunha F…, que trabalhou na empresa arguida, considerou o tribunal que, pelo facto da mesma ter referido que foi contratada pelo pai dos arguidos em 2001, se afigurou ao tribunal que tal alusão era feita à empresa anterior à dos autos, que teria sido gerida pelo progenitor dos arguidos, irrelevando-o injustificadamente.

  15. De notar que esta testemunha referiu em audiência o mesmo que a testemunha E…, ou seja, que sempre foi o pai dos arguidos que geriu a sociedade, sendo o mesmo quem dava ordens.

  16. No que tange ao depoimento de G…, trabalhador da empresa “D…” de 2 de Março de 2011 a 31 de Maio de 2011, o tribunal não o teve como bom, atenta a manifestada ingenuidade/simplicidade/debilidade, pelo que sofreu menor confiança que os demais, o que, mais uma vez, não se concede.

  17. Com efeito, esta testemunha disse taxativamente ao tribunal que o arguido recorrente não mandava nada na empresa, sendo o pai do mesmo quem decidia e dava ordens.

  18. Quanto ao depoimento prestado por H…, que trabalhou na empresa a partir de 1 de Junho de 2003 e saiu em Abril de 2010, o tribunal não o considerou por ter entendido que o mesmo não poderia provar ou infirmar os factos narrados na acusação, o que se nos afigura desprovido de sentido, uma vez tal depoimento atestou, mais uma vez, que os arguidos nunca exerceram de facto a gerência da sociedade D….

  19. Face ao exposto, existiu um erro notório na apreciação da prova, uma vez que o tribunal dá como provados factos relativamente aos quais foi produzida em audiência de julgamento prova evidente em sentido absolutamente contrário, sendo este um dos fundamentos do presente recurso – artigo 410º nº 2 alínea c) do Código de Processo Penal.

  20. Na verdade, existem provas evidentes decorrentes do depoimento de testemunhas, coincidentes entre si e com as declarações prestadas pelo arguido recorrente, que impunham decisão diversa da recorrida e que o tribunal entendeu não valorar da forma coo entendemos que devia.

  21. Quanto ao depoimento prestado pelo técnico de contas, I…, TOC, depoimento esse a que o tribunal atendeu como decisivo para a formação da sua convicção, o mesmo revelou-se ser, pelo menos para nós, para além de absolutamente parcial – uma vez que a testemunha em questão referiu ser amigo do pai dos arguidos recorrente há muitos anos, sendo também este amigo do seu pai igualmente há longos anos – confuso e insuficiente quanto à matéria em questão, depoimento esse que, aliás, não foi corroborado por nenhuma outra testemunha.

  22. Isto posto, com base nos depoimentos apontados – cujas passagens concretamente se transcrevem nas alegações – entendemos assim terem sido incorretamente julgados os factos vertidos sob matéria de facto provada em 4, 5, 6, 7, 8, 10, 11, 12, 13, 14, 15 e 16 dos factos provados, por referência ao vertido na sentença.

  23. Impondo-se assim a alteração sobre a matéria de facto no sentido dos factos vertidos nesses pontos, por referência à sentença, serem incluídos nos factos não provados.

  24. Por outro lado, julgamos que, com base nos mesmos depoimentos, deverão ser considerados provados os factos vertidos na contestação e que constam do elenco de factos não provados ínsitos na sentença recorrida, os quais devem ser incluídos nos factos provados.

  25. As provas que impõem decisão de absolvição são assim as declarações do arguido e os depoimentos das testemunhas E…, F…, G… e H….

  26. Conclui-se da prova produzida na audiência de discussão e julgamento que os recorrentes, pese embora sejam gerentes de direito, não podem ser responsáveis criminalmente por causa do não pagamento das cotizações elencados na acusação.

  27. A responsabilização criminal dos gerentes da sociedade por este tipo de ilícito criminal pressupõe o exercício de facto e efetivo do cargo de gerente, sendo aliás esse o sentido maioritário da jurisprudência.

  28. Assim sendo, no caso dos autos, porque não se provou que a gerência da sociedade arguida fosse efetivamente exercida pelos recorrentes, porque não se provou que foram os recorrente que determinaram quais os pagamentos a efetuar, sendo...

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