Acórdão nº 287/12.6JACBR.C1-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Abril de 2014

Magistrado ResponsávelPIRES DA GRAÇA
Data da Resolução10 de Abril de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça - No processo nº 287/12.6JA​CBR.C1-A, do TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA, o Recorrente AA nos autos identificado, após ter sido notificado do despacho que designou o dia 2 de Abril de 2014, às 15:00 para a realização do julgamento em audiência nos autos acima indicados, vem, nos termos conjugados dos artigos 43.º n.º 3,44.° e 45.º n.º 1 alínea a) todos do Código de Processo Penal, deduzir INCIDENTE DE RECUSA DE JUIZ , com a seguinte fundamentação 1. No âmbito dos autos de processo comum com intervenção do tribunal colectivo com o n.º 287/12.6JACBR, do 2.° Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Mangualde, foi o ora Requerente condenado pela prática de 3 (três) crimes, por Acórdão proferido em 8 de Julho de 2013.

  1. Inconformado com tal decisão, interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra e em cuja peça requereu, no respectivo requerimento de interposição, "nos termos do disposto no número 5 do artigo 411..º do Código de Processo Penal, a realização de audiência no Tribunal Superior com vista a debater a matéria de facto que infra se impugna".

  2. Tendo os autos sido distribuídos à 5ª Secção do T.R.C., foi realizada, a 26/02/2014, conferência, tendo os Mm.ºs Juízes Desembargadores aí acordado julgar totalmente improcedente o recurso que havia sido interposto pelo ora Requerente - conhecendo, discutindo e rejeitando todas as questões que este havia suscitado na sua peça recursiva.

  3. Não obstante, a conferência em apreço realizou-se sem que, previamente, se tivesse realizado a audiência que, ao abrigo do dito art. 411º /5 C.P.P. havia sido requerida pelo Requerente, com vista a debater perante o tribunal ad quem a impugnação de facto sobre que versava o seu recurso.

  4. A não realização de tal audiência, quando a mesma foi efectivamente requerida, consubstancia uma irregularidade nos termos do n.º 1 do artigo 123.º do C.P.P. - irregularidade suscitada pelo ora Requerente por intermédio de requerimento remetido por fax no dia 6 de Março de 2014.

  5. Por Acórdão datado de 12 de Março de 2014, vieram os Exmos. Senhores Juízes Desembargadores firmar o entendimento de que, efectivamente, a preterição da audiência de discussão atempadamente requerida consubstanciava a irregularidade arguida, pelo que declararam inválida e de nenhum efeito a conferência de 26 de Fevereiro de 2014 e, em consequência declararam igualmente inválido o Acórdão de fls. 2737 a 2846.

  6. E é nessa sequência que foi designada data para a realização da audiência que havia sido requerida.

  7. Ora, considera o Requerente que andou bem o Venerando Tribunal da Relação em designar data de julgamento de forma a dar cumprimento ao inicialmente requerido, não podendo contudo concordar, salvo o devido respeito, que tal audiência seja realizada perante o mesmo colectivo que proferiu o Acórdão de fls. 2737 a 2846.

  8. Na verdade, embora o Acórdão de fls. 2737 a 2846 tenha sido declarado inválido e desprovido de efeito, sempre se dirá que a sua prolação implicou o conhecimento e análise, por parte dos Mm.ºs Juízes Desembargadores que o subscreveram da totalidade das questões suscitadas no recurso interposto pelo aqui Requerente.

  9. Ou seja, não obstante tal acórdão não ter qualquer valor processual, o que é facto é que o colectivo de juízes desembargadores que o proferiu já formou a sua convicção sobre o teor e bondade do recurso do ora Requerente.

  10. Não se pretende com o que se diz afrontar ou colocar em crise, seja de que forma for, a idoneidade ou seriedade dos Exmos. Juízes Desembargadores em causa. Contudo, e como seres humanos que são, tendo-se já pronunciado sobre o mérito do recurso interposto (e quanto à totalidade das questões, de facto e de Direito, no mesmo suscitadas), como se disse, já formaram a sua convicção sobre aquele.

  11. Nos termos do artigo 43.º do Código de Processo Penal: "1. A intervenção de um juiz no processo pode ser recusada quando correr o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade.

  12. Pode constituir fundamento de recusa, nos termos do n.º 1, a intervenção do juiz noutro processo ou em fases anteriores do mesmo processo fora dos casos do artigo 40.º” 13. A recusa que se pretende ver deferida não se prende com qualquer traço subjectivo por parte do colectivo, uma vez que não há quaisquer indícios de interesses pessoais na causa.

  13. Contudo, dir-se-á que a imparcialidade do dito colectivo (essencial para o julgador de qualquer processo), in casu, falha o teste objectivo - que passa por determinar se o comportamento do(s) juiz(es), apreciado do ponto de vista do cidadão comum, pode suscitar dúvidas fundadas sobre a respectiva imparcialidade.

  14. Ora, como decorre dos princípios da experiência comum, não será possível aos Exmos. Juízes Desembargadores em apreço eliminarem da memória todo o exercício mental e análise critica efectuados e -nos quais necessariamente assentou a convicção que formaram unanimemente e que deixaram expressa no dito acórdão de fls. 2737 a 2846.

  15. Muito embora o Acórdão em si tenha sido dado sem efeito, a verdade é que a formulação psicológica do colectivo não poderá ser, também, dada "sem efeito" - perdoe-se o trocadilho -, uma vez que tomaram já claramente posição sobre toda a matéria exposta no recurso interposto pelo aqui Requerente, 17.Conforme resulta da motivação do Acórdão a fls. 2737 a 2746 bem como da ausência de votos de vencido - o que reforça a noção de unanimidade e forte convicção -, não estão os Juízes Desembargadores em condições de dirigir a audiência agendada para o próximo dia 2 de Abril de 2014 com um "espírito limpo", Isto é, imparcial, como deve ser o de qualquer julgador, nos melhores interesses objectivos da causa e dos direitos de qualquer Arguido, logo, do aqui Requerido.

  16. Mais, diga-se que tal imparcialidade é uma exigência específica de uma decisão justa, despida de quaisquer pré-conceitos ou pré-juízos em relação à matéria a decidir ou em relação às pessoas afectadas pela decisão.

  17. Veja-se neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 23 de Fevereiro de 2011, proferido no âmbito do processo n.º 1157/05.0TACTB-A.C1: "Se o Juiz em causa já interiorizou, legítima e forçosamente, uma perspectiva da conduta do ora requerente, o que se constata pela motivação elaborada na sentença, tal pode ser entendido, em tese, como motivo grave e sério adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade, pela comunidade, na medida em que, manifestamente, em anterior processo, formou convencimento sobre a conduta do arguido, a ser apreciada no novo processo (então, enquanto testemunha, agora, na qualidade de arguido, a quem se imputa a falsidade daquele testemunho)." 20. Não obstante o enquadramento do Acórdão citado supra ser diferente do que aqui se discute, a questão de fundo é a mesma, na medida em que o que está em causa é o conhecimento anterior e a perspectiva configurada acerca da conduta de determinada parte que foi criada no espírito do julgador num outro momento (ou situação) processual.

  18. Da mesma sorte, e de forma a criar um paralelo quanto à salvaguarda da imparcialidade objectiva, resulta do regime dos impedimentos, nomeadamente na alínea d) do artigo 40.º do C.P.P., que está impedido de intervir em julgamento o juiz que tiver "Proferido ou participado em decisão de recurso anterior que tenha conhecido, a final, do objecto do processo, de decisão instrutória ou de decisão a que se refere a alínea a), ou proferido ou participado em decisão de pedido de revisão anterior”.

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