Acórdão nº 4154/11.2TTLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Novembro de 2014
Magistrado Responsável | ANTÓNIO LEONES DANTAS |
Data da Resolução | 19 de Novembro de 2014 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I AA instaurou acção, com processo comum, contra: - BB, Ldª e CC – …, S.A, pedindo que seja decretada: 1. A nulidade do contrato de trabalho temporário; 2. A sua reintegração ao serviço da R. BB, nos termos de um contrato de trabalho sem termo.
Mais pediu, sem prejuízo de no caso de vir a ser decretada a nulidade do contrato de utilização, que seja reintegrada ao serviço da entidade utilizadora, a CC, nos termos do regime do contrato de trabalho sem termo.
Pediu ainda que: - A 1.ª R. seja condenada a pagar-lhe € 1.610,40; - A R. BB seja condenada a pagar-lhe os valores relativos a retribuições salariais vencidas e vincendas acrescidas de juros; - A 1.ª Ré seja condenada a pagar-lhe o subsídio de turno que não lhe pagou.
Invoca como fundamento da sua pretensão, em síntese: a) - Que celebrou com a 1.ª R. um contrato de trabalho temporário a termo incerto, vindo a prestar a sua actividade na 2.ª R. no aeroporto de Lisboa; b) – Que o contrato foi celebrado com o fundamento da existência de picos de duração intermitentes e irregulares, nomeadamente na assistência a passageiros, no embarque e desembarque no aeroporto e que vigorou por dois anos, muito para além do permitido por lei; c) Que tal contrato veio a cessar com comunicação que lhe foi feita da “cessação da causa justificativa que o motivou, nos termos e ao abrigo do n.º 1 do artigo 345.º do Código do Trabalho”; d) Que tal contrato é nulo e deve ser considerado como celebrado sem termo com a 1.ª R., ou caso se encontre, igualmente, ferido de nulidade o contrato de utilização de trabalho temporário, celebrado entre o Utilizador e a R., a que alude o n.º 1 do artigo 180.º, do CT, o vínculo laboral existente seja entre a trabalhadora e o Utilizador, 2.ª R.
A acção prosseguiu seus termos vindo a ser decidida por sentença de 3 de Julho de 2013, que integra o seguinte dispositivo: «Face ao exposto julgo a acção parcialmente procedente, por provada parcialmente e: A - condeno a R. BB, Sociedade por quotas a pagar à A. a quantia de € 1.610,40 (mil seiscentos e dez euros e quarenta cêntimos) acrescida de juros legais desde a data do vencimento de cada subsídio de turno devido.
B - Absolvo as RR. do demais peticionado.
C- Custas pela A. e pela 1.ª R. de acordo com o decaimento.
Registe e notifique».
Inconformada com esta decisão dela apelou a Autora para o Tribunal da Relação de Lisboa, que veio a conhecer do recurso interposto por acórdão de 10 de Abril de 2014, nos seguintes termos: «Em face do exposto, acorda-se em julgar procedente o presente recurso e consequentemente condena-‑se a 2ª Ré CC – …, S. A, a reintegrar a Autora ao seu serviço no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade.
Mais condena-se a 2ª Ré (CC, S. A) a pagar à Autora: - Os salários vencidos desde 10.10.2011 e vincendos até à data do trânsito desta decisão, em valor a liquidar em incidente de liquidação, sendo que nos mesmos se devem deduzir: - As importâncias que a trabalhadora tenha auferido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento; - O subsídio de desemprego atribuído à trabalhadora no período em causa, devendo o empregador entregar essa quantia à segurança social.
Tais salários serão acrescidos de juros de mora, à taxa legal, devidos desde a data do respectivo vencimento até integral pagamento».
Irresignada com esta decisão, dela recorre de revista para este Supremo Tribunal a Ré - CC – …, S.A, integrando nas alegações apresentadas as seguintes conclusões: «1. É doutrinária e jurisprudencialmente pacífico que o direito à segurança no emprego abrange não apenas o direito a não ser despedido sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos, mas também todas as situações que se traduzam em precariedade da relação de trabalho.
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Não obstante o direito dos trabalhadores à segurança no trabalho, é também lícito às entidades patronais, de acordo com o também constitucionalmente consagrado direito à gestão empresarial (art. 86.º C.R.P.) recorrer ao trabalho temporário, entendido este como uma modalidade flexível da utilização do factor trabalho.
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Para evitar situações abusivas ou o recurso fraudulento à contratação temporária, o legislador identificou taxativamente as situações que, pela sua excepcionalidade e transitoriedade, admitem o recurso à contratação temporária, devendo ainda dos respectivos contratos constar os fundamentos (necessidades temporárias e excepcionais) que traduzem essa necessidade.
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In casu, a Recorrente não violou as formalidades legalmente exigidas, nem recorreu à contratação abusiva ou fraudulenta.
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A Recorrente não se limitou à mera remissão legal, para fundamentar o contrato, e a realidade trazida aos autos (e que veio a ser considerada provada) demonstrou que aos factos que justificaram a celebração do contrato de utilização de trabalho temporário corresponderam à realidade, e ao início e termo coincidiram com a celebração do contrato de trabalho temporário.
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É conhecido e aceite pela Jurisprudência que o acréscimo temporário da actividade da empresa não impõe sempre o mesmo grau de concretização ou de explicitação dos factos que justificam o recurso à contratação a termo.
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A actividade em causa, bem como a medida da possibilidade de cumprimento de tal requisito, que impõem um maior ou menor grau de exigência de concretização no contrato de utilização de trabalho temporário das razões que justificam o recurso a esta modalidade de contratação.
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O que importará apurar é se os fundamentos constantes do contrato são reais, e se corresponderam a necessidades temporárias e excepcionais da entidade empregadora.
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A Recorrente fez prova cabal de que os fundamentos descritos no contrato de trabalho temporário e no contrato de trabalho de utilização de trabalho temporário se verificaram efectivamente, e bem ainda, que atento o seu carácter incerto e não duradouro, justificaram, factual e legalmente, a contratação temporária.
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A contratação da Recorrida correspondeu às expectativas que a ora Recorrente, ao tempo da contratação - 01.08.2009 - tinha relativamente à evolução e crescimento da sua exploração com o inerente e natural acréscimo das necessidades que se fazem sentir no âmbito da actividade de handling, leia-se assistência em escala, que fazem e determinaram necessidades específicas (cfr. Ponto 7 da Matéria de Facto Provada).
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Em 1 de Janeiro de 2000, a actividade de handling foi liberalizada pelo Decreto-Lei n.º 275/99, de 23 de Julho, data a partir da qual a Recorrente deixou de deter a exclusividade do exercício da actividade de handling nos aeroportos nacionais (cfr. Ponto 8 da Matéria de Facto Provada).
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A concorrência de mercado daí decorrente, bem como das companhias que fazem o handling dos seus próprios voos, veio dificultar a gestão dos recursos humanos afectos à actividade de handling que tem vindo cada vez mais a afectar a Recorrente, não podendo esta manter trabalhadores a tempo indeterminado sem conhecer exactamente quais as necessidades no futuro (cfr. Ponto 11 da Matéria de Facto Provada).
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A actividade da Recorrente, para além da assistência aos aviões da Companhia de Bandeira Portuguesa, depende essencialmente do número de voos e companhias assistidas em função de contratos negociados, em regra, anual ou bianualmente e que têm repercussão nas necessidades que se fazem sentir no âmbito de handling, porquanto está em causa uma maior ou menor utilização do Aeroporto onde a Recorrida prestou os seus serviços, in casu o Aeroporto de Lisboa (cfr. Ponto 10 da Matéria de Facto Provada).
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A actividade de handling é, por natureza, caracterizada por grande intermitência, variabilidade e imprevisibilidade operacionais, as quais são traduzidas, concretamente, pelo facto de existirem picos e intensidades operacionais muito diferentes ao longo do ano, do mês, da semana e do dia.
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Além dos elementos de carácter económico conjuntural, de ocorrência de eventos ou fenómenos precisos, existem ainda outros três factores essenciais que condicionam a actividade do operador e que poderão estar na base da contratação de trabalho temporário, ou a termo certo, com fundamento no motivo indicado no contrato de utilização de trabalho temporário: a) a expectativa da empresa em termos de movimentos de aviões e passageiros no início da contratação, a evolução real posterior da actividade e a verificação da cessação dos motivos em que assentou a contratação; b) a irregularidade e intermitência diária da operação, e; c) a celebração de novos contratos com companhias assistidas, e respectivos movimentos, coincidentes com o período da contratação da Recorrida.
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No caso dos autos, ao tempo da contratação da Recorrida, que teve início em 1.08.2009, a Recorrente, partindo dos movimentos de 2008 relativo aos meses de Agosto a Dezembro, verificou que os valores orçamentados e previstos para 2009 relativos aos meses homólogos apresentam valores significativamente mais elevados: com excepção do mês de Novembro (cujo orçamento é menos que o verificado no ano anterior), estavam projectados crescimentos superiores a 200 movimentos em cada mês (Factos 15 e 16 da Matéria de Facto Provada).
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Face a esta expectativa de crescimento, seria, naquele momento, perfeita mente legítimo a opção de contratação de trabalho temporário, sendo certo que também relativamente a todo o ano de 2010, com excepção dos meses de Janeiro e Fevereiro, a expectativa da Recorrente, de acordo com o orçamentado para este ano face aos movimentos reais dos meses homólogos de 2009, era também de claro crescimento em Lisboa (Factos 15 e 16 da Matéria de Facto Provada).
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Porém, em 2011 a Recorrente não só não registou quaisquer sinais de crescimento como, ao invés, registou sinais de estagnação nalguns meses, e de queda noutros meses.
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A constatação da quebra de movimentos reais, por comparação ao que eram as expectativas para a exploração do ano de 2011, particularmente nos...
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