Acórdão nº 419/11.1TAFAF.G1-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Julho de 2014

Magistrado ResponsávelISABEL PAIS MARTINS
Data da Resolução03 de Julho de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça I 1.

No âmbito do processo n.º 419/11.1TAFAF.G1, veio o arguido AA, em 07/11/2013, ao abrigo do disposto no artigo 437.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, interpor, para o pleno das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça, recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, com fundamento em oposição de acórdãos da relação – o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 23/09/2013, proferido no processo supra identificado, e o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 24/02/2010, proferido no processo n.º 102/07.2GAAFE.P1.

Em síntese, alegou que os identificados acórdãos estão em oposição sobre a mesma questão de direito pois que, relativamente ao vício da deficiente gravação da prova produzida em audiência, o acórdão recorrido decidiu tratar-se de nulidade a ser arguida perante o tribunal da 1.ª instância enquanto no acórdão fundamento se decidiu que a nulidade pode ser suscitada em sede de recurso.

2.

Em conferência, por acórdão de 29/01/2014, foi decidido que o recurso devia prosseguir por se verificar oposição de julgados sobre a mesma questão fundamental de direito em situações factuais idênticas e no domínio da mesma legislação.

3.

Determinou-se o cumprimento do disposto no n.º 1 do artigo 442.º do Código de Processo Penal.

4.

Na sequência, o recorrente, o assistente e o Ministério Público apresentaram alegações.

4.1.

O recorrente AA, em síntese conclusiva, sustentou que se deverá «concluir, a final, que o vício da deficiente gravação da prova produzida em audiência – nulidade prevista no artigo 363.º do CPP – poderá ser arguida em recurso, perante a Relação».

4.2.

O assistente BB terminou as suas alegações concluindo que «o momento para arguir a nulidade decorrente da deficiente gravação da prova é, no prazo de dez dias, perante o tribunal de 1.ª instância».

4.3.

O Ministério Público terminou as suas alegações com a formulação das seguintes conclusões: «1- A falta de gravação de depoimento ou a sua inaudibilidade derivada a uma falha ou a uma deficiência no meio técnico (ou na sua utilização) ocorre, na audiência, durante o acto processual de gravação em suporte técnico, sendo este o acto processual que vê afectada a sua validade.

«2- Aquele vício constitui uma nulidade sanável que torna inválido o acto em que se verificou, no caso, a gravação, e só pode ser conhecida a requerimento do interessado.

«3- O reconhecimento do acto processual “gravação em suporte técnico” como sendo o acto processual afectado afasta a aplicação do regime específico de arguição das nulidades da sentença (art. 379º nº 1 do CPP) sendo a questão em apreço resolvida no âmbito do regime geral de arguição de nulidades.

«4- Não se tratando de uma decisão judicial que deva ser impugnada mas de uma nulidade ocorrida durante a prática de um acto processual, mais concretamente, durante a documentação das declarações, realizada pelo funcionário com os meios técnicos à disposição do tribunal, deve a mesma ser arguida perante o tribunal onde a mesma foi cometida de modo a que o juiz a quo a possa suprir.

«5- A arguição da nulidade perante o tribunal ad quem, contra o princípio da celeridade e economia processual, conduziria à prática de actos processuais inúteis já que o tribunal de recurso, ao verificar a inaudibilidade do depoimento, limitar-se-ia a mandar baixar o processo à primeira instância a fim de ali ser suprido o vício, suprimento esse que se traduziria tão só em proceder a regravar das declarações.

«6- O tribunal de recurso visa tão só corrigir eventuais erros mas não visa criar decisões novas sobre questões que não tenham sido suscitadas no processo.

«7- Se a nulidade for irregularmente arguida na própria motivação de recurso, perante o tribunal ad quem, ainda assim, deve o juiz a quo proceder à correcção oficiosa do meio processual (artº 193º nºs 1 e 3 do CPC, aplicável por força do artº 4º do CPP) conhecendo da nulidade desde que a sua arguição tenha sido tempestiva.

«8- Sendo a nulidade irregularmente arguida no recurso, deve considerar-se tempestiva a arguição efectuada até ao último dia do prazo para interposição do recurso desde que não haja elementos no processo que permitam saber qual o dia em que o interessado tomou efectivo conhecimento da mesma, na medida em que é legítimo admitir como possível que o sujeito processual só ouça as declarações no último dia do prazo.

9- Caso o juiz a quo venha a reconhecer a nulidade, deverá, então, decidir, sanando-a e retomando os autos, só depois, a tramitação processual dos recursos. O mesmo será dizer que o juiz a quo, se verificar que o vício existe, mandará repetir o depoimento que ficou inaudível (art. 122º nº 2 do CPP); Caso não a reconheça, da decisão que indefere a pretensão caberá recurso para o tribunal ad quem.

Terminou a propor que o conflito de jurisprudência seja resolvido, fixando-se jurisprudência no seguinte sentido: «I- A falta ou deficiência de documentação das declarações orais, prevista no artigo 363º do CPP, constitui uma nulidade sanável devendo a mesma ser arguida, no prazo de 10 dias, a contar do seu conhecimento, perante o Tribunal onde tal nulidade foi cometida, nos termos conjugados dos artigos 120º nº 1 e 3 e 105º nº 1 do CPP, sob pena sanação.

II- Caso a nulidade seja irregularmente arguida na motivação de recurso, se for desconhecido o dia em que o interessado dela teve conhecimento efectivo, tal não obsta ao seu conhecimento pelo tribunal a quo devendo, neste caso, o juiz proceder oficiosamente à correcção do meio processual indevidamente utilizado, nos termos dos artigos 193º nºs 1 e 3 do CPC, aplicável por força do artigo 4º do CPP, com o subsequente prosseguimento dos termos processuais adequados.

II 1.

Uma vez que a decisão tomada na secção criminal sobre a oposição de julgados não vincula o pleno das secções criminais, há que reapreciar essa questão.

1.1.

No acórdão proferido nos termos do artigo 441.º do Código de Processo Penal, entendeu-se que, em situações idênticas e no domínio da mesma legislação – especialmente, a norma do artigo 363.º do Código de Processo Penal, na redacção da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto –, os acórdãos recorrido e fundamento, ambos de tribunais da relação, estão em oposição quanto à mesma questão de direito.

Com efeito, enquanto no acórdão recorrido se decidiu que a nulidade prevista no artigo 363.º do Código de Processo Penal deve ser arguida perante o tribunal da 1.ª instância, sob pena de sanação, já o acórdão fundamento decidiu que a mesma nulidade pode ser arguida, em recurso, perante a relação. Concluiu-se, por conseguinte, revelarem «os acórdãos recorrido e fundamento decisões expressas e antagónicas sobre a mesma questão fundamental de direito: a de saber se a nulidade prevista no artigo 363.º do Código de Processo Penal deve ser arguida perante o tribunal da 1ª instância, sob pena de sanação, ou se pode, ainda, ser arguida, em recurso, perante a relação».

1.2.

No processo n.º 419/11.1TAFAF, no recurso interposto para a relação, o arguido AA, além do mais, arguiu a nulidade prevista no artigo 363.º do Código de Processo Penal consistente na deficiência da gravação da prova dado o depoimento de certas testemunhas se encontrar totalmente inaudível e imperceptível.

A relação, quanto a essa questão, decidiu que «a nulidade apontada devia ter sido arguida perante o tribunal a quo, e da decisão sobre a mesma, dessa sim, é que caberia recurso» para a relação.

Mostrando-se, ainda, esclarecido que «o recorrente tinha o prazo de 10 dias após a detecção do vício para ter ido solicitar a sanação do mesmo, sendo certo que, na prática, tal prazo, por impossibilidade de prova do contrário, sempre se terá por extensível até ao último dia do prazo de recurso, in casu, o de 30 dias, pois é possível que só no último dia do prazo de recurso o recorrente, ao pretender ouvir a prova gravada se aperceba da inexistência ou deficiência da gravação. «Além disso, o que está em causa é o prejuízo, por falta de instrumentos, para o direito de defesa, e nunca, como invoca o recorrente, algo que inquina o julgamento da matéria de facto e influi decisivamente no exame e na decisão da causa.» No processo n.º 102/07.2GAAFE, o arguido, no recurso interposto para a relação, suscitou a questão da deficiência da gravação da prova por ter sido omitida a gravação de determinado depoimento.

Vindo a relação, nesse ponto, a decidir que a imperceptibilidade da gravação – parcial ou totalmente não audível – deve ser equiparada à falta absoluta de documentação, consubstanciando a nulidade a que se refere o artigo 363.º do CPP, a qual pode ser arguida em sede de recurso.

Sustentando-se o seguinte, quanto ao regime de arguição da nulidade prevista no artigo 363.º do Código de Processo Penal: «(…) posto que não consta do elenco das nulidades insanáveis (cfr. artigo 119.º do CPP), o seu regime decorre do estipulado no artigo 120.º, n.º 1, do mesmo diploma, e porque não sobressai dos casos específicos enumerados nas várias alíneas do n.º 3 deste último preceito citado (seria descabido enquadrá-lo na alínea a) pois que, como é sabido, e com excepção do funcionário que esteja a proceder às gravações, é impossível o controle permanente do estado da gravação, ao menos para os demais sujeitos processuais e, por isso, seria incoerente exigir que a questão fosse suscitada no acto) cremos que tal nulidade poderá ser suscitada em sede de recurso.

«Na verdade, entendemos também que não será exigível para as partes suscitarem tal questão no prazo supletivo a que alude o artigo 105.º, n.º 1, do CPP, ou seja, e em bom rigor, nos dez dias subsequentes à respectiva audiência, isto é, à sessão em que a testemunha em causa foi inquirida, mesmo que após o “terminus” de cada sessão se tenham solicitado e obtido cópias das correspondentes gravações.

«De facto e mesmo que os sujeitos processuais se tenham precavido antecipadamente providenciando e...

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